quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Joan Baez & Mercedes Sosa∻"Gracias a la vida" (LIVE)


SP e Rio: quem aposta na violência


buscado no Gilson Sampaio 

 



Antonio Martins
Assassinatos de garotos e ataques midiáticos a manifestações confirmam: há interessados em generalizar repressão. Black-bloc é complexo, mas pode estar sendo usado

Obra de Banksy com a colaboração dos grafiteiros brasileiros Gêmeos, em sua passagem por New York
Obra de Banksy com a colaboração dos grafiteiros brasileiros Os Gêmeos,
em sua passagem por New York

Antonio Martins | Imagem: Banksy e Gêmeos 

I.
Uma espiral de fatos graves e estranhos está se sucedendo em São Paulo desde sexta-feira (25/10), quando mascarados agrediram, num ato de violência gratuita, um coronel da Polícia Militar. Comandantes da PM emitiram declarações como se fossem o governo do Estado. Quase duzentas pessoas foram presas de maneira arbitrária e, ao que tudo indica, a esmo. Um jovem de 17 anos foi assassinado domingo pela polícia em ação torpe, provavelmente com intuito de provocar reações de revolta. Ontem (28/10), caminhões e ônibus apareceram em chamas na rodovia Fernão Dias, em horário propício a exposição nos noticiários de maior audiência – sem que apareçam indícios de quem os incendiou.
Episódios anteriores sugerem: pode estar em gestação uma crise fabricada, em que a população, insegura e temerosa, clama pela ação das “forças da ordem” – seja quais forem a truculência e os desdobramentos. Por isso, é importante soar o sinal de alarme e convidar a um exame mais amplo do cenário. Talvez ele revele que certas formas de radicalização artificial têm efeito contrário ao que imagina quem nelas se envolve. Na aparência, elas desafiam o Estado; na realidade, libertam seus mecanismos mais brutais de controle social, repressão e destruição da democracia.
Vale a pena recompor a sequência dos fatos, para tentar interpretá-los e identificar seu sentido comum.

1. Talvez a agressão black bloc ao coronel Reynaldo Rossi, no terminal de ônibus D. Pedro II, sexta-feira, tenha sido mais que um ato grotesco e covarde. Na mídia, as imagens do espancamento estão sendo repetidas à exaustão. Mas qual o contexto em que se produziram? Presente à cena, o repórter Piero Locatelli, de Carta Capital, fez um relato perturbador (1 2), do qual se destacam os seguintes trechos-chaves: “A Polícia havia acompanhado a manifestação com um efetivo de 800 policiais [...] No terminal, mais cedo, manifestantes utilizando a tática black bloc haviam queimado um ônibus e destruído catracas. [...] A polícia pouco agiu para conter a depredação – uma fila de policiais assistia ao que acontecia no local”.
Foram quebrados bilheterias, banheiros, quiosques, orelhões, extintores e 15 caixas eletrônicos. Só mais tarde a repressão e as prisões começaram: na Praça da Sé, a quase um quilômetro dali, tendo por alvo não os “vândalos”, mas manifestantes pacíficos.
Locatelli prossegue: “Os 800 policias que acompanhavam o ato [no Terminal D. Pedro II] esperaram o fim dele para agir com contundência. Instantes depois de um jogral na praça da Sé, os militantes cantavam em clima de festa ‘violência é a tarifa, fascista é a policia’. Foi quando ocorreu uma chuva de gás lacrimogêneo, vinda de todos os lados da praça. Milhares de pessoas tentavam correr dela, sob disparos de balas de borracha, muitas delas sozinhas. A depredação na região se intensificou, e o medo era a regra pelas estreitas ruas do centro. A partir dali, ocorreu uma série de ‘detenções para averiguação’”.

2. Quem fala em nome do Estado, num regime democrático: as autoridades eleitas? Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin calou-se no sábado (27/10), um dia depois da agressão ao coronel Rossi. Mas o chefe do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar, major Mauro Lopes, convocou entrevista coletiva em que assumiu ares de chefe de governo. “O Estado vai dar uma resposta muito forte a este bando de criminosos”, disse. O jornalista Luís Nassif captou a mensagem percebeu o risco: “Essa história da PM anunciar que vai até as últimas consequências – respaldada por uma condenação generalizada contra os vândalos – provoca calafrios maiores do que assistir a um quebra-quebra de black blocs. Na última vez que a PM se comportou assim, em maio de 2006, foram assassinadas mais de 500 pessoas”. Agora, a polícia começou a barbarizar menos de 24 horas após a fala do major Mauro Lopes.

3. As circunstâncias em que se deu o assassinato do garoto Douglas Rodrigues, na tarde de domingo, em Jaçanã (zona norte) são espantosas – mesmo para quem está acostumado com a banalidade do mal, nas periferias brasileiras. A impressão nítida é de incitação à revolta. A polícia foi chamada para uma ocorrência vulgar: uma caixa de som em volume alto demais (“perturbação do sossego”). Mas o PM Luciano Pinheiro Bispo “desceu do carro e pá”, no peito de Douglas, segundo testemunhas (1 2), que negam com veemência a hipótese de disparo acidental. O garoto – estudante, trabalhador e querido dos moradores – chegou a indagar ao algoz, segundo a mãe: “Senhor, por que o senhor atirou em mim”?

4. A previsível reação começou de imediato. Os moradores queimaram três carros e enfrentaram a pedradas a tropa de choque, enviada pra reprimi-los. Houve saques de lojas. Algo menos claro – porém, muito mais visível – deu-se ontem, na região. Cerca de 500 pessoas participaram, em protesto, do velório de Douglas, próximo ao local onde morreu. A manifestação pelo garoto quase não foi noticiada pela mídia. Nos jornais da noite, as telas de milhões de telespectadores, em todo o país, foram ocupadas por outras imagens. Na rodovia Fernão Dias (SP-Belo Horizonte), a centenas de metros de distância da multidão, três grandes caminhões e seis ônibus arderam. As fotos de quem os incendiou são escassas; e a polícia não parece ter sido capaz de identificá-los (embora tenha prendido mais 90 pessoas…). Mas hoje, os três jornais mais vendidos do país apontam, em manchete (1 2 3), os “responsáveis”. Em todos eles, as palavras “manifestantes” e “protesto” estão repetidamente associadas a “quebra-quebra”, “violência” e “saques”…

II.
O comportamento da PM nos últimos dias, em São Paulo, não é exceção. Uma vasta reportagem da jornalista Tânia Caliari revela que, desde as manifestações de junho, as polícias militares têm mantido um comportamento apenas aparentemente ambíguo. Elas alternam dois tipos de desvios complementares. Em certos momentos (como em 13/6, em São Paulo), agem com selvageria cega. Em outros (como em 7/10, no Rio), desaparecem ou assistem, impassíveis, a cenas de enorme gravidade – como a tentativa de atear fogo à Câmara Municipal.
As duas atitudes policiais retroalimentam-se uma à outra, em espiral. A brutalidade da tropa exalta os ânimos dos manifestantes e leva pequenos grupos a reagir de modo violento. As depredações promovidas por estes, nos momentos em que a polícia se omite, amedrontam a população e sugerem que a saída, diante dos protestos, é mais repressão.
Este esforço para instigar apoio à violência do Estado é reforçado pela mídia. Os jornais e TVs já não pedem abertamente repressão aos protestos, como ensaiaram sem sucesso em junho. Agora, agem por sugestão e omissão. Cenas como a do espancamento do coronel Reynaldo Rossi, ou da depredação de bens públicos, são repetidas exaustivamente na TV e decoram as capas dos jornais. Mas procure encontrar, após cada episódio, uma única matéria examinando criticamente o comportamento da polícia. As manifestações repetem-se há cinco meses; os abusos policiais de ambos os tipos, também. Os jornais e TVs fecham os olhos…

