terça-feira, 30 de abril de 2013

Origami na Publicidade



Origami In the Pursuit of Perfection from MABONA ORIGAMI on Vimeo.



Mercadante não está sozinho na defesa de Frias


buscado no Esquerdopata 

 

 

 
Mercadante ignora o compromisso da Folha com a repressão da ditadura
 
Os carros dos agentes policiais e os veículos da Folha ficavam estacionados nas garagens da empresa. Não havia grande preocupação em esconder a logomarca da empresa nos veículos disponibilizados para a repressão. Certamente, o ministro Aloizio Mercadante, não sabia disto. Economista competente, Aloizio Mercadante desconhece também que eu fui um dos jornalistas presos em janeiro de 1974, no portão de entrada da Folha. 
 
O artigo é de Dermi Azevedo.
 


Em 1970, a redação da Folha, no quarto andar de um prédio da Alameda Barão de Limeira, centro de São Paulo, era espacialmente dividida entre os jornais Folha de S.Paulo, Folha da Tarde e Última Hora e por policiais do DEOPS e do DOI-CODI. Eles espionavam diariamente os jornalistas e os colaboradores. Seguiam de perto, de modo especial, o jornalista Samuel Wainer, que havia negociado o jornal Ultima Hora com Otávio Frias de Oliveira. “Eles acompanham todos os meus passos e censuram as minhas informações”, queixou-se comigo Wainer, quando entrei na sua pequena sala para lhe propor uma pauta. “Eu posso ser preso a qualquer momento”, desabafou...

Os carros dos agentes policiais e os veículos da Folha ficavam estacionados nas garagens da empresa. Eram kombis e fuscas, em sua maioria. Não havia grande preocupação em esconder a logomarca da empresa nos veículos disponibilizados para a repressão.

Um jornalista de São Paulo, Humberto Kinjô, que estava sendo perseguido pela repressão, conseguiu um trabalho em um jornal colombiano. Pediu ajuda aos seus colegas na redação da Folha para o envio de alguns documentos. Os papéis foram interceptados e os jornalistas, intimidados.

Certamente. o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, não sabia disto. Economista competente, com o qual trabalhei dois anos no Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), Aloizio Mercadante desconhece também que eu fui um dos jornalistas presos em janeiro de 1974, no portão de entrada da Folha.

Coerente
A cessão de veículos da Folha para os órgãos da repressão da ditadura é coerente com o compromisso dessa empresa com forças da direita. Sempre foi muito forte, por exemplo, a relação entre a Folha e a TFP (Tradição, Família e Propriedade,) uma organização de extrema direita, dirigida pelo advogado Plinio Corrêa de Oliveira. Uns dos jornalistas mais poderosos da Folha, Bóris Casoy, e citado pelo jornalista Flavio Decker, como membro do CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Bóris sempre negou essa informação. Outras organizações com as quais a Folha sempre manteve um bom relacionamento são a Opus Dei e a UDR (União Democrática Ruralista).

Fui escalado nos anos 90 para fazer uma reportagem sobre a Opus Dei. Pouco tempo depois de começar a minha pesquisa, fui surpreendido pela “visita” de um representante dessa organização de origem franquista. Ele propôs a minha candidatura a uma bolsa de estudos na Espanha. Recusei imediatamente.

A Folha participou de uma entrevista coletiva do presidente da UDR, deputado federal Ronaldo Caiado, em um hotel no centro paulistano. Quando chegamos, Caiado distribuiu cópias de boletins de ocorrências contra lideres como Chico Mendes, Paulo Fonteles , padre Josimo Moraes Tavares, e Margarida Maria Alves, entre outros. Protestamos contra a divulgação de documentos policiais contra pessoas assassinadas sem terem mais direito de defesa. Diante de sua agressividade contra os jornalistas, decidimos retirar-nos do local. Ao chegar à redação, fui convocado pelo dono da empresa e fui advertido.

Outros admiradores
Aloizio não está sozinho na lista de admiradores de Otávio Frias. Antes dele, o ex- ministro da Saúde, José Serra, deu o nome de Frias a um dos viadutos mais trafegados de São Paulo.
 
