quarta-feira, 14 de maio de 2014

Um baiano, Luiz Gama, herói da abolição da escravatura em São Paulo, nas palavras de Afonso Schmidt.


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O texto sobre Luiz Gama esta na parte III
 
Luiz Gama, um herói da luta abolicionista
Luiz Gama, um herói da luta abolicionista

Luiz Gama nasceu em Salvador, filho um fidalgote português e de Luísa Maheu, africana liberta da nação Nagô, em 1830. Sua mãe, da qual Gama sempre se orgulhava, teve toda a vida envolvida em insurreições de escravos, como a Revolta dos Maleses, em 1835. Em 1837, acusada de participação na Sabinada, ela foi deportada para o Rio de Janeiro e desapareceu.
“Quando Gama ficou crescidinho, o pai tentou vendê-lo ilegalmente como escravo a um comboieiro, dos que andavam pelo Norte, comprando carne humana”. Mas o menino era muito esperto e fugiu. Seu pai, então, levou-o a visitar um navio que estava no porto e enquanto o moleque percorria os porões e conveses, “o português aproveitou e fugiu, apertando no bolso o dinheiro da transação.”.
O navio pertencia a um comboieiro que tinha partes com a polícia e Gama foi transportado como escravo pelo navio até a cidade de Santos, e de lá até a Praça de Campinas, onde foi anunciado no mercado humano um lote de carnes, do qual ele fazia parte, com as palavras de sempre: “rapaziada moça e sadia, de virar e romper”.
A mercadoria ficou exposta, conta-nos Schmidt, na porta da igreja Matriz, num domingo à hora da missa. Os fazendeiros foram chegando, com botas enlameadas, chapéu do Chile e chicote na mão e passavam em revista a “negrada”: faziam avançar os que pareciam melhores, examinavam os dentes como aos cavalos e depois iam discutir com o comboieiro o preço da peça.
“Quando o melhor da leva havia sido comprado, o mercador de negros fez o leilão do refugo. Mas Luiz Gama nem assim foi vendido”. Quando um pretenso arrematador, Francisco Egídio, soube tratar-se de um baiano, persignou-se e disse: “Da Bahia só quero coco e pimenta, terra de negro revoltado, Deus que me livre”! Luiz Gama, então, foi trazido para São Paulo e exposto durante uma manhã inteira na Rua da Imperatriz. Aí o acaso acudiu-o. Um fazendeiro liberal vindo de Minas que procurava não um escravo, mas uma companhia para seu filho, matriculado na Faculdade de Direito, comprou-o.
O sinhozinho gostou de Luiz Gama, alfabetizou-o e dentro em breve eram os dois a estudar Direito. Apesar de não ser admitido na Academia, começou a participar das rodas estudantis, onde brilhou e conquistou grandes amizades. Fizeram-se seus amigos os Conselheiros Carrão e Crispiniano, José Bonifácio, José Maria de Andrade, jurisconsultos que muitas vezes ouviam sua opinião em questões de Direito.
Um dia, Conselheiro Furtado deu-lhe o emprego de amanuense na Polícia. Trabalhou no fórum com Lins de Vasconcelos e Américo de Campos. Foi quando ganhou demandas de centenas de contos de réis, mas nunca guardou um tostão para si, pois empregava todo o dinheiro que lhe pagavam na propaganda abolicionista, quando não comprava diretamente a alforria de negros escravos.
De Luís Gama, disse Raul Pompéia: “… não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor… E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente e toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro… E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom… Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de clientes mais abastados.”.
O filho do mineiro Francisco Egídio, aquele que se negara a arrematá-lo no leilão, agora marquês, tornou-se seu amigo inseparável e orgulhava-se da coragem e da dedicação de Luiz Gama. Esteve com o amigo presente, ao lado de Américo de Campos e de outros republicanos, na fundação da loja maçônica “América”, em cujo salão azul e enfeitado com estrelinhas de prata, nasceria de verdade, a campanha abolicionista da Província de São Paulo.
Na década de 1860, Luiz Gama deixou o funcionalismo público e tornou-se jornalista e poeta de renome, ligado aos círculos do Partido Liberal. Fundou, em 1869, o jornal Radical Paulistano, juntamente com Rui Barbosa. Participou da criação do Club Radical e, mais tarde, da criação do Partido Republicano Paulista (1873), ao qual se manteve ligado até à sua morte, em 1882. Por volta de 1880, foi líder da Mocidade Abolicionista e Republicana.
Em determinado momento de sua vida abolicionista Luiz Gama foi acusado de açoitar um escravo fugido. Levado como réu aos tribunais, Gama dispensou defensor e, desconhecendo a acusação forjada da qual era acusado declarou que “os senhores de escravos deveriam TODOS responder por pelo menos um crime: o de roubo! Roubo da liberdade de seu semelhante.” E nesse momento lançou a frase que daria um novo aspecto jurídico à campanha abolicionista: “ Para o coração não há códigos: e, se a piedade humana, a caridade cristã se devem enclausurar no peito de cada um, sem se manifestarem por atos concretos, em verdade vos digo aqui, que afrontando a lei, que todo escravo que assassina o seu senhor pratica um ato de legítima defesa.
O réu foi absolvido por unanimidade. Os circunstantes aclamaram-no e o conduziram em triunfo pelas ruas da capital. À passagem da multidão, negras velhas ajoelhavam-se nas ruas e estendiam os braços para Luiz Gama aos gritos de: liberdade, liberdade!

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