III.
O surgimento, no Brasil, dos black-blocs, que praticam atos destrutivos nas manifestações de rua, não pode ser analisado apenas à luz da ciência política clássica. Militantes de quase todos os partidos de esquerda (do PT ao PSTU), além de inúmeros ativistas autônomos, produziram, nos últimos meses, dezenas de textos críticos ao bloco negro. Lembram, com base em fartos exemplos históricos, que a ação violenta de pequenos grupos, sem apoio popular maciço, foi sempre manipulada pelas classes dominantes para legitimar a repressão. Muitos dos autores ressaltam que não propõem atitude pacifista incondicional. Defendem as rupturas, quando as maiorias, convictas de que é preciso estabelecer novas relações sociais, são impedidas de fazê-lo por leis e instituições retrógradas. Mas se opõem a atos narcísicos, cujos praticantes tentam assumir condição de libertadores da multidão.
Se todos estes argumentos têm sido insuficientes para aquietar os black-blocs; se o apoio a eles, embora ínfimo entre a sociedade, mantém-se expressivo entre os que se reconhecem como parte das “Jornadas de Junho”, é preciso sondar as razões. Duas hipóteses, em especial, parecem promissoras.
A primeira é o descolamento nítido entre duas gerações da ativistas anti-capitalistas. Uma militou ou milita no amplo arco de organizações políticas de esquerda, amplamente predominantes até a queda do “socialismo real”. Outra começou a se formar na virada do século, sob influência dos protestos de Seattle (1999), dos Fóruns Sociais Mundiais (2001-2009, no Brasil) ou dos ecos do levante zapatista (1994). Entre ambas, há um intervalo de dez anos. Mas, muito mais importantes, um abismo teórico e de inserção política e social.
A geração histórica teve influência reduzida nas Jornadas de Junho. PT e PCdoB tornaram-se partidos de atuação principalmente institucional. Os sindicatos tiveram sua força devastada pela reorganização produtiva do capital pós-moderno. PSTU e PSOL, por ora, parecem tão incapazes de dialogar com a nova geração quanto a esquerda radical europeia. Os movimentos sociais clássicos, muito atuantes na primeira década do século (do MST às grandes redes, como a que lutou contra a ALCA), ainda não conseguiram situar-se na segunda.
A nova geração anticapitalista é extremamente ativa. Mas com raras exceções (como o Movimento Passe Livre – MPL) não fazem parte de sua cultura e preocupações conceitos como correlação de forças; estratégias e táticas; momentos de avanços ou recuo. Mais: ela sente o esvaziamento da democracia e a impermeabilidade das instituições. Não viveu o suficiente para enxergar as mudanças tímidas, mas inéditas, vividas pelo país na última década. Para quem tem 25 anos, por exemplo, o Bolsa-Família e a redução da miséria não são uma conquista – mas um dado da paisagem política, que precisa ser transformada. Por isso, a nova geração tende a ver a geração histórica como mais um grupo acomodado e participante do condomínio das elites no poder.
Esta hipótese – a do choque de gerações anticapitalistas – articula-se com outra. A ação truculenta da polícia é indispensável para explicar a relevância do black-bloc brasileiro. Ele está muito longe de ser majoritário, entre as novas gerações. Reúne, no máximo, algumas centenas de ativistas, em cada uma das maiores capitais. As críticas que recebem são constantes, nas redes sociais: por legitimarem a violência; por se julgarem heróis e superiores; por não dialogarem. Mas cada novo ato de violência policial parece ressuscitar sua legitimidade.
Há aqui algo que deveria alegrar a velha geração: consciência de classe. A agressão ao coronel Reynaldo Rossi devastou a popularidade do black-bloc por alguns dias, nas redes sociais. Era comum ver mensagens de ira contra eles, mesmo nos comentários das comunidades dos Facebook que os apoiam. Mas isso se desfez após o assassinato do garoto Douglas. Nos últimos meses, em meio ao debate, um poema do marxista Bertolt Brecht foi citado inúmeras vezes, por quem se julga anarquista: “Diz-se violento o rio, que tudo arrasta; mas não as margens, que o oprimem…”.

IV.
Não há problema algum em que as culturas políticas anticapitalistas sejam muito distintas entre si: a longo prazo, esta diversidade pode ser uma riqueza. Mas, numa época de crises e instabilidades um pré-requisito para a sobrevivência e o futuro é saber identificar ameaças comuns. Estamos todos, neste momento preciso, sob uma delas.
Armou-se uma cilada. As grandes mobilizações de junho refluíram e não parece possível retomá-las, ao menos no momento. O ataque aos símbolos do capitalismo, promovido pelos black-blocs, não é eficaz contra o sistema, ao menos por enquanto. Não há razões para duvidar das pesquisas de opinião, segundo as quais 95% da população opõem-se a estes atos. Recua rapidamente, além disso, o apoio ao próprio sentido das manifestações. Em junho, em São Paulo, 89% eram a favor delas; em poucos meses, este índice caiu para 66%.
A polícia e a mídia perceberam a oportunidade. Na madrugada desta terça-feira (29/10), mais um garoto foi morto por PMs em São Paulo, em circunstâncias muito semelhantes às de Douglas. Pouco mais tarde, mais uma manifestação de protesto ocorreu. Nas próximas horas, os meios de comunicação que (ainda) dominam, voltarão a associar “manifestantes” e “protesto” a “vandalismo”, “saques” e “quebra-quebras”.
Está se consumando, rapidamente, o cenário desastroso previsto por Luís Nassif. Ele pode dar-se tanto como tragédia (na forma de um novo morticínio “corretivo” contra a periferia, semelhante ao de 2006) quanto como drama arrastado (um longo sangramento dos movimentos sociais de todos os tipos, até que percam legitimidade junto à maioria e tornem-se impotentes para influir em 2014, que será decisivo para o futuro do país).
Ser incapaz de mudar de tática revelaria inteligência reduzida – como a das moscas que se batem contra o vidro, recuando a cada choque mas insistindo no mesmo trajeto, condenado de antemão. É preciso buscar outros caminhos, e esta responsabilidade cabe a todos, solidariamente.
Para que todos sejamos capazes de escapar à cilada, ninguém pode ser humilhado. Haverá muito tempo para os debates político-ideológicos entre as várias culturas anticapitalistas e suas nuances – mas insistir neles agora seria desastroso para todos.
A violência simbólica nas manifestações precisa refluir, rapidamente. Como os black-blocs não estão inseridos nos debates que outros coletivos travam costumeiramente entre si, será decisiva para isso a ação de grupos que souberam manter diálogo com eles – em especial o Movimento Passe Livre (MPL), um caso notável, por ligar-se simultaneamente às duas culturas políticas de esquerda. Mas este silêncio da tática do bloco negro não pode (inclusive para que funcione) significar que foram derrotados. Ao contrário, deve abrir espaço para incorporá-los ao debate.
São Paulo e Rio estão em sintonia, desde junho: as mesmas lutas, repressão, esperanças e angústias. A grande manifestação preparada pelos cariocas para a próxima quinta-feira (31/10), contra a violência policial e prisões arbitrárias das últimas semanas pode ser um ponto de virada. Uma resposta semelhante às de 17/6, quando milhares demonstraram que as ruas, geridas autonomamente, podem ser um espaço “sem polícia e sem violência”.


Quem escolhe ser cego, fica fora da luta





Buscado no TIJOLAÇO




Por: Fernando Brito


Tenho lido artigos de pessoas absolutamente obturadas dizendo algumas barbaridades sobre o leilão de Libra.

Hoje, saiu um deles, nas páginas “muy amigas” de O Globo, assinado pelo ex-deputado Vivaldo Barbosa.

Creio que é natural em todos, inclusive neste blogueiro, certa tristeza por não termos todo o petróleo – em Libra e fora dele – sendo exclusivamente explorado pela Petrobras. Isso seria o ótimo que, como se sabe, é o pior inimigo do bom.

Daí, porém, a partir para uma manipulação vergonhosa dos números vai imensa distância. Não é possível defender bons propósitos com mentiras. Pior: acaba-se, como a Terra é redonda, indo somar ao lado dos inimigos do Brasil.

Diz Vivaldo:
Por outro lado, os grandes países produtores como Arábia Saudita, Noruega e Venezuela, ficam com 80% do petróleo na partilha. Os 20,8% dados pelo consórcio para a União (41,65% sobre o óleo lucro) ficaram muito baixos (a União tinha 100% antes do leilão). Os 79,2% do petróleo ficam com o consórcio, sem parâmetro no mundo.

Ora, nem José Serra, com suas reconhecidas habilidades matemáticas, chega a tanto, senhores.
Como tenho infinita paciência, de novo explico, para que esse tipo de patranha não prospere.

E, agora, quase desenhando.

Suponhamos que você tenha uma nota de 100 reais, lá em Manhu-Mirim e pergunte quem quer ir buscar lá, para você.

Você diz que, para fazer isso, ele terá de pagar uma taxa a você, um bônus, de perto de 1 real.

O seu melhor amigo diz que fará isso e pega um ônibus para lá, a R$ 15 a passagem: R$ 30, ida e volta.

De onde sai esse dinheiro? Do bolso dele?  É obvio que não. Ele é seu amigo, não a Irmã Paula.Sai destes 100.

Sobraram 70.

Como Manhu-Mirim cobra um imposto para alguém sair de lá com dinheiro – um tal de royalty, de 15% – o seu amigo já largou 15 reais na saída da rodoviária. Porque esse tal royalty é do valor bruto, não importa quanto custe o ônibus. E é dinheiro que, evidente, vai sair daquela pelega de 100 reais.

Ficaram 55, se a Escola Isabel Mendes, da velha Guanabara, me ensinou direito.

Estes 55 vão ser rateados entre você e seu amigo: 41,65% para você, o resto para ele.

Portanto,  R$ 22,91 para você e R$ 32,09 para ele.

Mas, como você ainda cobra um “imposto de amizade” ao seu amigo, de 34% de tudo o que ele ganhar, ele tem de repassar a você 34% destes R$32,09, ou R$ 10,91.

Ficam, para ele, portanto, R$ 21,18, do qual ele tem de tirar aquele um real que te pagou de “bônus”. Sobram, portanto, R$ 20,18

Como você é o prefeito de Manhu-Mirim, ficou com os 15% daquele valor cobrado lá: R$ 15.

15 mais 22,91 e mais 10,91 dá  48,82. Mais aquele realzinho, 49,82 reais

Se você ficou com R$ 49,82 e seu amigo com R$ 20,18, quanto dinheiro têm vocês dois juntos, perguntar-me-ia a Dona Vilma, minha professora lá na Isabel Mendes.