 
Muito mais em: Blog Sujo
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domingo, 28 de abril de 2013

REINALDO E A DITADURA MILITAR, 1ª parte


buscado no Gilson Sampaio 

 

 

Via facebook do Idelber Avelar



IDELBER AVELAR 
 
A história dos atritos entre o Galo e a ditadura militar começou em 1969, quando o ditador Emílio Garrastazu Médici exigiu a convocação de Dario, nosso Dadá Maravilha, para a Seleção Brasileira. João Saldanha, o João sem Medo, então técnico da Seleção e homem de conhecidas ligações com o Partido Comunista, retrucou com a célebre frase “o presidente escala o ministério dele que eu escalo o meu time”. Ela foi um dos estopins de sua demissão e substituição por Zagallo, figura bem mais dócil, obediente e antenada com o poder. Levando a equipe que Saldanha já havia armado, acrescida de mínimas modificações, como o recuo de Piazza para a zaga, Zagallo conquistou o tricampeonato de 1970 no México com Dadá no banco, sem atuar um minuto sequer. A vontade do ditador havia sido satisfeita.
Antes disso, no dia 03 de setembro de 1969, ainda dirigida por Saldanha, a Seleção Brasileira visitou Belo Horizonte e, completinha, com Pelé, Tostão, Jaizinho, Gérson, Carlos Alberto e cia., enfrentou o Galo de Dadá, que atuou com a camisa da Seleção Mineira. O Galo vivia vacas magras e amargava o pentacampeonato estadual do Cruzeiro, que acabara de igualar nosso recorde de 1956 (depois, em 1983, estabeleceríamos outro recorde, o hexa, ainda não igualado na era profissional). A presença de Zé Carlos, Piazza e Tostão com a camisa canarinho reforçava o clima de guerra. Com atuação magistral do maior lateral-esquerdo de nossa história, o uruguaio Cincunegui, o Galo venceu por 2 x 1, gols de Oldair e Dario. Pelé descontou em escandaloso impedimento (http://youtu.be/uVGC24Ud-jE). Depois da comemoração do segundo gol, Dadá levantou a camisa da Seleção Mineira, deixando a multidão entrever o uniforme do Galo por baixo. A Massa foi ao delírio e os militares não gostaram, nem do gesto, nem do resultado.
Nos anos 1970, antes da Democracia Corinthiana, os jogadores de futebol que ousavam se pronunciar sobre política ou mesmo demonstrar uma mínima consciência de classe eram implacavelmente perseguidos. O craque Afonsinho, do Botafogo, homenageado numa canção de Gilberto Gil (http://youtu.be/-HHW-UoiTtg), foi um gênio da bola que não deixava nada a dever a Dirceu Lopes, Rivellino ou Gérson, mas teve sua carreira na Seleção bloqueada como consequência de sua militância em favor dos direitos dos atletas.
Naquela atmosfera de intimidação e terror, Reinaldo, com suas declarações políticas corajosas e a famosa comemoração com o punho direito erguido, em alusão aos Black Panthers, não demorou para chamar a atenção dos poderosos. Para quem não o viu jogar, cabe a palavra de Romário, que não só idolatrou Reinaldo como também já disse que o Rei foi um centroavante superior a ele, apesar de ser menos conhecido no exterior e ter menos conquistas. Eram características de Reinaldo a inteligência genial para antever a jogada, o absurdo talento para driblar de forma seca, dentro do espaço de um guardanapo, a batida fulminante com qualquer uma das pernas, o cabeceio certeiro, apesar da baixa estatura, o senso de colocação impressionante, a arrancada implacável e a concisão na genialidade: Reinaldo não era jogador de encadear cinco ou seis dribles em sequência. Era muito mais comum que ele driblasse dois ou três defensores com um único toque. Essa capacidade de entender o espaço do campo e a projeção dos corpos chega ao paroxismo no famoso gol de placa contra o América-RN pelo Brasileirão de 1977, em que o Rei dribla toda a defesa do time potiguar com um giro do tronco, sem encostar na bola.
A partir do segundo semestre de 1977, Reinaldo passou a defender publicamente eleições diretas, a anistia e o fim da ditadura militar. Sob o título “Reinaldo, bom de bola e bom de cuca”, o jornal Movimento, ligado à oposição de esquerda à ditadura, estampava Reinaldo na capa da edição de 06 de março de 1978. Foi o suficiente para que o Almirante Heleno Nunes, Presidente da Confederação Brasileira de Desportos, que em janeiro de 78 havia saudado Reinaldo como a grande revelação da Seleção (http://bit.ly/Zp8Zvw), declarasse que “Reinaldo não possui as condições físicas exigidas por uma competição de alto nível” (http://bit.ly/Zp9xBA). Ficou clara a manobra de Heleno Nunes, que tentava excluir Reinaldo da Seleção Brasileira na Copa de 1978, num momento em que o atacante estava em seu auge.
Pela primeira vez desde Afonsinho, voltava à esfera pública o debate sobre os direitos de os jogadores se posicionarem politicamente. Reinaldo passou a receber centenas de cartas de solidariedade, o próprio jornal Movimento fez outra matéria denunciando a manobra e o técnico Cláudio Coutinho não teve como não bancar a ida do Rei à Copa da Argentina. Entre os militares, o grande medo era que, se Reinaldo marcasse um gol, ele repetisse o gesto Black Panther já conhecido nos gramados brasileiros. A Argentina vivia, naquele momento, uma ditadura militar sanguinária, que terminaria em 1983 com o saldo de mais de 20.000 mortos e desaparecidos. A Copa do Mundo era, naquele ano, seu grande instrumento de propaganda.
Quando ficou claro que não seria possível excluir da Seleção o jogador que havia chegado à absurda marca de 1,55 gol por jogo no Campeonato Brasileiro, o próprio Almirante Heleno Nunes e o diretor da CBD na época, André Richer, chefe da delegação brasileira na Copa, aconselharam-no a evitar o gesto político na comemoração dos gols. Ninguém menos que o ditador Ernesto Geisel em pessoa se dirigiu a Reinaldo no Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, com a frase "Vai jogar bola. Deixa que a política a gente faz".
Na estreia, Reinaldo marcou o gol do Brasil no empate em 1 x 1 contra a Suécia e não se acovardou. Comemorou o tento com o seu gesto Black Panther, provocando enorme mal estar entre a chefia da delegação. Depois do jogo, Reinaldo recebeu um envelope em espanhol, vindo da Venezuela, com supostas informações sobre a Operação Condor, a colaboração entre as ditaduras sul-americanas para o assassinato e desaparecimento de ativistas de esquerda ou pró-democracia. Depois do empate em 0 x 0 com a Espanha, em que toda a equipe atuou mal, Reinaldo foi substituído por Roberto Dinamite. No auge da carreira, reconhecido nacionalmente como um gênio da camisa 9, Reinaldo era tirado do time e nunca mais voltaria a jogar uma partida de Copa do Mundo pela Seleção Brasileira.
Na próxima semana, conto a história de como Reinaldo foi vítima de homofobia, apesar de ser hétero. Relatarei também algumas das misteriosas circunstâncias que cercaram a sua exclusão da Copa de 1982.


sábado, 27 de abril de 2013

Delegado da ditadura: ‘Enterrar estava dando problema’


buscado no Gilson Sampaio 

 

Via Terra

SP: ex-delegado diz que ditadura fez atentados para desmoralizar esquerda

Claudio Guerra assumiu ser autor de atentado no jornal o Estado de S. Paulo na década de 1980

O ex-delegado da Polícia Civil Claudio Guerra afirmou nesta terça-feira, à Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, que foi o autor da explosão de uma bomba no jornal O Estado de S. Paulo, na década de 1980, e afirmou que a ditadura, a partir de 1980, decidiu desencadear em todo o Brasil atentados com o objetivo de desmoralizar a esquerda no País.


“Depois de 1980 ficou decidido que seria desencadeada em todo o País uma série de atentados para jogar a culpa na esquerda e não permitir a abertura política”, disse o ex-delegado em entrevista ao vereador Natalini (PV), que foi ao Espírito Santo conversar com Guerra.
No depoimento, Guerra afirmou que “ficava clandestinamente à disposição do escritório do Sistema Nacional de Informações (SNI)” e realizava execuções a pedido do órgão.
Entre suas atividades na cidade de São Paulo, Guerra afirmou ter feito pelo menos três execuções a pedido do SNI. "Só vim saber o nome de pessoas que morreram quando fomos ver datas e locais que fiz a execução”, afirmou o ex-delegado, dizendo que, mesmo para ele, as ações eram secretas.
Guerra falou também do Coronel Brilhante Ustra e do delegado Sérgio Paranhos Fleury, a quem acusou de tortura e assassinatos. Segundo ele, Fleury “cresceu e não obedecia mais ninguém”. “Fleury pegava dinheiro que era para a irmandade (grupo de apoiadores da ditadura, segundo ele)”, acusou.
O ex-delegado disse também que Fleury torturava pessoalmente os presos políticos e metralhou os líderes comunistas no episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa, em 1976.
“Eu estava na cobertura, fiz os primeiros disparos para intimidar. Entrou o Fleury com sua equipe. Não teve resistência, o Fleury metralhou. As armas que disseram que estavam lá foram ‘plantadas’, afirmo com toda a segurança”, contou.
Guerra disse que recebia da irmandade “por determinadas operações bônus em dinheiro”. O ex-delegado afirmou que os recursos vinham de bancos, como o Banco Mercantil do Estado de São Paulo, e empresas, como a Ultragás e o jornal Folha de S. Paulo. “Frias (Otávio, então dono do jornal) visitava o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), era amigo pessoal de Fleury”, afirmou.
Segundo ele, a irmandade teria garantido que antigos membros até hoje tivessem uma boa situação financeira.

‘Enterrar estava dando problema’

Segundo Guerra, os mortos pelo regime passaram a ser cremados, e não mais enterrados, a partir de 1973, para evitar “problemas”. “Enterrar estava dando problema e a partir de 1973 ou 1974 começaram a cremar. Buscava os corpos da Casa de Morte, em Petrópolis, e levava para a Usina de Campos”, relatou.


sexta-feira, 26 de abril de 2013

A dor da mãe do 'terrorista'




buscado no Amaral Nato  


 
por Urariano Mota 

Recife (PE) - No caso dos estranhos suspeitos do atentado em Boston, estranhos, porque de suspeitos passaram rápido para a condição de terroristas, caçados à bala nas ruas e na imprensa, destaco um depoimento da mãe dos mais odiados homens hoje nos Estados Unidos.

“Repórter: O que eles (Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev) disseram para você?
A mãe, Zubeidat: Nada. “Eu te amo, mamãe. Eu te amo, mamãe”.
 
Repórter: Ok.
Mãe: ... Tamerlan era o mais gentil, o mais amoroso, o garoto mais amoroso. O mais amoroso, meu garoto. Eles o mataram. Eles o mataram. Eu vi meu filho, eu não estava acreditando naquilo. Até que vi o corpo do meu filho na minha frente. Ele foi morto muito cruelmente.  Sabe o que eu acho? Eu acho que agora eles vão tentar fazer meu Dzhokhar culpado, porque eles tiraram a voz dele, a habilidade dele falar para o mundo.  Sabe por que eles fizeram isso? Eles fizeram isso porque não querem que a verdade apareça, Ok? O protetor deles é Deus, que é Allah. O único Allah, Ok?
 
Repórter: Eu entendo.
Zubeidat: Se eles matarem meu filho, eu não ligo... Meu mais velho foi morto e eu não ligo. Não ligo se meu mais novo for morto hoje.
Quero que o mundo ouça isso. E não ligo se eu for morta também. Ok? E direi: "Allahu Akbar" (Deus é Grande). Isso é o que vou dizer”.

Houve pessoas, porque até prova em contrário são pessoas, que reagiram a esse “não ligo”, com o espanto frente a mais uma manifestação desumana, coisa típica de mãe de terrorista, terrorista ela própria também. Outras houve que a desprezaram, assim como desprezamos a dor que não é nossa, porque pertence a outro gênero de animais, que não são nem os nossos de estimação. Ou a  desculparam, na fórmula  cínica que fala “para as mães todo filho é inocente”. No entanto, prefiro ver que nessa dor existe muita clarividência. Se não, acompanhem por favor os fatos, somente os fatos:
Um dia depois do atentado das bombas em Boston, o mais novo dos irmãos terroristas, Dzhokhar Tsarnaev, 19, voltou para a Universidade de Massachusetts. “Como se nada tivesse acontecido”, dizem as notícias. Uma estudante que não quis se identificar e se disse amiga de Tsarnaev disse ao "Boston Globe" que o suspeito foi a uma festa na noite de quarta-feira (17), dois dias após o atentado. A universidade confirmou que Tsarnaev usou a academia de ginástica do campus e dormiu em seu quarto na quarta-feira. Até a quinta-feira, o jovem frequentou as aulas normalmente. E tudo “como se nada tivesse acontecido”. Quanta frieza!...
Na tarde da quinta (18), o FBI divulgou fotos de Tsarnaev e o considerou suspeito do crime ao lado de seu irmão Tamerlan. Quando começou a perseguição, os já terroristas Tsarnaev estavam indo para uma festa em Nova York, na última quinta-feira. E o que aconteceu? Depois de ligar para mãe, quando se despediu aos gritos “Mãe, eu te amo”, Tamerlan correu contra os policiais, “cheio de bombas no corpo”, disseram depois, e mandou balas sozinho contra o cerco. E o terror mais jovem, o que fez? Atropelou o ferido mais velho Tamerlan,  tentando fugir da polícia nos subúrbios de Boston.  Levado ao hospital, socorrido, Tamerlan deu entrada coberto de feridas dos pés à cabeça. Depois, apesar dos cuidados, faleceu. OK?
No grande final, o jovem Dzhokhar Tsarnaev é descoberto em um quintal de uma casa em Watertown, perto de Boston. E troca tiros, mais uma vez, com a polícia, segundo a polícia. No entanto, o jornal The Washington Post revela agora que o mais novo terrorista não estava armado, quando se escondia no barco onde foi atingido por vários tiros. Mas segundo a polícia, Tsarnaev havia tentado resistir à prisão e disparado contra policiais antes de se render. Mais: quando foi retirado do barco, que foi destruído pelas balas durante o cerco policial, ele estava encharcado de sangue e ferido gravemente na garganta. Mas os ferimentos foram causados pelo próprio jovem, que teria tentado se matar. Sem armas mas atirando contra si, enquanto era caçado como um rato, escondido em um barco.
Em resumo, as vozes mais críticas dizem que estamos diante de um  scapegoat, mais conhecido no Brasil pelo nome de bode expiatório. A reunião desses fatos e as versões da polícia nos levam a crer que estamos diante de mais uma encenação, típica dos anos da ditadura no Brasil. Nas notícias agora de Boston, a dor vem de uma muçulmana enlouquecida, que grita I don’t care, ok?. Zubeidat Tsarnaeva pode ser ouvida aqui  


quinta-feira, 25 de abril de 2013

A educação não pode ser negociada na bolsa de valores

 

buscado no Quem tem medo da democracia?

 

ensino_privado_thumb 

Cartelização da educação: Kroton e Anhanguera se unem e criam ‘monstro’ educacional mundial

Enquanto, no Congresso Nacional, vários parlamentares têm atuado ostensivamente para defender os interesses do setor privado de ensino, a qualidade da educação superior brasileira é mais uma vez vilipendiada com a notícia, anunciada nesta segunda-feira (22), da fusão entre a Kroton e a Anhanguera, dois dos maiores grupos de educação responsáveis pela mercantilização e desnacionalização do ensino superior do país, que agora se unem numa operação financeira que cria o maior conglomerado de ensino do mundo, instaurando monopólio no setor. A partir deste ano, 513 anos após a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, o dia 22 de abril entra para história do país não mais apenas como o dia do “descobrimento”, mas como símbolo real de invasão, dessa vez do capital financeiro no ensino brasileiro, usurpando não só dinheiro púbico, como também o papel estratégico da educação para o desenvolvimento do país e os direitos de estudantes e trabalhadores, substituídos pela busca de lucros.
Segundo a repercussão na imprensa nacional, a companhia resultante da fusão teria faturamento bruto de R$ 4,3 bilhões, mais de um milhão de alunos e valor de mercado próximo a R$ 12 bilhões. O número de estudantes corresponde a 20% das matrículas no Brasil, grande parte das quais à custa de dinheiro público, através de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), o qual permitiu que as instituições particulares de ensino renegociassem suas dívidas tributárias com o governo federal, convertendo até 90% do débito em bolsas de estudo, ao longo de 15 anos, e reduzindo o pagamento em espécie a 10% do total devido.
A Kroton terá cerca de 57,5% da nova empresa, enquanto os acionistas da Anhanguera ficarão com 42,5%. As ações da Anhanguera serão incorporadas pela Kroton. Os atuais acionistas da Anhanguera receberão 1,364 ação da Kroton após a aprovação da fusão, que depende de análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O presidente da empresa será Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton, que foi indiciado na semana passada no relatório da CPI do Ensino Superior da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), juntamente com o vice-presidente de Operações da empresa, Igor Xavier. A Kroton administrou entre 2008 e 2011 a Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (Suesc ), investigada na CPI.
Enquanto Galindo assume a presidência, o conselho de administração passa a ser comandado por Gabriel Mário Rodrigues, que lidera o conselho da Anhanguera. A manobra foi concretizada exatamente após intensificação da cobrança para a aprovação do projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes) – ainda em tramitação na Câmara dos Deputados – em função, justamente, da CPI da Alerj e da crise envolvendo o Grupo Galileo. Não se trata, obviamente, de mera coincidência, já que uma das atribuições do Insaes, no projeto, é a prerrogativa de conceder autorização prévia a aquisições, cisões, fusões e transferência de mantença das instituições.
Antecipando-se à criação do Insaes, a fusão entre Kroton e Anhanguera representa mais uma vez, agora em maior escala, um atentado a estudantes, professores, técnicos administrativos e à educação como um todo, principalmente levando-se em conta a prática costumeira que rege tais operações financeiras, denunciada constantemente pela Contee: a demissão de trabalhadores e a descaracterização completa dos projetos pedagógicos aprovados quando do credenciamentos dos cursos e instituições.
Em seu comunicado oficial, as empresas alegaram que “as instituições atuam de forma complementar, oferecendo alta qualidade de ensino presencial e ensino a distância”, que “ambas as companhias reforçam o compromisso com a democratização da educação por meio da liderança dos programas de inclusão educacional como o FIES e o ProUni” e que “Anhanguera e Kroton seguirão com o compromisso diário de transformar a vida de milhares de pessoas por meio da educação de qualidade”. A Contee e os trabalhadores em educação no setor privado sabem, porém, que a preocupação é uma só: lucro. O anúncio da fusão fez os papéis da companhias dispararem. Perto do meio-dia, a ação da Kroton saltava 9,17%, a R$ 27,45, enquanto o da Anhanguera disparava 8,2%, a R$ 36,95.
A Contee está avaliando juridicamente a legalidade e a constitucionalidade da operação e envidará todos os esforços para que tal absurdo educacional não se concretize, inclusive junto ao Cade. De toda forma, depois das CPIs do Ensino Superior nas Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e de São Paulo, é mais do que urgente a instauração de uma CPI no Congresso Nacional para apurar denúncias e irregularidades no setor. Além disso, mais do que nunca, é imprescindível a regulamentação da educação privada no Brasil. Essa fusão representa o auge de um crescente processo de mercantilização do ensino superior privado, sistematicamente denunciado pela Contee, com a injeção de capital estrangeiro nas instituições dominadas pelos grandes tubarões do ensino, que visam ao lucro em detrimento da qualidade do ensino. 

A educação não pode ser negociada na Bolsa de Valores.

POR QUE NENHUM MINISTRO DA CULTURA HOMENAGEOU PIXINGUINHA E O DIA NACIONAL DO CHORO?


buscado no Trezentos 

 



Por Carlos Henrique Machado Freitas

No dia 23 de abril se comemora o Dia Nacional do Choro. Trata-se de uma homenagem ao nascimento de Pixinguinha. A data foi criada oficialmente em 4 de setembro de 2000, ou seja, este ano completa 13 anos. Esse tempo atravessou a gestão de cinco ministros da cultura, Weffort, Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda e, agora, Marta Suplicy, sem que nenhum deles ao menos mencionasse, no site do MinC, o aniversário dessa linguagem que se confunde com a própria música brasileira e seu povo.

Poderia expressar qualquer coisa no tempo em que estiveram à frente da pasta da cultura, como, por exemplo, a extraordinária vida e obra do principal homenageado, Pixinguinha. Mas nada. Todos passaram frios e silenciosos pelo amor que o brasileiro tem pela obra deste grande mestre e de tantos outros grandes nomes como Villa Lobos, Nazareth, Garoto, Francisco Mignoni, