sexta-feira, 31 de maio de 2013

Israel, Joe Biden e os médicos cubanos

 

via Gilson Sampaio  

 

Sanguessugado do Bourdoukan


Israel ataca o Líbano.

Israel ataca a Síria.

Israel continua matando palestinos.

O Papa continua rezando.

Deus continua fazendo-se de surdo.

E o Diabo continua sem assessor de imprensa.

Chegamos ao último dia de maio e o planeta resiste.

Hoje, Joe Biden, o vice-presidente dos EUA vai visitar a presidente Dilma Rousseff.

Pressionar seria o termo correto.

Governantes estadunidenses quando vêem ao Brasil , seja de que escalão, vêm para mandar e serem obedecidos.

É a síndrome da plantation.

Sempre com apoio da mídia vira-lata.

Essa sim, não consegue se livrar da subserviência. 

Joe Biden confidenciou que não está conseguindo demover os militares nacionalistas que insistem na bomba atômica.

E o seu encontro com Dilma é para ser o contraponto desses nacionalistas que não abrem mão da soberania.

Conseguirá esse seu intento?

No máximo, em dois ou três dias ficaremos sabendo.

E, sim, não esqueci dos médicos cubanos.

O Brasil possui mais de 450 municípios sem qualquer médico.

Que venham pois os cubanos.

E assim o mês das noivas chega ao fim.


quarta-feira, 29 de maio de 2013

Fátima Oliveira: A charlatanice e o escárnio da importação de médicos

 

 

buscado no VIOMUNDO





Os bastidores, a charlatanice e o escárnio da importação de médicos


por Fátima Oliveira, em OTEMPO
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


No Brasil, a medicina como profissão liberal foi extinta pelo assalariamento de “largas camadas de profissões intelectuais”; e a categoria médica se proletarizou em condições precaríssimas.
Trocando em miúdos: há postos de trabalho, mas emprego – com direitos trabalhistas – é escasso, seja de “carteira assinada” por prestadores de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou via concurso público. Como é impossível SUS sem médico, o alicerce do SUS é a precarização do trabalho médico. Até aqui carregamos o SUS em nosso lombo! “Eu conheço cada palmo desse chão”.
Quem mais avilta o trabalho médico é o Estado, nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal – o governo federal mantém poucos serviços de saúde (nem é seu papel!), mas, contando com hospitais universitários federais, o volume de postos de trabalho médico em regime de RPA (Recibo de Pagamento de Autônomo) é expressivo, e, sem ele, tais serviços se inviabilizam, literalmente. Daí o aperreio para criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, cuja maior finalidade, ao bem da verdade, é sanar, sem concurso (ai, meus sais!), as irregularidades advindas do regime de RPA!
Se todos os que trabalham em hospitais universitários federais “como RPA” entrassem na Justiça requerendo seus direitos trabalhistas, instalariam o caos no país: todos fechariam. Não sobraria um! Vale para hospitais e UPAs, estaduais e municipais, pois quase 100% abusam de contratação precária.
Em tal contexto, sem resolver pendências arriscadas, o governo Dilma anunciou a importação de 6.000 médicos, sob argumentos que beiram a charlatanice política, colocando a população contra a categoria médica nacional, ao dizer que é para suprir a falta de médicos nos cinturões e nos grotões de pobreza: periferias metropolitanas e pequenas cidades, onde brasileiros não querem trabalhar.
Ora, me compre um bode! A “interiorização do trabalho médico” requer atrativos concretos, para além do médico, do estetoscópio e do “aparelho de pressão”, e não trabalho precário temporário, sob os humores do mandatário de plantão: não rezou pela cartilha do prefeito, está no olho da rua!
Não é uma postura patriota oferecer a médicos estrangeiros o que nunca acenaram para brasileiros: empregos reais, aos montes. E o pior, “modernizando” trabalho escravo: supressão do direito de ir e vir! Nada contra médico de qualquer nacionalidade vir trabalhar no Brasil, desde que em igualdade de condições dos aqui formados, o que exige “passar” na revalidação de diploma.
É fato: o Estado brasileiro sabe, permite e pratica a exploração. As entidades médicas foram omissas na garantia de dignidade trabalhista no estabelecimento do SUS.
No popular: as entidades médicas e nós, profissionais da medicina, pouco nos lixamos para a precarização do nosso trabalho: não nos empenhamos por uma carreira de Estado para médico, hoje necessidade imperiosa para a equidade na distribuição de médicos no país.
E por que não o fizemos? Falta de visão política; incompreensão da inexorável proletarização da categoria médica; e muito pelo embotamento da empáfia e do fetiche da cultura da medicina profissão liberal, numa conjuntura que a abolia e em que o trabalho médico virou mercadoria, vendida de modo aviltante. Vou pular, pois a lista de culpabilidade involuntária e inconsciente é enorme…
Agora que despertamos, é cair no bredo por uma carreira de Estado para médico até a vitória. Nem mais, nem menos. Nós, cidadãos como todo o povo, não podemos esperar cair do céu.


terça-feira, 28 de maio de 2013

ECONOMIA - Meditações fragmentárias de uma crise.



buscado no BLOG DE UM SEM MÍDIA


“A banca é o centro do universo. Pessoas? Que se danem! Há uma crise do capitalismo desregulado que pode ser suicida”


por Emanuel Medeiros Vieira

Quase 30 dias na Europa, rodando milhares de quilômetros, uma temporada de quase 15 dias por Portugal: o que dizer?
Não, não é um relato poético sobre uma bela viagem.
É a constatação in loco de uma crise profunda.
(Lembro que me avisaram nos idos de 1975, que a ditadura – Sylvio Frota querendo dar um golpe dentro do golpe contra o governo Geisel – pretendia me prender de novo, e precisei sair do país. Não conseguia passaporte. Registrava antecedentes. A nova geração não deve saber: na época, para obter passaporte exigia-se atestado de bons antecedentes políticos, obtido no Dops. Eu não conseguia: registrava antecedente.)
Obtive um específico com “registro de antecedentes”. Viajei. Passou. Passou? (Escuto Lupícinio Rodrigues e Elis Regina.)
Uma crise profunda abate a Europa. Eu sei: nada disse de novo. Uma iluminada amiga no Porto, em Portugal, crê que a Terceira Guerra já começou. Não com baionetas, tiros: com tecladas eletrônicas – o financismo. O reino da banca. Há uma nova ocupação alemã na Acrópole?
Em Portugal, em crise brava, ouvi relatos sobre suicídios, pavores, desesperos, aumento do uso de remédios controlados. Também escutei sobre isso na Espanha.
Alguém escreveu no El País que, se Montesquieu escrevesse sobre mundo moderno, diria que aos três poderes da teoria clássica haveria que acrescentar um quarto: “o poder especulativo”, o das finanças.
É o estrangulamento total. A obra-prima do Estado é a felicidade, o indivíduo.O poder dos bancos não quer saber disso.
Como observou Clovis Rossi, há um grito forte de “privatiza, privatiza” sempre que se fala de ativos públicos mal administrados. Mas ninguém fala para dizer “estatiza, estatiza” quando um banco fracassa. O Estado socializou o prejuízo, mas manteve o lucro nas mãos privadas.
A banca é o centro do universo. Pessoas? Que se danem! Há uma crise do capitalismo desregulado que pode ser suicida para a nossa civilização. São economistas que dizem.
Lembro que na primeira visita a Londres, visitei o tumulo de Marx. Agora, não. Mas sinto que ele manda lembranças.
Sem buscar acumular dignidade humana, como queria Hannah Arendt, estaremos parindo zumbis e sofredores. Até quando? Estão mercantilizando penetra até nos corações. Como viver sem a dimensão do sonho?
Começou a Terceira Guerra?

 
* Professor, jornalista e escritor, também já atuou como crítico de cinema e editor. Autor de 17 livros publicados, é detentor de vários prêmios literários nacionais.


 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Goldman Sachs - O Banco que dirige o mundo



 Buscado no Kafe Kultura




"O Banco de investimento criado em Nova Iorque em 1868 conseguiu o seu sucesso e a sua reputação à base do silêncio a toda a prova. Goldman Sachs foi a instituição bancária que correu mundo a trabalhar em segredo. Mas hoje Goldman Sachs é acusada de ter ajudado os países como a Grécia a encobrir o seu deficit.

Um documentário que nos leva de Nova Iorque a Atenas, com paragens em Londres, Paris e Bruxelas."

Os presidentes norte-americanso passam, o Goldman Sachs continua








É raro pedir a motoristas pé de chumbo que reformem o código de trânsito. A débâcle da bolsa em 2008, porém, conduziu os gigantes das finanças para o posto de administradores de uma crise que eles mesmos provocaram. É o caso do banco Goldman Sachs, que há muito murmura nas orelhas do poder



por Ibrahim Warde




Ilustração: Emilio Damiani
 
No mesmo momento em que incitava seus clientes a se aventurarem no mercado imobiliário, o banco de investimentos Goldman Sachs desenvolvia um produto financeiro, “Abacus”, que lhe permitia especular na queda do setor. Acusado de fraude, ele conseguiu, em 15 de julho de 2010, livrar sua equipe dirigente por meio do pagamento de uma indenização de US$ 550 milhões: o equivalente a duas semanas de seus lucros, ou a 3% do total de bônus que distribuiu em 2009.

Essa aptidão de jogar com o poder – ou brincar com ele – não é surpreendente. Desde o começo dos anos 1990, uma carreira política de primeiro plano vem logicamente coroar o percurso de todos os chefes do Goldman Sachs (ver box). A consanguinidade com o mundo político explica a implicação do banco nas grandes manobras financeiras: ocupou um lugar tão central quanto ambíguo na crise dos subprimese do salvamento dos bancos fragilizados pela crise financeira de 2008; ajudou a Grécia a maquiar suas contas, precipitando a crise do euro; teria também, ao especular sobre as matérias-primas, provocado uma alta artificial no preço do petróleo.

De outro lado, o banco soube extrair, ano bom, ano ruim, lucros consideráveis, incluindo o ano depois do estouro das bolhas que ele contribuiu largamente para inflar. As receitas polpudas dos anos de expansão não surpreendem. Mas, depois do colapso do castelo de cartas e da expiação que se seguiu, as receitas dos anos magros acabaram por chocar a opinião pública, que se interrogou: a desgraça de (muitas e muitas) vítimas do estouro da bolha faria a sorte do Goldman Sachs?

Fundada em 1869 por Marcus Goldman, um imigrante judeu bávaro, logo acompanhado por seu genro Samuel Goldman, a empresa, especializada no começo em corretagem de “documentos comerciais” (empréstimos de curto prazo emitidos por empresas), ficaria por muito tempo fora das altas finanças, quase inteiramente Wasp (white, anglo-saxon, protestant [branco, anglo-saxão, protestante]). Duramente afetada pela crise de 1929, só conheceria seu verdadeiro desenvolvimento depois da Segunda Guerra Mundial.

Em 1956, o banco de investimentos intervém de maneira decisiva quando da introdução na bolsa do fabricante de automóveis Ford. O banco adquire progressivamente, tanto por seu profissionalismo quanto por sua capacidade de trabalho, uma equipe invejável, muito unida e impregnada de uma forte cultura corporativa. Dominada por financistas à moda antiga, como Sidney Weinberg ou Gus Levy, ela se impõe, pouco a pouco, frente ao establishmenttradicional, até derretê-lo.

O Goldman Sachs permanece, no entanto, diferente de seus concorrentes. O banco é conhecido como metódico e prudente, e por nunca participar de operações de tomada de juros “hostis”. Um de seus lemas – “apressar-se lentamente” – lhe valeu o apelido de “tartaruga”.

Contrariamente a alguns de seus rivais, evita os gastos suntuosos. Para mostrar bem que o dinheiro não deveria ser o único motor de suas tropas, seus funcionários tinham salários menores que os da concorrência, resultando em uma relativa “frugalidade”. Outro de seus lemas, long-term greedy (ganancioso de longo prazo), lhe impõe uma abordagem de paciência para o investimento e implica consentir sacrifícios financeiros, dado que estes lhe asseguram a fidelidade absoluta de seus clientes. A cultura da casa se exprime nos célebres “quatorze mandamentos”. O sétimo afirma justamente: “Não há lugar aqui para aqueles que colocam seus interesses antes dos da empresa e dos clientes”. No clube bem fechado de bancos de investimentos, os códigos deontológicos e o respeito à palavra dada ainda contavam.1

A tartaruga se transforma em polvo

Todos esses belos princípios foram pouco a pouco minados com a desregulamentação financeira dos anos 1980. O critério supremo se torna o da rentabilidade, que só se pode obter ao preço de métodos duvidosos: alavancagem financeira (compra especulativa financiada por endividamento) perigosamente elevada; desvio de qualquer regra que subsista; inovações em ritmo vertiginoso.2 É desse período que data a consanguinidade com o poder (mesmo se o discurso oficial continua a celebrar o mercado total), a internacionalização e a louca corrida por lucros.

Lenta mas certamente, a “tartaruga” se transforma em “polvo” que tenta reescrever em seu favor as regras das finanças – as quais vão praticamente permitir tudo. No exterior, conselheiros da elite político-financeira são recrutados a peso de ouro para ajudar a tirar lucros da onda de desregulamentação e privatizações. Na França, por exemplo, é Jacques Mayoux, inspetor das finanças e anteriormente presidente do banco Société Général, diretor-geral da Caixa Nacional do Crédit Agricole [outro banco francês] e presidente do Sacilor, que se liga ao Goldman Sachs. Charles de Croisset, inspetor de finanças, ex-presidente do Crédit Commercial de France (CCF) e administrador de Bouygues, Renault, LVMH e Thales, o sucedeu.

Outra grande reviravolta aconteceu em 1999. O Goldman Sachs passa ao status de empresa cotada na bolsa.3 Ontem, sociedade de pessoas, de capital fechado – no qual o capital e os beneficiários pertencem a associações que se responsabilizam, com seus próprios bens, pelos riscos tomados pela empresa, na qual eles estavam obrigados a reinvestir o essencial de seus benefícios –, “a Firma” se transforma em sociedade anônima (cujo valor “estabelecido pelo mercado” é de US$ 3,6 bilhões). Seus 221 parceiros, detentores de 48% do capital do Goldman Sachs, embolsam em média US$ 63 milhões cada um.4 Isso leva ao fim da disciplina financeira e da “ganância de longo prazo”. No momento da financeirização, o sucesso se mede em número de dólares gerados, balanço após balanço. O Goldman Sachs lidera os bancos de Wall Street em rentabilidade (US$ 13,4 bilhões de resultado líquido em 2009) e expõe em plena luz do dia os bônus de seus empregados.

No cassino financeiro, o banco atua em vários papéis: o de croupier, que embolsa uma comissão sobre todas as transações; o de conselheiro, que elabora estratégias e fornece a seus clientes informações confidenciais para aplicações financeiras – governos, investidores institucionais ou apostadores inveterados como os hedge funds (fundos especulativos). Suas análises e seus economistas estão entre os mais ouvidos do planeta, e suas declarações influem com frequência sobre o desenvolvimento das coisas. Mas, sobre o tapete verde, o Goldman Sachs aparece, sobretudo, como o jogador que conhece as cartas de todos os outros e que decide as apostas.


Jogo duplo

O grosso dos benefícios da empresa provém, de fato, da comercialização usando recursos próprios. O banco coloca seu próprio capital sobre todos os mercados financeiros, no setor imobiliário e em grupos de investimento em empresas de grande potencial. Além disso, desde a aquisição da J. Aron & Company em 1981, se torna um peso pesado no mercado de matérias-primas e influencia, intencionalmente ou não, a saúde econômica tanto dos produtores como dos consumidores do mundo todo. Nem os assuntos ligados ao mercado de petróleo nem aqueles que concernem ao aquecimento climático (com a mina de ouro dos “créditos de carbono”) lhe escapam.

Os conflitos de interesse são inerentes a esse supermercado das finanças que oferece toda uma gama de serviços e busca permanentemente maximizar a sua rentabilidade. O caso Abacus, provocado por e-mails indiscretos do trader francês Fabrice Tourre (ler mais na página 17), é um exemplo disso.

O Goldman Sachs se viu acusado pela Securities and Exchange Commission (SEC, a instância de controle das bolsas norte-americanas) de ter enganado seus clientes lhes vendendo, em 2007, collateralized debt obligations(CDO), produtos derivativos complexos endossados por créditos imobiliários de risco (subprimes), sem os informar que o banco apostava em sua queda. De uma parte, o banco tinha, ele próprio, liquidado seu portfólio de subprimes, o que estava no direito de fazer. Mas, sobretudo, ele tinha escondido de seus clientes que o banco tinha recebido do fundo especulativo Paulson, US$ 15 milhões para realizar essa montagem. Ou melhor (ou pior), Henri Paulson, o próprio especulador, teria participado ao lado de especialistas do banco da seleção dos créditos mais suscetíveis de se degradar.

Dito de outra forma, o Goldman Sachs, consciente da iminência de uma crise dos subprimes, continuava a incitar seus clientes a apostar em uma alta do mercado imobiliário enquanto, em associação com um fundo especulativo, apostava em uma baixa, o que teve por efeito precipitar a queda desses títulos. Os investidores, que não desconfiaram de seu jogo duplo, teriam perdido mais de US$ 1 bilhão na aventura.

Antes de reconhecer seus “erros”, o banco negou, qualificando a queixa de “sem fundamento”. O caso da Grécia fornece outro exemplo: o estabelecimento nova-iorquino foi remunerado pelo governo desse país como banco consultor, ao mesmo tempo que especulava sobre a sua dívida.

A diferença entre o ilegal e o imoral

De um ponto de vista legal, no entanto, o Goldman Sachs talvez tivesse razão: o que é imoral não necessariamente é ilegal. Há menos de vinte anos, quando do escândalo das poupanças nos Estados Unidos, cerca de 1.500 banqueiros haviam cumprido pena de prisão com base em leis ditas anti-racketeering, antes postas em prática para combater a máfia e o crime organizado. Doravante, os banqueiros desfrutam de outro estatuto: um novo marco legal e ideológico prevalece. Várias práticas (como o seguro de dívidas conhecidas como credit default swap, ou CDS) escapam de toda regulamentação. O princípio do caveat emptor(comprador, desconfie) prevalece. E o Goldman Sachs repete que apenas responde à demanda de seus clientes, os quais se tratam, aliás, de investidores sofisticados, forçados a exercer uma verificação sistemática (due diligence). Tanto que todos os documentos legais continham alertas e reserva de uso.

No mundo das altas finanças, a opacidade resulta do relaxamento de um excesso de transparência. Cada produto é acompanhado de uma documentação de várias centenas de páginas, porque certos investidores confiam nas notas das agências de classificação de risco, as quais se enganam frequentemente. Como constata Rama Cont, diretor do Centro de Engenharia Financeira da Universidade Columbia, evocando os riscos de títulos emitidos pelo Goldman Sachs e classificados como AAA (a melhor nota), “a informação é disponível, mas cada título subprimeé redigido em cinquenta ou sessenta páginas, e com frequência de modo diferente, de acordo com os juristas. Teria sido necessário mobilizar um pessoal adequado para triar as 5.700 páginas dos derivativos da dívida Abacus...”.5

Depois de ter por muito tempo suscitado admiração, o grupo sofre agora um problema de imagem. Em plena crise econômica mundial, o banco, junto com outros gigantes de Wall Street, em grande medida funcionou bem, e concedeu bônus considerados “obscenos”. Outros escândalos surgiram, o que levou a perguntar se a travessia relativamente fortuita da turbulência financeira não era devida à onipresença de seus ex-funcionários. Dali em diante tornou-se de bom tom, inclusive entre os que se beneficiaram de sua generosidade, criticá-lo. Barack Obama e Angela Merkel tiveram palavras bastante duras para uma empresa que poderia um dia lhes enviar uma oferta de trabalho.

O caso Goldman Sachs terá, no entanto, tornado possível a reforma do sistema financeiro dos Estados Unidos. A lei Dodd-Frank, chamada de “a mais vasta reforma do setor financeiro desde a Grande Depressão”, foi votada pelo Senado norte-americano em 15 de julho de 2010. Certamente clara em seus grandes princípios, ela visa impedir o colapso das grandes instituições financeiras e seu salvamento por parte dos contribuintes, minimizar a especulação dos bancos e de seus fundos próprios, impor mais transparência ao mercado de derivativos comercializados livremente; e, por fim, proteger os consumidores contra as práticas predadoras e usurárias.

Por outro lado, suas 2.300 páginas parecem menos satisfatórias em se tratando da aplicação concreta de tal programa. Mesmo se as cifras da Câmara de Comércio dos Estados Unidos são, sem dúvida, intencionalmente exageradas, a lei
Dodd-Frank implicaria na redação, por dez agências governamentais diferentes, de 533 novas regulamentações, 60 investigações e 94 relatórios, em um prazo de três meses a quatro anos.

O lobby bancário vai lutar em todos os terrenos. Ele aposta no fim progressivo do rancor público contra as instituições financeiras para encontrar toda a liberdade do passado. Aqui, de novo, o Goldman Sachs saberá jogar sua partida.

BOX:

Uma seleta rede de amigos em altos postos

Ex-diretor do Goldman Sachs, Robert Rubin dirigiu o Conselho Econômico Nacional criado por Bill Clinton (1993-1995) antes de se tornar seu ministro das Finanças (1995-1999). Rubin contribuiu para “tranquilizar” a comunidade financeira, sobretudo por ser um fervoroso apóstolo da desregulamentação.
Sob a presidência de George W. Bush, dois outros ex-proprietários do banco de investimentos tiveram papel político importante em diferentes áreas do governo e, por razões pragmáticas, dentro dos dois principais partidos. Henry Paulson foi, de 2006 a 2009, ministro das Finanças (e principal arquiteto do resgate do sistema bancário), enquanto Jon Corzine foi eleito senador (democrata) por Nova Jersey em 2000 – depois de gastar US$ 62 milhões do próprio bolso na mais cara campanha para o Senado da história norte-americana – e governador daquele estado, entre 2006 e 2010.
Outros altos funcionários do Goldman Sachs, menos notórios, exerceram influência política não menos significativa, especialmente durante o recente colapso financeiro. Neel Kashkari era protegido de Paulson no Goldman Sachs antes de acompanhá-lo em sua ida para o Tesouro, onde se tornou, aos 35 anos, o principal gestor do TARP (Troubled Asset Relief Program), o que lhe permitiu distribuir US$ 700 milhões às instituições financeiras em busca de recapitalização. Quanto a Stephen Friedman, antigo CEO do banco, estava usando três chapéus no momento da crise financeira: administrador do Goldman Sachs, presidente da Comissão Presidencial de Informações e presidente do Federal Reserve Bank de Nova York, órgão que tutela o Goldman Sachs.
Diante dessa rede de influências, os meios de comunicação muitas vezes se referiam ao banco de investimento como “A Firma” ou “Governo Sachs”. Entretanto, não foi só nos Estados Unidos que a empresa se instalou na antessala do poder. Os italianos Romano Prodi (ex-primeiro-ministro italiano) e Mario Draghi (presidente do Banco da Itália, o Banco Central italiano, e nomeado para dirigir o Banco Central Europeu, sucedendo a Jean-Claude Trichet a partir de novembro de 2011) já tinham sido, respectivamente, conselheiro e vice-presidente do Goldman Sachs para a Europa.
Ex-CEO do banco em Londres, o presidente nigeriano, Olusegun Aganga, é agora o “czar econômico” do seu país. Às vezes, belas carreiras políticas são beneficiadas por uma “dança das cadeiras”. Esse é o caso de Peter Sutherland: ministro da Justiça da Irlanda, depois comissário europeu para a concorrência e gerente geral do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), atualmente preside o Goldman Sachs International, em Londres. (I.W.)

Ibrahim Warde é professor associado na Universidade Tufts (Medford, Massachusetts, EUA). Autor de Propagande impériale & guerre financière contre le terrorisme, Marselha-Paris, Agone - Le Monde Diplomatique, 2007. 


Ilustração: Emilio Damiani
 

1 Charles D. Ellis, The Partnership: The Making of Goldman Sachs [A parceria: a construção do Goldman Sachs], Penguin Books, Nova York, 2009.

2 Suzanne McGee, “Chasing Goldman Sachs: How the Masters of the Universe Melted Wall Street Down... And Why They’ll Take Us to the Brink Again” [Perseguição ao Goldman Sachs: como os mestres do universo derreteram Wall Street… e por que eles nos levarão até a beira do precipício novamente], Crown Business, Nova York, 2010.

3 Lisa Endlich, Goldman Sachs: The culture of success [A cultura do sucesso], Simon and Schuster–Touchstone, Nova York, 2000.

4 Nomi Prins, It takes a pillage: behind the bailouts, bonuses and backroom deals from Washington to Wall Street [É preciso uma pilhagem: por trás dos resgates, dos bônus e das negociações de bastidores de Washington a Wall Street], Wiley, Hoboken, 2009.


5 Sylvain Cypel, “Les conflits d’intérêts d’Abacus” [Os conflitos de interesse do Abacus], 
Le Monde, 4 maio 2010.


A escola charter nos EUA*



buscado no ODiário.info



As escolas charter nos EUA são escolas financiadas com dinheiros públicos mas geridas por «Empresas de Educação» privadas. Criadas para gerar lucro e competir directamente com a Escola Pública, em meados dos anos 90 as escolas charter contavam-se pelos dedos. Hoje são cerca de 6000 por todo o país, com mais de 1.5 milhões de alunos. São um instrumento de privatização do sistema de ensino e de exclusão dos mais pobres e dos filhos das camadas socialmente marginalizadas. São um emblema do sistema que o ministro Crato tanto admira.


Entre democratas e republicanos, poucos temas são tão pacíficos e consensuais como as charter, escolas financiadas com dinheiros públicos mas geridas por «Empresas de Educação» privadas que obedecem apenas às regras de funcionamento da sua Carta (daí o nome «charter»). Criadas para gerar lucro e competir directamente com a Escola Pública, em meados dos anos 90 as escolas charter contavam-se pelos dedos. Hoje, são cerca de 6000 por todo o país, com mais de 1.5 milhões de alunos.
Com Bush e Obama, primeiro com o No Child Left Behind e depois com o Race to the Top, a estratégia tem sido a mesma: a par de cortes federais e estatais no orçamento da educação, classifica-se as escolas públicas de acordo com os resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais. Em nome da sagrada meritocracia, os professores são pagos consoante os resultados. Quando uma escola está «a chumbar», dão entrada empresas subcontratadas de tecnocratas para a gerir como um negócio e, quando falham, encerra-se a escola e despedem-se todos os trabalhadores.
É o que se está a passar em Chicago, onde este ano está previsto o encerramento de 54 escolas. As escolas para abate são as frequentadas pelos alunos mais pobres, pelos filhos de imigrantes e por afro-americanos. A comunicação social tem insistido que a culpa dos maus resultados nos exames é dos maus professores, dos seus salários, dos seus sindicatos e dos seus direitos, mas nunca da pobreza dos seus alunos. 

A fórmula americana para a privatização da educação 
 
Onde fecham escolas públicas, brotam cadeias de escolas charter que competem pelos mesmos fundos públicos mas com menos obrigações. O segredo da competitividade das escolas charter em relação às públicas radica no facto da competitividade ser o único objectivo da sua existência: têm total liberdade para escolher que alunos aceitar ou rejeitar (a antítese da educação pública); roubam à pública os alunos com as melhores notas (e os fundos que daí advêm) e rejeitam outros. Neste negócio, não interessam crianças pobres ou com necessidades especiais. Um estudo de 2011 mostrou que 86% das charter não têm um único aluno com necessidades especiais, ao contrário de mais de metade das escolas públicas. Outro estudo de 2010 mostrou que das 50 000 crianças sem casa de Nova Iorque, só 100 foram aceites por charters, muito abaixo dos 1500 que proporcionalmente lhes caberiam.
As escolas charter orgulham-se da sua política de «tolerância zero» com a indisciplina e a «falta de empenho» dos pais. Algumas escolas só aceitam as crianças cujos pais tenham tempo para assistir aos eventos desportivos dos filhos, enquanto outras exigem que os pais revejam e assinem diariamente os trabalhos de casa dos filhos. Segundo a American Bar Association de Washington, as charter expulsam desproporcionalmente crianças com necessidades especiais (algumas com apenas cinco anos) e de famílias desfavorecidas. Ao contrário das escolas públicas, as charter não são obrigadas a oferecer programas de inglês como segunda língua, excluindo os imigrantes. 

Bastião do sindicalismo
 
Obama anunciou na semana passada que a tradicional «Semana de Valorização dos Professores» passará a ser conhecida por «Semana Nacional das Escolas Charter» e elogiou o sucesso destas instituições. Contudo, os estudos disponíveis lançam a dúvida sobre tanto embandeirar em arco. Segundo a CREDO (Center for Research and Education Outcomes), apenas 17% das charter têm resultados superiores às escolas públicas enquanto que 37% obtêm piores resultados e 46% não demonstram diferenças significativas.
As escolas charter não são promovidas por melhorarem o ensino, mas porque materializam os ideais da ultra-direita. A preocupação não é só o lucro nem a despesa, é o fim da escola pública e dos sindicatos. Nos EUA, a vasta maioria dos professores são sindicalizados mas, estranhamente, 90% dos professores das charter não pertencem a qualquer sindicato. As charter não garantem a liberdade sindical nem contemplam a contratação colectiva. Os seus professores são menos remunerados, menos experientes, e podem ser despedidos sem justa causa.
Importa partir a espinha aos sindicatos dos professores porque são o principal entrave ao avanço das charters. O Sindicato de Professores de Chicago é o mais digno exemplo dessa resistência: em 2012, com uma duríssima greve de sete dias, conseguiu um aumento salarial e derrotar o condicionamento do salário às notas dos exames. Hoje, lutam contra o encerramento de 54 escolas da sua cidade.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2060, 23.05.2013


domingo, 26 de maio de 2013

Síria e Líbano: O fogo amigo dos sionistas brasileiros






buscado no redecastorphoto

 

Raul Longo

Escrito e enviado por Raul Longo

O que me escandaliza não é o Ruy Mesquita -- que já foi. Atrasado, mas foi! -- ser judeu. Bob Civita é outro judeu e isso não me escandaliza em nada.

Não me escandalizam porque sei que apesar do trabalho conjunto entre judeus sionistas e os nazistas na 2ª Guerra Mundial, nem todos os socialistas judeus foram exterminados e ainda tem muitos bons judeus espalhados pelo mundo para um dia se libertar o povo de Israel dos criminosos nazissionistas.

Ruy Mesquita

Também não me escandaliza os retardatários Ruy e Robert serem sionistas. Pelo mundo afora os sionistas são mesmo os maiores detentores dos meios de condicionamento de massas. Judeu libertário dono de empresa de comunicação de verdade, se é que existe, é raríssimo. Com perdão à má memória o Roberto Marinho, por exemplo, era judeu. Dizia-se católico, mas na hora de reportar os crimes nazistas do Estado de Israel contra os palestinos e árabes em geral se revelava sionista dos mais sinistros.

Católico para disfarçar a origem judaica ou por real conversão, também pouco importa, pois judeu não é etnia, nem nacionalidade. É religião. A etnia é semita, como a de qualquer palestino e de todo o povo árabe, incluindo os hebreus. Já que foi forjado um país chamado Estado de Israel, digamos que Roberto Marinho era um descendente de israelitas que se dizia católico, mas pelos veículos de suas empresas de condicionamento de massas se assumia um autêntico sionista, com todas as mentiras e deturpações da realidade dos fatos, comuns ao sionismo.

Isso de alguém se assumir sionista deveria ser execrável, já que sionista e nazista são sinônimos com nacionalidades diferentes. Nazistas eram os sionistas alemães e sionistas são os nazistas israelenses que dizem seguir a fé judaica. Mas mesmo em Israel há muito rabino que contesta e diz que todo sionista é tão infernal e nocivo aos judeus quanto foram os nazistas.

IstoÉ  no. 8

Então não é por acaso que os donos dos maiores conglomerados condicionamento de massas do Brasil: Organizações Globo, Editora Abril e O Estado de São Paulo apoiavam a Ditadura Militar, de franca orientação nazista.

Só aqui no Brasil é que se faz de conta que a Ditadura Militar não foi nazista, pois o resto do mundo inteiro reconhece e a Argentina assume que a ditadura militar lá deles foi nazista. Ainda agora, com a outra retardatária da Thatcher, um amigo inglês lamentou os bombardeios que seu país sofreu na 2ª Guerra Mundial para depois vir a ser governado por uma nazista. E confirmou: “Tão nazista que era amiga do Pinochet”.

De fato, Pinochet negou a extradição de Walter Rauff que executava judeus através de uma frota de 20 caminhões de caçambas fechadas com pouco menos de 2 metros de largura por 6 de comprimento, conectadas ao cano de escape dos veículos para asfixia por gás. Requisitado para julgamento por crime contra a humanidade, Pinochet negou sua extradição.

Bob Civita

Rauff também foi usado para espionar Fidel Castro, conforme noticiado pela revista alemã Der Spiegel. Em contrapartida o nazista Pinochet foi protegido pela inglesa Thatcher, também amiga dos sionistas que apoiaram todas as ditaduras nazistas da América Latina, inclusive a do Brasil que através dos Mesquitas, Marinhos e Civitas foi condicionada ao povo brasileiro.

Isso de que O Estado e o Jornal da Tarde tinham de substituir matérias por receitas e versões de Camões é balela. O Otávio Frias fazia a mesma coisa contratando colunistas e até editores de esquerda como o Abramo e o Amâncio, enquanto publicava foto e notícia de morto em resistência à prisão que só morreria dias depois, nas celas do DOI CODI.

Frias e Mesquitas conquistavam leitores passando por críticos de seus aliados da ditadura, mas nunca sofreram os mesmos atentados, sanções financeiras e pressões experimentadas pelos que eles mesmos chamavam de imprensa marginal: Pasquim. Ex, Movimento, Opinião, etc.

Portanto nenhum escândalo em a Veja, o Estadão ou o Jornal da Tarde e o jornal ou a TV Globo de sempre denegrirem árabes e apoiarem o estado nazissionista de Israel, o que está muito claro na diferenciação que fazem ao noticiar alguma ação palestina contra Israel, sempre indicando como de autoria de extremistas, fundamentalistas ou terroristas; e quando contra um governo antissionista como foi o de Kadafi se referirem a heroicos rebeldes.

Jamais apontarão os grupos que atacam o governo da Síria como um exército de mercenários. Para os sionistas da Globo, do O Estado de São Paulo ou da Editora Abril não passam de rebeldes.

E tome pau no Egito, na Líbia, no Iraque, na Palestina, na Síria ou no Líbano.

Tudo muito normal, compreensível. Hitler e Goebbels usaram das mesmas mentiras e condicionamentos contra os judeus socialistas e já com apoio dos sionistas como o Ruy Mesquita que morreu e o Robert Civita que segundo as notícias está muito mal.

O que não consigo compreender é:  

Por que esses sionistas não foram para o Hospital Albert Einstein?

Einstein também era antissionista e foi contra a criação do Estado de Israel, mas se o Hospital é de judeus e considerado uma referência nacional...

Por que quando mal de saúde o Ruy e o Bob foram para o Hospital Sírio-Libanês?
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sábado, 25 de maio de 2013

Uma Palestina portuguesa



buscado no ODiario.info



Este ano marca o centenário de um esforço esquecido para construir uma pátria judaica na vasta colónia portuguesa de Angola. Adam Rovner descreve esta tentativa pouco conhecida de criar uma Sião em África.


No Outono de 1902, o Dr. Theodor Herzl (1860-1904), autor austro-húngaro e profeta do moderno sionismo político, frequentava os corredores do poder em Whitehall. Graças, em parte, aos esforços do seu amigo, o autor inglês judeu Israel Zangwill (1864-1926), Herzl conheceu o secretário de estado para as colónias Joseph Chamberlain, que mostrou simpatia pelas aspirações nacionalistas dos judeus. Em Abril de 1903 os dois voltaram a encontrar-se depois de Chamberlain ter regressado duma visita às colónias britânicas em África, semanas depois dos ataques, apoiados pelo estado, contra judeus na Rússia czarista terem chocado o mundo. Chamberlain fixou Herzl no seu monóculo e ofereceu-se para ajudar os perseguidos. ‘Encontrei uma terra para si nas minhas viagens’, Herzl ouviu-o dizer, registando o relato da sua viagem de combóio no país que é hoje o Quénia, ‘e pensei para comigo, esta seria uma terra para o Dr. Herzl’. Embora Herzl tenha inicialmente encarado com frieza a proposta, reconheceu a sua importância. A nação mais poderosa do mundo reconhecera a organização sionista com seis anos de existência enquanto instrumento do nacionalismo judaico e oferecia uma terra sob protecção do Império Britânico.
O delegado de Herzl em Londres continuou a negociar com Chamberlain no que, erradamente, veio a chamar-se ‘Plano do Uganda’. Em meados desse Verão tinham chegado a acordo quanto a um esboço de mapa para uma colónia autónoma no protectorado da África Oriental. O advogado e Membro do Parlamento David Lloyd George elaborou o documento. Herzl anunciou a proposta na abertura do VI Congresso Sionista em Basileia a 23 de Agosto de 1903. De acordo com o relatório estenográfico do Congresso, a notícia foi recebida com ruidoso aplauso e Zangwill anunciou de forma triunfante: ‘Três vivas à Inglaterra’. Um apoiante reconheceu que o Vale do Rift começava na África Oriental e acabava na Palestina, ligando assim a pátria bíblica, ainda que de forma ténue, ao território britânico oferecido. Mas Herzl admitiu num discurso ao Congresso que a planeada ‘Nova Palestina’ em África não poderia substituir Sião. Ainda assim, considerou urgente uma exploração do território.
Uma comissão sionista constituída por três membros rumou a África em Dezembro de 1904. Herzl já não viu a expedição partir. Sofrera um ataque cardíaco fatal cinco meses antes. Quando a comissão regressou, os seus membros publicaram um relatório globalmente negativo sobre as possibilidades de estabelecer uma colónia no planalto de Guas Ngishu no Quénia ocidental. O VII Congresso reuniu em Basileia em 1905 para discutir as conclusões pessimistas. Zangwill ainda defendia a aceitação de uma suserania britânica sobre um território judaico na África oriental, mas, sem a liderança de Herzl, a maioria dos delegados opunha-se agora. Numa tensa sessão de emergência, Zangwill e os seus aliados não conseguiram reunir os votos necessários para dar continuidade ao plano. ‘Se declinarmos o projecto da África oriental’, avisou Zangwill, ‘iremos experimentar o alívio que se tem quando se remove um dente que nos dói. Mas iremos reparar, tarde demais, que era o nosso último dente!’
Amargurado, Zangwill separou-se do que considerava ser um sionismo desdentado. Constituiu um grupo rival popular internacional, a Organização Territorial Judaica, conhecida pelo seu acrónimo ITO. O patriota Zangwill acreditava que o movimento sionista havia desprezado o Governo de Sua Majestade e rejeitara a visão universalista de Herzl do nacionalismo judaico. Também estava convencido de que os habitantes árabes da Palestina Otomana constituíam um grande obstáculo à recolonização das ancestrais terras judaicas. Em vez disso, a plataforma ITO propunha o estabelecimento de uma ‘grande pátria de refúgio judaica’ noutro lugar do mundo, de preferência sob administração britânica. Zangwill referia-se a estado de fantasia em papel como ‘Terra ITO.’ Continuou a procurar uma terra ITO na África oriental, mas também considerou a Austrália, Líbia e Mesopotâmia (Iraque).
Em 1907, a agitação incansável pela causa da ITO chamou a atenção de um engenheiro e veterano da Guerra dos Bóeres, John Norton-Griffiths (1871-1930), conhecido popularmente como ‘Empire Jack’ pela sua visão ultra-imperialista. Norton-Griffiths firmou um contracto para a construção de uma linha férrea que se estenderia do porto angolano de Lobito até às terras altas do planalto de Benguela, em direcção ao Leste, até ao ponto desolador do que os portugueses chamaram ‘o fim do mundo’, e depois em direcção a Norte, através dos campos ricos em cobre. Norton-Griffiths notificou os representantes da ITO de que os portugueses em Angola punham as necessidades dos ‘colonos brancos’ em primeiro lugar e ele estava certo de que a ‘melhor’ e ‘mais apropriada’ parte de ‘toda a África’ para uma colónia judaica era Angola. Mas Zangwill rejeitou a ideia, receando que os ‘quatro milhões de negros’ que se estimava aqui viverem ‘impedissem qualquer verdadeira colonização, fazendo todo o trabalho sujo’. Para Zangwill, a colonização agrícola e industrial, fosse na Palestina, em Angola ou em qualquer outra parte, deveria ser orientada para a auto-suficiência, não para a exploração.
Sem nenhuma terra ITO no horizonte, Zangwill começou a trabalhar com um banqueiro norte-americano, Jacob Schiff, num plano ambicioso para restabelecer os judeus russos na parte ocidental dos EUA. Entre 1907 e 1914, aproximadamente 7 400 imigrantes partiram de facto a caminho do Ocidente, por Galveston, Texas. Entretanto, Zangwill obtivera enorme sucesso nos EUA com a sua peça The Melting Pot (1908), que popularizou a metáfora da cultura multi-étnica dos EUA. Zangwill declarou no posfácio a edições da sua peça que a sua composição fora inspirada pelas suas tentativas frustradas de encontrar uma terra ITO. Então, depois de anos de desilusão, a ITO recebeu uma carta, em Março de 1912, escrita em francês por um judeu russo que trabalhava para o ministro da agricultura português. O correspondente desconhecido, Wolf Terló, delineou o seu plano para estabelecer ‘os nossos pobres irmãos [judeus]’ nas saudáveis terras altas de Angola, onde cada família de colonos receberia, livre de impostos, 500 hectares (aproximadamente 5 Km2) de terra. Terló afirmava que a sua proposta tinha o apoio de parlamentares e ministros do governo em posições chave na jovem República Portuguesa, com tendências de esquerda.
Depois de uma troca de correspondência, a ITO enviou uma delegação a Lisboa chefiada pelo jurista russo Jacob Teilel. Homem de muitas contradições, o brilhante Teilel era o último juiz judeu sob o governo czarista, sendo no entanto amigo de radicais políticos como Vladimir Lenine e Máximo Gorky. O filho de Teitel conhecera Terló em Roma e descobrira que as suas famílias eram remotamente ligadas. Terló convidou então o seu ilustre parente para vir a Lisboa. Quando os apoiantes da ITO souberam das futuras viagens à Europa de Teitel, pediram-lhe que avaliasse o misterioso carácter de Terló e a seriedade da sua proposta. Na altura, Terló era um anafado funcionário público que rondava os 40 anos. Depois de os judeus terem sido expulsos de Moscovo em 1891, Terló viajara até Jafa e matriculara-se numa escola agrícola. Mais tarde, estudou vinicultura em Bordéus e depois de muito vaguear, fixou-se em Lisboa em 1904. Aí organizou um conselho enológico e encontrou emprego no Ministério da Agricultura. A sinceridade de Terló no trabalho para minorar o sofrimento dos judeus russos era apenas igualada pela sua confusão em relação aos objectivos conflituosos do sionismo e dos apoiantes da ITO. Terló abordara a Agência Central Sionista em Berlim relativamente à sua ideia sobre Angola. Reconheceram o significado da vontade de Portugal ceder território para a imigração em massa de judeus, mas recusaram as propostas de Terló. Ainda assim, os sionistas de Berlim corresponderam-se com Terló até 1912, continuando a pressioná-lo para obter informação interna quanto aos desígnios da ITO para a colónia.
Em Lisboa, Teitel encontrou, em casa de Terló, um grande mapa de Angola pendurado na parede. Também aí conheceu o colega de Terló na proposta, o Dr. Alfredo Bensaúde (1856-1941). Bensaúde era um cientista de craveira, fundador e director do Instituto Superior Técnico e herdeiro de uma família judia dos Açores. O enérgico Terló e o influente Bensaúde conseguiram empurrar um conjunto de políticos portugueses para a causa do estabelecimento de uma colónia judaica em Angola. Rapidamente se seguiu uma cobertura jornalística favorável. Em Maio, representantes da câmara baixa do parlamento português, a câmara dos deputados, debateram activamente a ideia. Teitel examinou o plano de Terló e Bensaúde e chegou à conclusão que ‘cinco ou seis centenas de milhares’ de judeus poderiam colonizar as terras altas da província angolana de Benguela. ‘Eu ficaria feliz’, disse aos jornalistas, ‘se os últimos anos da minha vida fossem dedicados a esta causa’.
Assim encorajado, Zangwill conseguiu duas longas entrevistas com Sir Arthur Hardinge, ministro britânico em Portugal. Por coincidência, Hardinge servira como comissário no protectorado da África oriental pouco antes de Chamberlain aí ter oferecido território aos sionistas. Ele já conhecia bem os esforços gorados de uma colonização judaica em África e estava céptico em relação aos planos da ITO. Hardinge relatou ao seu superior, o Secretário dos Estrangeiros Sir Edward Grey (1862-1933) que ficara ‘surpreendido que a ideia pudesse ser recuperada … mas as discussões prévias mostraram que Mr. Zingwill e os seus amigos não eram de modo algum pessoas práticas.’ Num dado momento, Zangwill questionou Hardinge sobre os ‘negócios secretos anglo-germânicos … a respeito das colónias portuguesas em África’, mas o diplomata rapidamente ‘dirigiu a conversa para outros assuntos’. Zangwill aludia a um acordo secreto de 1898 para dividir as colónias portuguesas entre a Inglaterra e a Alemanha. As duas potências procuraram uma reconciliação nos anos anteriores à I Guerra Mundial e os seus esforços centraram-se numa renegociação com benefício mútuo do acordo de 1898. Zangwill argumentou que Portugal, endividado e instável depois da queda da monarquia em 1910, procurava manter Angola com a ajuda dos colonos judaicos que protegeriam a integridade da colónia para a metrópole. No entanto, receava que, caso o domínio português fosse derrubado, a sua terra ITO cairia nas mãos dos alemães nos termos das convenções secretas então debatidas. O sonho de Zangwill de uma Sião africana trazia tanto perigo como esperança.
A 20 de Julho de 1912, a Câmara dos Deputados portuguesa aprovou a versão final da Lei 159 que autorizava concessões a colonos judaicos. Os seus artigos indicam claramente a intenção da República de usar a imigração judaica para consolidar o domínio sobre Angola. Os colonos que quisessem estabelecer-se no planalto de Benguela tornar-se-iam imediatamente cidadãos portugueses no porto de entrada mediante pagamento de um valor nominal. Enquanto este aspecto da lei teria apelado a refugiados judeus em condições de pobreza, outros artigos parecem designados a desencorajar a emigração. Nenhuma ‘sociedade benevolente’ encarregada da colonização (como a ITO) poderia ter um ‘carácter religioso’ e o português deveria ser a língua exclusiva da instrução em quaisquer escolas que os colonos judeus construissem.
Zangwill e os delegados da ITA reuniram-se em Viena para discutir as concessões portuguesas. Eles sabiam que as cláusulas restritivas da lei impediriam o estabelecimento de uma colónia exclusivamente judaica. Depois de muita discussão, a ITO enviou por cabo a sua respeitosa rejeição da oferta para a Câmara dos Deputados, mantendo entretanto a possibilidade de continuação das negociações. Quando Hardinge soube da decisão da ITO, relatou a Grey que ‘a não ser que o governo português (o que é pouco provável) atribuísse grandes poderes políticos à nova colónia judaica, Mr. Zangwill e os seus amigos não crêem que a oferta valha a pena’. Mas Hardinge não mencionou, ou não sabia, que a ITO tinha votado unanimemente o envio de uma expedição a Angola para examinar a região proposta para colonização judaica.
Zangwill contratou um dos mais distintos cientistas-exploradores do seu tempo, John Walter Gregory (1864-1932) para levar a comissão da ITO ao planalto de Benguela. Gregory, geólogo e fellow da Royal Society, cunhara o termo ‘Rift Valley’ e viajara pela Líbia em 1908 em representação da ITO. Embora não fosse judeu, Gregory estivera associado com a ITO desde a sua fundação. A sua mulher e a mulher de Zangwill, a sufragista Edith Ayrton (1875-1945), eram primas com uma relação próxima e, assim, foi confiado a Gregory analisar a terra ITO proposta em Angola. Gregory incluiu na expedição o seu amigo, Dr. Charles J. Martin, chefe do Instituto Lister para a Medicina Preventiva em Londres. Na noite de 16 de Julho de 1912, Gregory formalizou o seu acordo com Zangwill e na manhã seguinte escreveu a um contacto no Colonial Office para perguntar: “(1) se há quaisquer considerações políticas que impeçam o estabelecimento de uma colónia judaica nos planaltos angolanos. (2) Se há alguma área que devamos evitar ou que devamos escolher por ser mais segura”.
A carta de Gregory foi reencaminhada para o Foreign Office, onde ele encontrou um secretário-adjunto e lhe deu uma descrição dos planos da ITA para ‘formar uma larga colónia de judeus que poderiam viver juntos e preservar os seus ritos religiosos e sociais em liberdade’. Gregory pediu cartas de apresentação para Hardinge em Lisboa e para os funcionários do Consulado Britânico em Angola. Em troca, ofereceu-se para ‘manter qualquer informação que pudesse ser útil’ ao Governo Britânico durante as suas viagens à colónia. Mas Grey indeferiu o pedido, indicando que o plano para Angola era estritamente um assunto interno para o Governo Português.
O Foreign Office estava compreensivelmente relutante a envolver o governo de Sua Majestade em assuntos coloniais portugueses. Enquanto a ITO concentrava os seus esforços em Angola, o Foreign Office envolveu-se numa disputa pública com a British Anti-Slavery Society, que acusava o facto de os angolanos serem sujeitos a trabalhos forçados que equivaliam a escravatura. Estes trabalhadores forçados (serviçais) labutavam sob condições miseráveis em plantações de cacau na ilha de São Tomé no Golfo da Guiné. As autoridades britânicas estavam ao corrente dos abusos e da incapacidade por parte de Portugal em pôr-lhes cobro, mas uma série de livros, panfletos e revelações deram a conhecer a desgraça dos serviçais ao público e criaram um escândalo diplomático. Zangwill conhecia o registo vergonhoso de Portugal no que respeitava a escravatura e prometeu a um confidente da ITO preocupado com o assunto que ‘se formos [para Angola] deveremos esperar evitar estas condições’. Também escreveu a Bensaúde para dizer que uma iniciativa bem-sucedida da ITO ajudaria a dissipar a publicidade negativa que Portugal recebeu na imprensa britânica. Zangwill deve ter esperado que um apelo ao patriotismo de Bensaúde providenciasse o momento de submeter uma versão mais atraente da Lei 159 para aprovação parlamentar. Desta vez Zangwill apoiava-se em Bensaúde como seu negociador, receando que o apoio declarado e público de Terló ao plano prejudicasse a causa da ITO.
Os próprios angolanos estavam bem cientes dos planos para trazer os judeus ao seu território. Na capital costeira Benguela, com a sua imponente arquitectura portuguesa e avenidas largas com eucaliptos alinhados, vivia uma elite que receberia de bom grado a perspectiva de judeus a povoar a província. Uma série de artigos da autoria do escritor mais destacado da época, Augusto Bastos (1872-1936), um filho da terra, foi publicada no semanário Jornal de Benguela durante mais de um ano. Ele garantiu aos leitores que os colonos judeus não ameaçariam a soberania portuguesa porque não teriam ‘canhões e um exército por trás deles’. Depois insistiu junto dos legisladores portugueses para que alterassem os termos da lei colonial para que se tornasse mais apelativa para os judeus. Bastos saudou a chegada de Gregory e Martin, acreditando que ‘depressa estariam convencidos’ de que não havia melhor lugar do que o planalto de Benguela para estabelecer uma morada para os ‘[judeus] perseguidos da Rússia’.
Logo depois de Gregory e Martin terem chegado a Lobito, o fim da linha férrea de Benguela, a 22 de Agosto de 1912, rumaram até ao interior. A sua caravana consistia de 32 nativos, um chefe, um campista e mais quatro ajudantes. Ao todo, passaram cinco semanas a inspeccionar o planalto, viajando mais de 1 600 km de combóio, vagão e a pé. Gregory anotou no seu relatório publicado da ITO que laranjas, bananas e café floresciam e que ‘verduras europeias cresciam abundantemente’. Também encontrou ‘madeira em quantidade para a construção’ e para combustível. O Dr. Martin considerou as terras altas ‘notavelmente livres de doenças tropicais’ e que possuíam ‘um óptimo clima’ no qual o ‘europeu médio’ poderia manter uma ‘vida confortável e saudável’. Sobre o planalto de Benguela, Gregory concluiu:
“Em virtude de ser uma terra salubre, fértil e atractiva, e à facilidade com que poderá ser adquirida e desenvolvida, não parece haver razão, caso o Governo Português garanta uma concessão razoável, para não estabelecer colónias europeias com sucesso.”
O relatório de Gregory era intencionalmente vago quanto à região exacta que deveria ser colonizada. Mas num memorando ‘altamente confidencial’ escrito a bordo, enquanto viajava para Inglaterra logo após ter regressado da sua aventura angolana, ele recomendava que Zangwill pedisse aos portugueses 13 000 km2 de terra que incluíssem a cidade de Bailundo e o vale do rio Cutato a nordeste de Huambo. Hoje, a região que Gregory secretamente escolheu para pátria judaica é o celeiro de Angola, apesar dos campos de minas e os destroços de tanques que ainda mancham uma paisagem deformada por décadas de guerra civil.
Zangwill encontrou Gregory e Martin a 22 de Outubro de 1912, cinco dias depois de terem desembarcado em Southampton. Uma vez convicto da exequibilidade de fundar uma terra ITO angolana, escreveu ao proeminente banqueiro e líder da comunidade judaica Leopold de Rothchild. Zangwill avançou a ideia de estabelecer uma companhia de desenvolvimento de Angola que, defendia, atrairia o dobro do capital da ‘[Cecil] Rhodes, que impulsionou a Rodésia’. Também sugeriu que a ITO, com a ajuda de Rothchild, poderia trazer uma reaproximação há muito desejada entre a Inglaterra e a Alemanha. Um dos comissários geográficos da ITO, o homem de negócios e patrono das artes James Simon, era íntimo do Kaiser, disse Zangwill a Rothchild: ‘E parece que assim ficaremos com um instrumento nas mãos … para aproximar a Inglaterra e a Alemanha’. Uma pátria judaica em África, acreditava Zangwill, poderia servir a causa da paz na Europa. Rothchild, contudo, não ficou impressionado.
Bensaúde, Zangwill e Gregory continuaram no entanto a promover o plano e, a 29 de Junho de 1913, o Senado português reviu e aprovou concessões para o estabelecimento de judeus. Gregory disse com optimismo aos repórteres que a linha férrea de Benguela acabaria por fazer a ligação com a linha projectada Cidade do Cabo / Cairo e assim ‘ligar Angola à Europa’. Zangwill insistiu com a imprensa que Angola representava a melhor oportunidade para atingir as ambições de Herzl de um estado judaico ‘porque [Angola] não tem influência cristã, como a Palestina, nem uma população árabe como a Palestina’. Quanto a Bensaúde, manteve a pressão sobre os seus contactos internos no governo, dando a entender a Zangwill que o ‘governo [português] está disposto a passar por cima do parlamento e fazer uma concessão de acordo com a perspectiva do Professor Gregory, desde que [a ITO] tenha o capital adequado’. Mas o dinheiro não foi adiantado. Bensaúde lamentou ‘infinitamente que as sociedades que se dedicam a este problema não possam ou não queiram conduzir este caso como ele deveria ser conduzido’. Também Zangwill estava perturbado com a falta de visão dos homens de finanças judeus que recusaram criar uma empresa para desenvolvimento da terra que ‘pudesse dar a milhares, eventualmente a milhões de judeus um lar’. Sem território, a ITO não poderia obter capital e sem capital não poderia obter um território. O ímpeto esmoreceu por falta de finanças e o necessário voto final no plano de colonização por parte de ambas as câmaras de Portugal nunca se materializou.
Por finais de 1913, muitos dos simpatizantes de Zangwill na ITO tinham-se voltado contra a proposta. Um antigo aliado escreveu-lhe dizendo que ‘a futura nação judaica será mais provavelmente um sucessor condigno da terra que produziu a Lei e os Profetas se for … na Palestina, do que se surgir num cadinho cultural em Angola’. A perspicaz referência à famosa peça de Zangwill [1] está ao nível da ironia do seu autor, embora seja duvidoso que ele a tenha apreciado. Zangwill viu a rejeição de Angola pelos milionários judeus e colegas na ITO como um ‘erro não menos trágico’ que a recusa da terra na África oriental, aproximadamente uma década antes. ‘Ela mostra’, concluiu num ressentido memorando à ITO, ‘que os judeus preferem estar sem terra e sem poder’. O contacto com Bensaúde arrastou-se até ao Verão de 1914, antes de rebentar a I Guerra Mundial. No mesmo dia em que as primeiras nuvens de gás tóxico foram emitidas sobre os aliados, a 22 de Abril de 1915, um desmoralizado Zangwill confidenciou a Gregory que a ITO chegara efectivamente ao fim: ‘Não posso fingir que reste muita esperança numa terra da ITO num mundo privado da Razão e do Amor’.
O plano angolano fora a última e melhor oportunidade da ITO para estabelecer uma solução territorial para a condição sem pátria dos judeus. E Zangwill nunca o esqueceu, mesmo depois da Declaração de Balfour, emitida durante o mandato de Lloyd George, ter sublinhado o apoio para ‘o estabelecimento na Palestina de uma pátria para o povo judeu’. Zangwill resumiu os erros da ITO nas páginas da influente Fortnightly Review, dois anos mais tarde. A história judaica, concluiu, ‘é uma história de oportunidades perdidas’. Vivesse Zangwill tempo suficiente para ver as nações livre do mundo fechar as suas portas aos judeus que fugiam ao Reich de Hitler e o seu severo veredicto teria certamente sido temperado com uma dor profunda pelo facto da sua Sião Angolana nunca ter firmado raízes no fértil planalto de Benguela. 


*Publicado na History Today, vol. 62, nº 12, 2012
Adam Rovner é Professor Assistente de Literatura Inglesa e Judaica na Universidade de Denver. É autor de Promised Lands: The Global Search for a Jewish Home (New York University Press), no prelo. 
 
Notas da tradução:
[1] “Cadinho cultural”, no original ‘Melting Pot’, alusão à obra de Zangwill, referida em parágrafo anterior.

Tradução de André Rodrigues P. da Silva