- Ah, tia, é só somar 49,82 com 20,18, isso dá R$ 70, é moleza.

Aí, no ano seguinte, a Dona Vilma ia me ensinar a calcular percentagem e perguntaria quantos por cento 49,82 são daqueles 70 reais do total.

E eu iria fazer uma regra de três simples: se 70 reais são 100 por cento, 49,82 reais são “X”. 

Multiplicando em cruz, dá 4982 divididos por 70, ou 71,17%.

Mas isso não é tudo: como o seu amigo tem uma esposa chamada Petrobras, que fica com 40% de tudo o que ele ganha, a Dona Petrobras fica com 40% daqueles R$ 20,98: ou seja, com  R$ 8,39.

Dona Vilma vai me perguntar de novo: quanto você (49,82) e Dona Petrobras (8,39) ficaram, juntos?
Fácil, tia: 49,82 mais 8,39 dá 58,21.

-E quantos por cento isso é daqueles 70 reais?

- 5821 divididos por 70 dá 83,16%.

Desculpem o primarismo, mas só assim para desobturar mentes cegadas pela ideologia, que deve ser luz para ver e não treva para esconder.

Dito isso, vamos cuidar dos argumentos que usam os inimigos da Petrobras,da política de exigência de conteúdo nacional, daqueles que querem, estes sim, transferir para o estrangeiro a riqueza do pré-sal de Libra e de outros mais.

PS. O argumento de que a Petrobras tem acionistas estrangeiros, mais uma “dívida” que temos com a nefasta memória de Fernando Henrique, vale tanto para a partilha como está  como se o campo fosse totalmente entregue à Petrobras, certo?

Por: Fernando Brito
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A "barbárie antidemocrática" de cada um ou quem atirou a primeira pedra


fonte Porfírio

buscado no Gilson Sampaio 



por Pedro Porfírio


Antes de criminalizarem os jovens rebelados os governos deveriam avaliar seus próprios desatinos



O comandante da tropa de repressão saiu de sua condição para ir laçar pessoalmente uma "vândala" num ambiente de violência compartilhada, em que a PM exibiu com garbo sua truculência incontrolável.(CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIÁ-LA)


Acuada por cobranças implacáveis, atormentada pelas sombras do passado e preocupada principalmente com a vulnerabilidade do Estado repressivo, a presidenta Dilma Rousseff classificou como "barbáries antidemocráticas" as depredações ocorridas em São Paulo, durante manifestação pelo passe livre no transporte público da cidade. Via twitter, a presidente prestou solidariedade ao coronel Reynaldo Simões Rossi"agredido covardemente por um grupo de  black blocs".

"Agredir e depredar não fazem parte da liberdade de manifestação. Pelo contrário. São barbáries antidemocráticas. A violência cassa o direito de quem quer se manifestar livremente. Violência deve ser coibida", escreveu Dilma na rede social; A presidente cobrou das forças de segurança "a obrigação de assegurar que as manifestações ocorram de forma livre e pacífica".

Ninguém de sã consciência aplaude a explosão violenta da indignação juvenil nas ruas das cidades brasileiras. Mas a todos os que ainda pensam livremente impõe-se a pergunta elementar:

por que chegamos a esse tipo de manifestação desconectada das gôndolas alegóricas que singram mansas as águas turvas de um mar de lama?

Até junho passado, o descontentamento e as frustrações  de milhares de jovens não haviam transposto os muros escolares e os guetos marginalizados. Não fosse um coquetel de diabruras de um sistema hegemonizado por  um poder econômico insaciável e a repressão descontrolada da PM ninguém teria atirado a primeira pedra, alvejando prioritariamente as vitrines dosbancos, senhores absolutos de todos os podres poderes, fontes inesgotáveis de corrupção e beneficiários necessários  das peripécias governamentais ao longo de décadas.

Foi preciso a exposição da cumplicidade subserviente de prefeitos na relação delituosa com asmáfias dos transportes, que a todos subornam, para que as ruas fossem retomadas por seus legítimos donos. Já não dava mais para sufocar o grito que estava parado no ar.

Primeiro, uns. Depois, outros. Em dias, a cidadania inteira se tocava de sua força e de sua responsabilidade. Um mar humano invadiu os palácios e os covis numa pungente explosão de efeitos apocalípticos.  Era uma onda de calouros da revolta que se espalhava pelos quatro cantos produzindo um recado cristalino: basta de toda essa farsa fermentada pelas farinhas do mesmo saco que simulavam conflitos para escamotear a uníssona submissão a um modelo econômico excludente, com viés compensatório vicioso, que alcança todas as camadas sociais, opera uma sensação canastrona de boa semeadura, deixa milhões de jovens sem ter onde enfiar seus canudos de papel, criminaliza a odisseia dos anciãos, mantém intactas as estruturas da opressão selvagem  e torna a sobrevivência digna uma utopia obsoleta.

Os próceres dos podres poderes fingiram que ouviram o clamor das ruas. Fingiram, apenas, da boca pra fora. Ao contrário, porém, trataram de novas artimanhas para manter intacto o sistema da injustiça, dos privilégios e da impostura.

Muitos dos que saíram da inércia para a pugna eloquente das ruas convenceram-se da inutilidade dos audazes protestos.  Voltaram para o recinto do lar com o gosto amargo da frustração. Perceberam à primeira vista a armadura que blinda com chumbo grosso os interesses mais sórdidos e o desprezo pelo drama das maiorias, condenadas ad eternum a dorsos das elites gananciosas.

Mas outros, não. Não eram muitos, mas eram tantos que poderiam continuar abalando a rotina conservada na salmoura da chacina social. Esses tantos entenderam o protesto pela via do confronto quixotesco. Armados de paus e pedras decidiram enfrentar os fuzis com a flama de seus atos beligerantes estabanados.

Independente da aparente inconsequência e indiferentes ao desconforto de suas ações melindrosas, esses grupos diversos, de variados matizes, incorporaram o sentimento do inconformismo ante o cinismo dos detentores dos poderes, que só pensam em seus mesquinhos interesses menores.

Antes de censurarem a barbárie antidemocrática desses jovens insistentes devem as autoridades de todos os entes e de todos os podres poderes olhar os próprios umbigos. O que fizeram de bom depois das manifestações mansas e pacíficas de  um povo bravamente insatisfeito?

Até mesmo o episódio que envolveu esse coronel soa como uma grosseira provocação. Estaria na estratégia da repressão o comandante ir laçar pessoalmente e sem cobertura dos subordinados uma vândala cercada de parceiros da mesma indignação?

O que vemos, lamentavelmente, é que o aparato repressivo, a partir da autoridade maior, segue a mesma cartilha  dos idos abominados. Não seria também uma barbárie de alto teor explosivo a operação de guerra montada na Barra da Tijuca para proteger o leilão da maior reserva petrolífera do país?

Barbárie é em si o próprio leilão do poço suculento de Libra, uma renúncia suicida ao poder decisório do Brasil sobre suas riquezas estratégicas. O petróleo é, aliás, o mais aberrante cenário das barbáries mais criminosas: da míope privatização das jazidas ao jogo sujo de mentiradas repetidas, como o blefe do Eike Batista e o anúncio da autossuficiência há anos, tudo é farsesco nesse trilionário ambiente de golpes e falcatruas.

Ao ver da lucidez sobrevivente, há, sim, uma intercomunicação de barbáries. O governo possível que temos hoje se esmera em deprimentes capitulações, seguindo s pegadas dos antecessores neoliberais: além da trama petrolífera, frustra-nos com a privatização dos aeroportos lucrativos (os deficitários, 85%,  ficarão por conta do contribuinte), a inviabilização da aviação comercial brasileira, as privatizações dos melhores portos e das rodovias mais rentáveis  o que nos expõem a uma bitributação) e até a paulatina desnacionalização do bicentenário Banco do Brasil.

Aqui, por estas plagas cariocas, um prefeito descompensado e leviano está gastando R$ 10 bilhões (que faltam à educação) numa obra inconsequente de perigosa aventura imobiliária, que inclui a precipitada demolição de um elevado de 7 Km que liga os dois grandes eixos viários da cidade e retira o trânsito do tumulto urbano. Esse desatino bárbaro tem por pretexto dar visibilidade aos espigões que a cabeça desmiolada do prefeito imagina para uma área engolfada que não suporta adensamento e que seria uma zona de trânsito paralisado se alguns aventureiros lá se instalarem em prédios de 50 andares.

É muito fácil criminalizar a revolta juvenil, pois cada vitrine quebrada é um condimento a temperar a paranoia cristalizada.

Difícil é fazer os donos deste Brasil já não tão brasileiro a buscarem nas entrelinhas da barbárie das ruas os sintomas de uma nação sem rumo, sem eira nem beira, sem autoridade moral sequer para o confronto com a espionagem agressiva, que são por natureza atos de guerra,  que ferem mortalmente a soberania de um país e o torna presa indefesa do domínio externo.

Para falar de barbárie das ruas forçoso é entendê-la como erupções pútridas de um organismo doentio. 


Notas sobre a luta autônoma em Salvador. 1ª parte


buscado no Passa Palavras


O engraçado é que, quase 10 anos depois, nós, que nos criamos na crítica a certas práticas, ainda não conseguimos criar outras mais fortes que as superem. Por Quatro coroas

1.
Depois de junho (e estas três palavras parece que vão virar lugar comum em textos políticos daqui por diante), percebemos que tem muita gente nova chegando nos coletivos que integramos. Essa galera, gente com quem estamos colando de boa, usa muito o discurso “apartidário”, mas rola uma “diferença de gerações” na hora de entender o que isso quer dizer; nós, que estamos entre os 27 a 35 anos, entendemos essa palavra de um jeito diferente. Nossas histórias são bem diferentes, vivemos coisas diferentes, em momentos diferentes; lutamos contra adversários que podem parecer os mesmos, mas que agiam diferente antes; enfim, parece que chegamos ao mesmo lugar por caminhos diferentes.
Por isso, um de nós teve a ideia de juntarmos um pouco da nossa história num só lugar. Assim poderemos tirar do esquecimento alguns fatos importantes e ao mesmo tempo mostrar como foi que chegamos onde estamos.


 
2.
Tem gente entre nós que entrou no movimento estudantil ainda em 1998, na universidade. Tempos duros, pois a situação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) era crítica. Estas restrições financeiras são bem ilustradas pelo fato de o movimento estudantil da época viver uma polêmica pesada e, aos olhos de hoje, talvez assustadora: a maioria da esquerda tradicional no movimento estudantil usava o discurso político clássico de atacar o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, falando da submissão aos interesses do FMI e do Banco Mundial, etc., enquanto uma minoria da esquerda heterodoxa – anarquistas (entre os quais eu), marxistas libertários, autonomistas etc – queria envolver o dito “estudante comum” nestas discussões e mobilizações a partir das consequências desta falta de recursos no cotidiano, que iam desde água e luz cortadas, tetos caindo na cabeça de alunos, instalações elétricas condenadas, bibliotecas desatualizadas, até falta de papel higiênico. (Sim, durante quase toda minha graduação tive que limpar a bunda com papel de caderno amassado. Até esta técnica tivemos que inventar para sobreviver.)
Naquele tempo, eu já era um anarquista de carteirinha, mas tudo ainda andava muito mais no campo do ideológico do que na prática. Minha curtíssima experiência punk já tinha muitos anos de encerrada, não me via próximo de sindicato algum para tentar qualquer militância neste campo, e o bairro onde eu morava não era outra coisa além de um dormitório onde acordava pela manhã e ia dormir à noite. A universidade era um lugar quase natural para minha ação política, mas quase nenhum anarquista atuava no movimento estudantil da UFBA além de três num curso, dois em outro, um num terceiro… todos isolados. Além disso, os problemas imediatos da universidade apontavam muito mais a necessidade de fazer alguma coisa com quem andava mais próximo – e isso incluía petistas e “independentes” – do que a necessidade de buscar outros anarquistas em outros lugares antes disso.
Minha integração com movimentos anarquistas só veio a acontecer em 2000, durante o Congresso da UFBA, idealizado e executado pelo PT, que na época havia recém-tomado o DCE das mãos do PCdoB [Partido Comunista do Brasil), para dar o golpe de misericórdia nos “cururus” (apelido que dávamos aos comunistas). Éramos cinco anarquistas, seis comigo, quando me convidaram para conversar sobre o assunto no bar do Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA). Já no primeiro dia do congresso, quando um panfleto com nossas propostas foi distribuído, éramos sete, e cumprimos bem o papel de “terceira força” num jogo de cartas marcadas onde aparentemente apenas dois adversários eram permitidos. Defendíamos, entre outras coisas (não lembro de tudo, pois o panfleto foi perdido há muito tempo), que o DCE fosse substituído por fóruns temáticos por área e que destes fóruns saíssem delegados com mandatos vinculados a tarefas específicas. Durante as oficinas e debates, fomos convencendo tanta gente que pouco antes da plenária final já éramos mais ou menos trinta, e fomos derrotados na votação da proposta de substituição do DCE pelos fóruns temáticos por uma diferença de apenas sete votos numa plenária com mais de trezentas pessoas.
Parecia “bobagem” atacar os “companheiros” do PT e do PCdoB (o PSTU existia, mas era irrelevante na época) quando estávamos todos unidos na oposição aos governos da Bahia e federal. Mas aquilo que para tantos era “erro tático” ou “criancice” não era outra coisa além da intuição do que aconteceria caso nossos “companheiros” – que fraudavam ou roubavam urnas nas eleições para o DCE, que agiam com os estudantes como generais diante de uma turba de soldados que mandariam para a morte sempre que necessário para atingir seus objetivos, que diziam uma coisa em reunião e faziam outra depois, etc. – fariam caso chegassem ao poder. Era melhor lutar pela destruição do poder, pela pulverização do poder, pela horizontalização do poder, era melhor lutar por qualquer que fosse o nome de outra coisa além da reprodução do velho com roupas novas.

Quando veio a jornada de lutas pela cassação de Antonio Carlos Magalhães (ACM), em maio de 2001, parecia que era mesmo um grande erro. Afinal, não era aquela moça do PCdoB quem estava ao meu lado no Vale do Canela, de camisa amarrada no rosto, jogando paralelepípedos na tropa de choque? (Hoje ela está na Itália, militando no Partito di Alternativa Comunista.) Não era aquela moça do PT ajudando a tirar gente de dentro da Faculdade de Medicina para escaparem do gás e dos cachorros? (Hoje ela ainda está na Bahia, trabalhando numa ONG que executa projetos sociais para a Petrobras.) Não era aqueles meninos e meninas do CEFET [Centro Federal de Educação Tecnológica] a chegar por baixo, pelo Vale do Canela, a nos ajudar a sair do cerco policial? (Hoje eles estão em vários lugares.) Mas, dois anos depois, a Revolta do Buzu veio mostrar o quanto estávamos certos. PT e PCdoB mostraram ali como podem trair reivindicações de massa muito claras em troca de sua “pauta histórica” – pauta justa, mas sem qualquer ligação imediata com o desejo de tantos milhares de pessoas que estavam em luta nas ruas. Jogaram fora uma oportunidade de ouro de fortalecer os movimentos de rua e, depois, aí sim, trazer de volta sua pauta histórica e empurrá-la goela da Prefeitura abaixo. O combate aos métodos dos partidos políticos nos movimentos sociais não era mais um problema teórico, mas uma questão prática importante demais para ser deixada para “depois da revolução”.
Voltando ao assunto, por volta de 2002, havíamos conseguido – o movimento estudantil inteiro – evitar na marra que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e seu ministro da Educação vendessem universidades públicas para a iniciativa privada – sim, isto mesmo, vender; literalmente, compra e venda, com papel passado e tudo, sabe? Por tabela, conseguimos queimá-lo tanto que ele teve que desistir de suas pretensões de pré-candidato do PSDB à presidência. Meio por necessidades do ensino fundamental, meio pela crise econômica vivida pelo Brasil desde 1998, meio por vingança contra as universidades públicas em luta, Paulo Renato arrochou ainda mais o orçamento para as universidades públicas, e o que já era ruim foi piorando. Mas com o começo do primeiro mandato de Lula em 2003 nada mudou muito. Como ainda estavam “arrumando a casa” depois de terem recebido a “herança maldita”, não houve qualquer mudança significativa no trato com as universidades públicas – apesar de Cristovam Buarque ter aparecido aos olhos de muitos como promessa de mudanças positivas. A UFBA crescia vigorosamente enquanto polo de pesquisa e inovação tecnológica. “Hein? Como assim? Desse jeito?” Sim. São as contradições do real. A infraestrutura era, literalmente, uma merda, mas a UFBA estava bombando. Acontece que os “anos FHC” levaram à busca de saídas privadas para um problema público. Para se ter uma ideia, um debate recorrente na mídia, na opinião pública e na universidade na época era que os estudantes de universidades federais deveriam pagar mensalidades, pois todos eram ricos vindos de bons colégios e os pobres eram uma minoria insignificante que poderia ser contemplada com isenções. Na falta de recursos públicos, grupos de pesquisa dentro da universidade buscaram solução na parceria com empresas privadas. E assim a pesquisa acadêmica passou a ser, mais profundamente que antes, extensão da P&D [Pesquisa & Desenvolvimento] empresarial.

 
Em 2002, Naomar de Almeida Filho, professor do Instituto de Saúde Coletiva (ISC), foi eleito reitor pela esquerda “pelega”, composta pela direita do PT, por professores ligados ao que de pior havia em termos de privatização interna da universidade pública e por todas as máfias de grupos de pesquisa captadores de recursos na iniciativa privada. Ainda no primeiro governo Lula, Tarso Genro assumiu o ministério da Educação depois de Cristovam Buarque e começou uma reforma universitária fatiada. O movimento estudantil da UFBA concordava que esta reforma era uma forma disfarçada de aprofundar a privatização interna através das parcerias com grupos de pesquisa da pós em detrimento da graduação, amplamente sucateada. Assim que surgiram as primeiras notícias sobre a reforma universitária, em 2004, os estudantes puxaram uma greve política, sem qualquer coordenação com greves docentes ou de servidores. Nós arrastamos os outros dois setores para a greve e recebemos bastante apoio da APUB [Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia], então sob a gestão do grupo capitaneado por Antônio Câmara. A greve começou em cada curso, sendo tirada em assembleias locais, e quase todos os prédios de aula da UFBA foram ocupados por estudantes, não apenas a Reitoria. A UFBA inteira estava sendo paulatinamente transformada num espaço para formação política, debates com movimentos sociais, deliberação coletiva, debate sobre a reforma universitária, vivência em grupo… Lembrem-se: a Revolta do Buzu tinha acontecido havia pouco mais de um ano; os saberes de autonomia construídos nas ruas ainda estavam fortes na memória das pessoas e a lembrança da cagada feita pelo PT durante ela ainda era fresca. Some tudo isso, e há aí um “caldo”, um “clima” para o surgimento de uma militância mais autônoma.
A ocupação da UFBA teria sido uma experiência interessantíssima se não houvesse sido abortada pela ocupação da Reitoria, iniciada onze dias depois do começo da greve. Ela foi, na verdade, uma jogada política da Articulação de Esquerda (PT) para ao mesmo tempo trazer para si o controle da greve e acabar com um movimento que, se não fosse concentrado num só lugar, colocaria em xeque inclusive a necessidade de um Diretório Central dos Estudantes (DCE) para a UFBA. E era isto que nós, anarquistas, queríamos desde 2000. O resto é história: a Reitoria foi ocupada por onze dias, cada grupo político quis tirar dali seu pedaço de vitória (um companheiro nosso, de Física, vivia com fichas de filiação ao PT na ocupação), e toda aquela efervescência parece ter servido apenas para “reoxigenar” o movimento estudantil.
Houve mais, muito mais. Só que aí eu já estava formado e não tinha mais como acompanhar as coisas. Já estava atuando junto a movimentos de bairro e a movimentos de luta por moradia como assessor. Era outro tempo, outras práticas, outras ideias.

3.
No meu caso, entrei na universidade nos últimos dias de governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a luta contra o neoliberalismo juntava a todos, depois peguei os primeiros anos do governo Lula, o consequente surgimento das lutas autonomistas/libertárias (portanto, de novos grupos com poderes reais no Movimento Estudantil [ME]) e saí após o processo de reestruturação das universidades. Quando eu entrei o ME reivindicava ainda o Maio de 68, quando saí a referência já era a periferia e os movimentos sociais. Nestes seis anos, de 2000 a 2006, mudou muita coisa. Este lapso de tempo criou gerações distintas. Esse momento é muito rico e não é porque eu tenho dificuldade ainda hoje de sistematizar tudo que não devemos começar.

 
Na época eu ia fazendo as coisas. Lembro que meu lema era “não cometer os mesmos erros”. Era ingênuo, mas mostrava o nível de decepção e da possibilidade de fazer algo novo. Havia espaço para isso, mas faltava algum norte. Além do mais, se hoje não existe mais Acampamento da Juventude e Articulação de Esquerda como referencial de esquerda, há os EIVs [Estágios Interdisciplinares de Vivência] da vida e a Consulta Popular cumprindo o mesmo papel, muitas vezes sequer utilizando termos distintos. Eu peguei o final daquele período de lutas pesadas do movimento estudantil contra o governo federal. Os professores eram “brothers”. Faziam greves, faziam debates políticos, cumpriam um papel importante na formação dos militantes. Havia solidariedade e uma consciência de classe. Talvez seja daí que a geração que conheci primeiro ser mais academicista, mais ligada ao Maio de 68. Alguém do ME que não tinha lido os clássicos nem podia abrir a boca. Um horror! E ainda havia a situação específica da Bahia, comandada por ACM, o avó. O 16 de maio de 2001 expressou muito isso. Mas havia muitas divergências também, principalmente contra o pessoal do PCdoB.
Cheguei a fazer parte de grupos de pesquisa e eram uma lástima. Ninguém sabia nem o que produzir. Esta era a realidade de quase todos. Como a economia estava estagnada, o que a UFBA se especializou foi em vender discurso. Grupo sobre hegemonia aqui, economia solidária lá, multiculturalismo do outro lado… Não se produzia conhecimento nenhum, muito menos tecnologias. A maior parte dos recursos angariados no mercado pela UFBA vinham de cursos, que supriam a carência de formação mais básica do mercado de trabalho especializado, em um período em que as universidades privadas não tinham se consolidado. Talvez esta realidade fosse diferente na área de Exatas e Engenharia. Mas na de Humanas era triste. Do segundo governo Lula para a frente isso mudou. E aquele clima de unidade na esquerda já tinha ido pro beleléu fazia tempo.
Um caso bem marcante foi o do II Acampamento da Juventude, em 2004, feito pela Articulação de Esquerda (AE-PT) num assentamento do MST na Chapada Diamantina. Ali a “demanda” foi maior do que a “oferta”, mas a vontade de arrebanhar todos aqueles jovens garotos e garotas era tamanha que a crise se transformou em oportunidade. Até o ícone da época, Zé Rainha, se fez presente. Escolheram um assentamento grande no sertão da Bahia, onde havia somente um filete de rio e nenhum pé de planta. Lembro claramente o tédio dos dias sem nada a fazer, com sede e fome e dentro de algo que um dia foi um rio. Alguns tentaram ir embora, mas não havia como. Foi então que se desenhou o futuro: certo dia a fila para pegar um prato de arroz era tão grande que se estendeu do refeitório até à casa da coordenação do evento, e pela janela podíamos ver um delicioso banquete sendo degustado pelas lideranças da juventude petista. Já não bastassem a fome e a sede, ainda teve aqueles que levaram sopapos e a pecha de reacionários. E, claro, desceram a porrada em alguns “anarcos” debaixo daquele calor infernal. Este evento foi, quem sabe, a primeira vez em que se encontrou muita gente que depois veio a formar o campo libertário (autonomista e anarquista) de uma geração do movimento estudantil lá pelos meses imediatamente seguintes à Revolta do Buzu. E a coisa não ficou restrita à constatação, mas a um protesto generalizado, a várias cartas abertas e a tamanho constrangimento ao MST e à AE que se viram forçados a escrever uma carta-resposta em termos estritamente depreciativos. No retorno deste encontro, alguns começaram a procurar “alternativas teóricas”, a tentar se organizar por fora de organizações políticas tradicionais, a ler coisas de gente “proibida”…

Lembro que foi uma grande surpresa para mim receber uma resposta dupla das instâncias superiores da juventude do PT a um email de denúncia despretensioso. Naquela época eles tinham até algum prestígio… Na verdade foi uma resposta a vários relatos, todos muito duros. E as lideranças iluminadas deles estava tomando pau de um monte de menino nos espaços do movimento estudantil por causa desse Acampamento. Tiveram que intervir. Além disso, este processo de organização de um campo libertário em Salvador contou com outros elementos mais importantes, como a Revolta do Buzu e as primeiras medidas do governo Lula. A Revolta do Buzu e os protestos contra as primeiras medidas de Lula puxaram gente para a rua, mas “cada um no seu quadrado”; se não estou enganado, este acampamento foi um dos primeiros momentos pós-Revolta do Buzu (lembre-se de que ela aconteceu entre final de julho e começo de setembro de 2003, poucos meses antes do acampamento, portanto) em que muita gente que se formou politicamente nas ruas saiu do seu “quadrado” ao se ver diante de uma situação em que mais uma vez tiveram que articular na hora alguma resistência ad hoc às práticas da AE. No acampamento o mundo só estava começando a ruir.
Logo depois deste acampamento aconteceu a greve da UFBA, em 2004. Processo interessante, mas que terminou com uma grande derrota para os libertários. É importante também lembrar que poucos destes que a gente chama de “libertários” se sentiam confortáveis com este rótulo. Era difícil criar um campo que nem se assumia enquanto tal. Enquanto houvesse lutas concretas acontecendo, a unidade e a solidariedade naturalmente acontecia, pouco importava se um era conselhista, outro anarquista não sei das quantas e o terceiro vinha apenas de uma experiência frustrante com os partidos. Mas quando estas lutas foram sendo assimiladas, uma a uma, pelos governos e partidos, ficamos todos sem chão. Por exemplo, quem ganhou as eleições para o DCE após esta greve foi um coletivo de independentes, mas com forte orientação de O Trabalho (OT-PT). Foi o grupo mais autoritário que eu vi surgir em todo o movimento estudantil. Uma lástima. Se afastar deste grupo, em práticas e objetivos, levou muita gente a assumir posições mais libertárias. Ser independente já não bastava. Além disso, havia uma crise gigantesca na UNE [União Nacional dos Estudantes], que deu origem à CONLUTE (que hoje se chama ANEL), que também levou muita gente que não era do bolo dos partidos a sentar junto e conversar. Também foi o momento em que começamos a olhar para fora da universidade. Os limites da atuação ali dentro estavam muito claros. A Prefeitura aprendeu a realizar aumentos sem enfrentar resistências, os partidos aprenderam a neutralizar a influência das “assessorias” dentro dos movimentos sociais, a injeção de grana e de cargos no ME criou um abismo de recursos entre os grupos mais à esquerda e os mais à direita e o pragmatismo que tomou conta de todos coibiu qualquer forma de crítica e de reflexão.

 
Entretanto, para mim o marco da nossa derrota foi o congresso do Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB) em 2005. Ali nos juntamos todos. Uns se doaram mais, outros menos, mas todos nós sabíamos da importância daquele evento. Era um dos maiores movimentos sociais do país e que havia feito mobilizações significativas. E o que aconteceu? Após meses de dedicação, desgastes e tudo mais, tivemos que ver um pelotão de alienígenas descendo no Congresso com suas camisas vermelhas e pautando os grupos de trabalho, negociando os cargos do movimento nos corredores, e os otários pudicos aqui, que por princípio não poderíamos orientar o movimento, ficamos estatelados e chorosos vendo toda aquela tragédia. O engraçado é que, quase 10 anos depois, nós, que nos criamos na crítica a certas práticas, ainda não conseguimos criar outras mais fortes que as superem.
As ilustrações reproduzem obras de Kasimir Malevitch.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

RESPOSTAS A TODAS AS GRANDES FALÁCIAS DOS QUE DEFENDEM O LEILÃO DO CAMPO DE LIBRA

 

buscado em Hldegard Anjel

 

É chegado o dia. Que poderá mesmo ser chamado de o Dia do Luto Nacional, caso se confirme a realização do Leilão do Campo de Libra. Todo o aparato, até bélico, foi montado para isso na Barra da tijuca, o que acompanho com profunda tristeza e imenso desapontamento. O dia em que nossa pátria entregará o Maior Campo de Petróleo da História do Mundo às mãos estrangeiras.
Lutei o que pude, esperneei o que consegui. Passei o fim de semana combatendo o que considero o bom combate através de minhas armas, a escrita, as mídias sociais, o futuro há de ser testemunha. Espero que com um bom termo, que minhas orações alcancem acolhida e, à última hora, haja uma reviravolta e, em nome dos apelos e do bom senso, a presidente Dilma suspenda esse Leilão rejeitado por parte significativa da sociedade.
Nesses momentos finais, recebi texto elucidativo sobre várias dúvidas levantadas a respeito do Leilão do Campo de Libra, criadas mais no intuito de nos confundir, por aqueles que buscam justificar o injustificável: a entrega aos estrangeiros de um bem nosso, o maior campo de petróleo da História do Mundo, possibilidade de um bom futuro para a nossa juventude.
O autor do texto esclarecedor é o combativo  Fernando Siqueira, vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras – Aepet, que nos diz:
“Muitos equívocos têm sido cometidos pelo que mudaram de Lado e tentam justificar as suas novas posturas neoliberais com sofismas, manipulações ou falácias. Exemplos disto são o PT, o PCdoB o PDT e alguns jornalistas outrora bons”.
Siqueira relaciona as 7 falácias recorrentes mais repetidas pelos defensores do leilão, que ele repele e invalida com sua argumentação sólida de profundo conhecedor dos fatos, que testemunha de perto e por dentro durante toda a sua vida profissional.
 
Ele discorre:
 
“1) A falácia maior: “a Petrobrás não tem recursos para explorar Libra”.
Ora, um campo desta magnitude dá a qualquer empresa que for explorá-lo um imenso poder de tomar recursos fartos e baratos no mercado financeiro. Nenhum ativo é mais forte para garantir empréstimos do que o petróleo. O Governo Chinês está oferecendo às suas empresas os recursos para desenvolver Libra. O Governo brasileiro tem tirado da Petrobrás os recursos, obrigando-a a importar gasolina a R$ 1,72 e vender para as suas concorrentes a R$ 1,42 por litro. Isto fere a Lei 6404/76, das SA.
 
2) “O Governo vai ficar com 75 a 80% do petróleo de Libra”.
Outra grande mentira. Da Forma como foi feito o edital a União vai ficar com, no Máximo, 20,5% do petróleo. O resto ficará com o consórcio (ver item 4)
 
3) O ministro Lobão, em reunião com a Aepet no MME, disse: “o Governo não pode entregar Libra para a Petrobras porque ela tem acionistas privados, inclusive no exterior, em detrimento de 200 milhões de brasileiros”.
Mas a opção do Governo é muito pior, é a entrega de Libra às multinacionais que tem 100% das ações no exterior. A Petrobrás tem 48% com o Governo, 10% com fundos de pensão de trabalhadores e cerca de 3% com o FGTS de trabalhadores.
 
4) A turma petista que tenta justificar os leilões sem saber o que está falando: “o leilão de Libra é regido pelo contrato de partilha, que é muito melhor do que o de concessão”.
Falso. O edital de Libra é tão ruim que faz o contrato de partilha ficar igual ou pior do que a péssima concessão. Quando a produção por campo é maior que 95 mil barris por dia, na concessão aparece a Participação Especial que pode chegar 20%, que somados aos 15% de royalties, atingem a 35%. O edital de Libra pode levar a União a receber na faixa de 9,93 a 45,56% do Óleo/lucro, ou seja, aplicando estes percentuais à parte a ser partilhada – 45% – chega-se aos valores entre 4,5 a 20,5%. Somando-se a isto o royalty e IR, se tem valores entre 20 e 35%. Além do mais a União recebe em óleo só os 4,5 a 20,5. O resto é em moeda. No mundo, os países produtores recebem a média de 80% do petróleo produzido. Num campo já descoberto, o maior do mundo, é uma doação.
 
5) “A Pré-sal Petróleo SA, criada para fiscalizar as atividades de produção e evitar que as duas atividades passiveis de fraude, superdimensionamento dos custos de produção, e a medição a menor do petróleo produzido, vai garantir a lisura da produção”.
Falso. O presidente nomeado é o Osvaldo Pedrosa, primeiro brasileiro a defender o fim do monopólio do petróleo e ex-braço direito do David Zilberstajn na ANP de FHC. Um dos diretores é o Antonio Claudio sócio do lobista mor João Carlos de Luca, numa empresa recém criada. De Luca é o presidente do IBP, clube do Cartel do petróleo. São varias raposas peludas num único galinheiro.
 
6) O Bônus de assinatura de R$ 15 bilhões vai aumentar o lucro da União.
Falso. Esse bônus tem vários efeitos maléficos: i) dificulta a participação da Petrobras que, estrangulada pelo Governo, tem dificuldade de pagar agora R$ 15 bilhões e ficar com Libra sozinha; ii) o consórcio que ganhar, tendo que desembolsar R$ 15 bilhões à vista, irá reduzir o percentual do óleo-lucro para a União. E a cada 0,5% reduzido pelo consorcio na sua oferta, a União perde R$ 15 bilhões, ou seja, um bônus; iii) Governo Dilma precisa dos 15 bilhões para completar o superávit primário, pagar os maiores juros do mundo aos bancos e manter a sua credibilidade e se reeleger. Por um motivo eleitoreiro, sob um modelo econômico equivocado, se vende o futuro de três gerações. 
 
7) o Leilão de Libra vai garantir muitos empregos no País. Falso. Se for vencedora uma estatal Chinesa, ela vai fornecer todos os equipamentos e vai criar empregos na China. Se for a Shell (favorita do Governo) vai gerar emprego na Europa e nos EUA. Quem compra, gera empregos e tecnologia no País sempre foi a Petrobrás, que, antes da onda neoliberal de FHC, chegou a comprar 95 no País.”

Assim encerra, Fernando Siqueira, seus oportunos esclarecimentos.
Meu coração brasileiro sangra. E onde estão nossos artistas e poetas neste momento, que nada cantam, nada declamam, não derramam sua indignação e fúria sobre as folhas de papel?
 
 

domingo, 20 de outubro de 2013

Leilão do campo de Libra. A maior privatização da história brasileira

 

 

buscado no IHU


Sumário:

Maior privatização da história do Brasil
Riqueza incomensurável
Por que o governo tem pressa?
Soberania e ausência de estratégia
Os chineses vêm aí
O que resta de esquerda no PT?


Eis a análise.

Maior privatização da história do Brasil

O leilão do campo petrolífero de Libra marcado para essa segunda-feira, 21 de outubro, já pode ser considerada a maior privatização da história brasileira. A privatização da Vale do Rio Doce, realizada década e meia atrás, é fichinha perto da grandiosidade dos valores e do significado que envolve o poço de Libra.
O leilão se torna ainda mais surpreendente por ser levado a cabo por um governo do PT que sempre criticou duramente a onda privatista dos anos neoliberais. É preciso lembrar que à época da campanha presidencial de 2010, Dilma Rousseff negou veementemente qualquer negociata com o pré-sal. Chegou a afirmar durante a campanha eleitoral que o "pré-sal é o nosso passaporte para o futuro".
Quando o martelo bater nessa segunda-feira no Windsor Barra Hotel, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro privatizando Libra, um divisor de água se estabelecerá na história do PT. O PT antes de Libra e o PT pós-Libra. O PT repetirá o PSDB que em 06 de maio de 1997 privatizou a Vale contra a indignação de muitos que agora legitimam a privatização de Libra.
Mesmo que governo negue o fato de que estamos diante de uma privatização, é disso que se trata. O regime de concessão partilhada – que condiciona a Petrobras a ser sócia no consórcio vencedor com participação de pelo menos 30% - não esconde o resultado final, a entrega da exploração da maior parte do petróleo brasileiro a empresas de fora.
A justificativa é de que os recursos serão utilizados para a área social, a pressa do governo teria aumentado após as jornadas de junho  que pedem investimentos em saúde e educação, mas há dúvidas. Para muitos, a pressa do governo em torrar Libra está ligada ao ajuste fiscal, particularmente ao acerto do superávit primário.
Libra, entretanto, não é apenas significativa do ponto de vista de valores, também é sob a perspectiva geopolítica mundial.  Em tempos em que soberania rima com energia, o mapa global do petróleo indica que essa fonte de energia fóssil - em que pese o crescimento da exploração de gás - ainda joga papel determinante no cenário internacional. Nesse contexto, entregar Libra e petróleo da mais alta qualidade e de custo mais barato para extração é abrir mão de soberania em área estratégica.

Riqueza incomensurável

O poço de Libra, na Bacia de Santos, é extraordinário. Trata-se do maior campo da reserva do pré-sal comprovado. Como dizem os petroleiros, basta colocar o canudinho e sugar. Pelas estimativas mais modestas calcula-se que estão estocados ali 15 bilhões de barris de petróleo da melhor qualidade. Para se ter uma ideia do que representa este volume de petróleo, Libra sozinho pode representar  65% da produção atual. Heitor Scalambrini Costa, doutor em energia e professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
destaca que Libra “corresponde a tudo que já foi extraído pela Petrobras desde a sua criação, há 60 anos, equivalendo também a todas as reservas do México”.

A riqueza de Libra é avaliada em R$ 3 trilhões, algo que a natureza levou 130 milhões de anos para lapidar e que em menos de trinta minutos poderá ser entregue ao capital de outros países.
Sindicatos, associações, setores acadêmicos e movimentos sociais afirmam que é uma enorme insensatez entregar riqueza tão grande. “Se um campo correspondente a uma Petrobras inteira não é estratégico ao país, o que então será?”, pergunta o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes.
Na opinião de Ildo Sauer, ex-diretor executivo da Petrobras, em entrevista exclusiva ao IHU, “nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o acesso da produção de petróleo de campos cujo total é desconhecido”.
Segundo ele, trata-se de um equívoco enorme entregar Libra: “Até agora, a estratégia brasileira está completamente equivocada, e Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer”.
Sauer fala em perplexidade e apreensão com o que está acontecendo: “Parece-me que essa decisão é baseada em problemas da macroeconomia, das contas externas e do déficit público, que tem sofrido uma deterioração considerável nas contas. De modo que essa proposta de pedir 15 milhões de reais de pagamento de bônus para assinatura é uma coisa que não tem sentido, pois só piora o resultado final do leilão, na medida em que alguém precisa, de antemão, pagar um valor tão grande”.
Na opinião de Heitor Scalambrini Costa, "a entrega do petróleo que a ANP está patrocinando fere o princípio da soberania popular e nacional sobre a nossa importante riqueza natural que é o petróleo, chegando a se constituir em crime de lesa pátria".
Segundo ele, “o Governo Federal estará trocando por 15 bilhões de reais (previsão de arrecadação) as reservas fantásticas que poderiam financiar a educação, saúde e infraestrutura no Brasil em um futuro próximo”. Scalambrini levanta ainda suspeitas sobre o destino final dos recursos. Para o professor da UFPE, “o dinheiro arrecadado com o leilão vai para a conta única da união, e quem sabe não será usado para pagar à eterna divida externa ou ainda para pagar os juros da dívida interna para alguns acionistas de bancos”?

Por que o governo tem pressa?

Tudo indica que a pressa e a insistência do governo em leiloar Libra está relacionadas ao bônus imediato que receberá no ato da privatização. Pelo modelo de partilha, instituído para o pré-sal, vence o leilão quem oferecer a maior quantidade de petróleo extraído ao governo, sendo o lance mínimo 41,5%, mais o “ingresso” de R$ 15 bilhões para entrar no negócio. Os R$ 15 bilhões ajudariam no equilíbrio do orçamento do último trimestre.
O governo não fala sobre isso, mas endossa que uma das razões para a ‘privatização’ é de que a Petrobrás não reúne sozinha as condições para bancar a empreitada, ou seja, o aporte de investimentos necessários que, entre outros, exigirá a ampliação de plataformas refinarias, terminais, navios, etc. Apenas em FPSOs [sigla em inglês para plataforma flutuante de produção, armazenamento e transferência], seriam necessárias para Libra, nas estimativas mais baixas, em torno de 25 plataformas, atualmente o país tem 34 operando. O custo de cada uma dessas plataformas oscila entre três a quatro bilhões de dólares.
O ex-diretor-geral da ANP à época de FHC, David Zylberstajn e o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires pensam dessa forma. Segundo Pires, “a impressão que se tem é que o governo está estendendo a mão para o capital privado não por convicção, mas por pura necessidade, já que não pode explorar essas reservas sozinho e precisa dos investimentos das empresas para reativar a economia", disse ele.
Em entrevista nesse final de semana, Adriano Pires, argumenta que a Petrobrás não tem capacidade hoje de assumir sozinha os custos e riscos da exploração do pré-sal. "Melhor se apropriar de uma parcela de uma renda petrolífera do que não ter renda nenhuma." Segundo ele, “ Petrobrás não tem condições de assumir a exploração sozinha. Nem condições financeiras - porque o governo federal descapitalizou a Petrobrás - nem condições operacionais. Estamos falando de uma das maiores reservas do mundo. O governo precisa entender que petróleo é uma commodity. Melhor se apropriar de uma parcela de uma renda petrolífera do que não ter renda nenhuma”.
Na análise de especialistas e movimentos, esse argumento é frágil. Argumentam que se Libra é reserva comprovada, correspondente a uma Petrobras, as ações da estatal disparariam caso a empresa fosse incumbida diretamente de responder pela exploração do campo. Com isso, ainda segundo os opositores do leilão, teria todas as linhas de crédito à disposição para levantar os recursos dos quais o governo afirma não dispor para conseguir “colocar o canudinho” na bacia.
Na opinião de Ildo Sauer, “caso a Petrobras fosse contratada para explorar o Campo de Libra, seria possível pagar o investimento da exploração em no máximo três anos, garantindo uma produção de petróleo por 30 anos, com uma produção um pouco superior a 1 milhão, 1,5 milhão de barris por dia, que daria um excedente proporcionalmente menor, mas mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40 bilhões”. Segundo ele, “o problema financeiro é um mito que inventaram; não falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo certificada”.
Argumenta ainda Sauer na entrevista ao IHU: “Vamos falar a verdade. Isso é tudo jogo de cena para criar confusão! Não falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo e tem capacidade tecnológica. Nenhuma empresa tem dinheiro diretamente. Quem tem dinheiro são os bancos, o sistema financeiro e a China, que hoje detém reservas da maior monta do mundo em função do seu processo de produção, exportação e acumulação, que financia grande parte da dívida americana, por exemplo. Então, não falta dinheiro no mundo”.
O argumento, porém, mais forte do governo para privatizar Libra é que conseguirá arrecadar rapidamente recursos para investir na área social e assim dar uma resposta concreta às jornadas de junho que sacudiram o país.
As manifestações das ruas pediram pressa na melhoria dos serviços públicos de saúde, educação e transporte. Foi esse o recado dado pela presidenta Dilma Rousseff no mês passado, ao sancionar a lei que destina recursos dos royalties do petróleo para a saúde. Disse ela: “Isso significa R$ 112 bilhões nos próximos dez anos, e do Fundo Social só do Campo de Libra a gente calcula algo em torno de R$ 368 bilhões nos próximos 35 anos”, destacou a presidenta. “Com essa opção que nós fazemos pela educação de qualidade, nós vamos tornar irreversível o processo de redução das desigualdades em nosso país”, afirmou.
Na opinião dos movimentos sociais a pressa da presidente é um erro grave, porque dá com uma mão, mas tira muito mais com a outra. Ganha-se no curto prazo, mas perde-se muito no longo prazo. A decisão seria ainda mais equivocada sob a perspectiva estratégica quando o país sequer sabe ainda o tamanho de suas reservas. Segundo Sauer, “é um absurdo que um país, sem saber quanto tem de petróleo, coloque em leilão um campo com essa gigantesca dimensão de petróleo”.
Na avaliação de Francisco José de Oliveira, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), os recursos prometidas pelo governo com o leilão "são uma gorjeta”. Segundo ele, “é um absurdo vender isso. O governo afirma que vai investir em educação e saúde, e que vai arrecadar R$ 15 bilhões com o leilão. Mas isso é uma gorjeta perto da riqueza que existe no campo. A sociedade não participou do debate sobre o tema”.
A conclusão é de que se entregando Libra a terceiros o governo já arrecadará muito, explorando sozinho poderia arrecadar muito mais, na ordem de 70% a mais. Portanto, os recursos para a área social seriam infinitamente maiores. Na opinião dos movimentos a pressa além da míope é ainda inimiga da soberania.

Soberania e ausência de estratégia

A interpretação dos movimentos sociais é de que ao invés de buscar o caminho de fortalecimento da Petrobras e da consolidação de um setor nacional numa área estratégica como a energética, o governo opta em abrir flancos para a exploração do capital multinacional que nada deixa por aqui, uma vez que remete os seus ganhos para o exterior.
A questão da soberania é abordada por Ildo Sauer na entrevista ao IHU. Segundo ele, “até 1960, grande parte dos recursos de petróleo do mundo estava na mão das companhias de petróleo multinacionais, comandadas pelas conhecidas sete irmãs: 84% do petróleo estavam na mão delas; 14%, da União Soviética; e 2%, das empresas nacionais. Em 1960 foi criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, que fez duas tentativas e transferiu o excedente econômico que ia para as empresas em direção aos países que detinham as reservas. Hoje, no mundo, mais de 90% das reservas de petróleo conhecidas estão em mãos de Estados nacionais, que têm ou empresas 100% estatais, ou empresas híbridas, como é o caso da Petrobras”.
O Brasil, diz ele, “não sabe se tem 50 bilhões, 100 bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o país tiver 100 bilhões, estará no grupo de países de grandes reservas, se tiver 300 bilhões, será o dono da maior reserva do mundo, porque 264 bilhões é o volume de barris da Arábia Saudita. A Venezuela passa disso, se formos considerar o petróleo ultrapesado. De petróleo convencional normal, a Venezuela se encontra no patamar de 80 a 120 bilhões de barris, onde se encontra a Líbia, o Iraque, o Irã, os Emirados Árabes, que são os países do segundo bloco”.
Para Sauer, como destacado anteriormente, “Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer”.
Para ele, “o governo brasileiro parece não entender a dimensão do problema, ou, por ingenuidade, por incompetência, está cometendo algo que chamo de crime de responsabilidade contra o interesse nacional ao iniciar o processo de leilão; ou seja, a maior privatização da história do país, muito superior a todas as privatarias dos governos anteriores, em um lance só”.
Há ainda outro aspecto relacionado ao tema da soberania. A geração e distribuição de riqueza na forma de empregos. Com a privatização de Libra, empregos deixarão de ser gerados. Segundo o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, “o petróleo deve ser entendido como riqueza, como alavanca do desenvolvimento, gerador de empregos nas plataformas, refinarias, terminais, na fabricação de navios e de derivados. Não podemos permitir sua exploração como foi a de outros recursos naturais, como o pau-brasil e o ouro, e o ferro, hoje”, diz ele.
Essas empresas, além de exportar tudo o que produzem, não geram empregos aqui, nem movimentam a indústria nacional, como faz a Petrobras, destaca a FUP. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), dos 62 navios feitos pela indústria de petróleo, 59 são da Petrobras e três da PDVSA (estatal venezuelana). Ou seja, nenhuma petrolífera privada encomendou navios no Brasil.
Além disso, diz a FUP, “a privatização do petróleo é quase um sinônimo para a terceirização do trabalho, já que empresas como Statoil, Shell, OGX, Chevron, entre tantas outras que abocanharam jazidas de petróleo ao longo dos 11 leilões realizados desde o governo FHC, quando foi quebrado o monopólio estatal da Petrobras, não contratam trabalhadores próprios e, ainda praticam absurdos, como a falta de treinamento necessário para que estes trabalhadores exerçam suas atividades nas plataformas e, em outras unidades operacionais, de forma digna e segura”.
A FUP cita como exemplo de precarização do trabalho a OGX: “Os leilões de petróleo estão rebaixando as condições de trabalho no Brasil. Na OGX, por exemplo, dos 6.500 trabalhadores contratados, 6.200 são terceirizados. Os 300 que são próprios só atuam praticamente em áreas administrativas”.
Em entrevista ao IHU, o conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Paulo Metri afirma: “entregar 70% da reserva conhecida deste campo a empresas estrangeiras, que sempre exportarão suas produções sem adicionar valor algum, nunca contribuirão para o abastecimento do país, dificilmente contratarão plataformas no Brasil, o item de maior peso nos investimentos, não gerarão muitos empregos aqui, não pagarão impostos, graças à lei Kandir, e só pagarão os royalties e uma parcela combinada do lucro é o exemplo máximo da desfaçatez”.

Os chineses vêm aí

Quem está de olho em Libra são os chineses. Eles se apresentaram em peso para o leilão. A China, locomotiva do crescimento mundial é insaciável na busca por energia para atender os padrões do seu crescimento.
11 empresas vão disputar o leilão organizado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP): as chinesas Cnooc International Limited e China National Petroleum Corporation (CNPC), a colombiana Ecopetrol, a japonesa Mitsui & CO, a indiana ONGC Videsh, a portuguesa Petrogal, a malaia Petronas, a hispano-chinesa Repsol/Sinopec, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total, além da própria Petrobras. As gigantes norte-americanas Chevron e Exxon – as maiores do mundo – e as britânicas BP e BG desistiram da concorrência.
A China disputa com os Estados Unidos a posição de maior importador de petróleo do mundo. Com pouca viabilidade para explorar as reservas que possui em seu território, o país tende a estar ainda mais presente nos países com os maiores potenciais de produção.
A participação das estatais chinesas na disputa pelo campo de Libra, no pré-sal de Santos, é prova do apetite gigante dos chineses pelo setor energético brasileiro. A presença maciça na competição por um contrato no pré-sal também demonstra que ainda há espaço para a chegada de mais investimento no país, mesmo após as estatais chinesas já terem investido US$ 18,3 bilhões nos setores de petróleo e energia do Brasil entre 2005 e 2012, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE).
Ao partilharem da produção de Libra, caso alguma delas participe do consórcio vencedor, será diferente. A China terá acesso direto a uma parte do petróleo produzido no maior campo descoberto na área até agora e provavelmente acesso  a tecnologia da Petrobras – embora isso não esteja claro.
Na opinião de Alexandre Szklo, especialista em planejamento energético e doutor pela Coppe-UFRJ a participação de petroleiras asiáticas no leilão do campo de Libra deve demandar atenção da parte do governo brasileiro. Segundo ele estamos diante de uma espécie de "jogo de xadrez", em que, de um lado, as petroleiras asiáticas têm a capacidade financeira necessária para investir, e, do outro, o Brasil tem o conhecimento tecnológico e o recurso energético. Para Alexandre Szklo, o Brasil tem que "dormir com o inimigo, mas de olho aberto". Entre as "armadilhas" a serem evitadas estão apressar a produção e ficar à mercê da indústria chinesa, e perder o know-how tecnológico.
"A questão é como ter acesso a esse dinheiro, sem transferir conhecimento, sem a perda do domínio do recurso", afirmou o pesquisador, que colaborou com a Agência Internacional de Energia (AIE) em um recente estudo sobre investimentos e transferência de tecnologia entre o Brasil e a China. “A Petrobras é muito ciosa disso também, corretamente eu diria. As empresas chinesas estão muito agressivas nessa questão de aquisição de tecnologia. A primeira plataforma semisubmersível na China só foi lançada no fim de 2011. As chinesas ainda estão lutando por dois objetivos: ter petróleo e adquirir capacitação tecnológica”.
Chama a atenção, entretanto, a ausência no leilão das gigantes americanas e britânicas na disputa. Segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), se “Libra é a joia da coroa, como o governo afirma e eu concordo, faz todo o sentido as grandes petroleiras privadas ou públicas estarem aqui. O sucesso de um leilão se mede pela concorrência. Com uma joia da coroa desse tamanho, o governo só atraiu 11 empresas, sendo a maioria delas estatais. É preciso fazer uma reflexão sobre isso”, afirma ele.
O que resta de esquerda no PT?
Surpreendente nessa história toda é que seja o PT quem comanda a maior privatização da história brasileira. Comenta Ildo Sauer: “O governo do PT, que foi eleito se contrapondo às privatizações e à privataria anterior, está agora promovendo o maior leilão da história”.
Quando bater o martelo nessa segunda-feira no hotel Windsor Barra Hotel, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro privatizando Libra, um divisor de água se estabelecerá na história do partido. O PT antes de Libra e o PT pós-Libra. O PT repetirá o PSDB que em 06 de maio de 1997 privatizou a Vale contra a indignação de muitos que agora legitimam a privatização de Libra.
Ficará daqui para frente mais difícil para o PT carimbar a pecha de privatistas apenas noutras forças políticas. Passará o partido ao clube dos privatistas. Com Libra, o PT entra no grupo das forças políticas que aderem cada vez mais aos princípios liberais de organização do mercado. O partido abre mão de pensar estrategicamente e opta pela imediatez, apequena-se em seu papel de formulador de um projeto nacional que pense o país no longo prazo.

Depois do desmedido aliancismo, depois da flexibilização do Código Florestal, depois da destruição da política de demarcação de terras indígenas, depois do esvaziamento da Reforma Agrária, agora a privatização de Libra. Fica a pergunta: Onde reside a resistência de um projeto pela esquerda no PT?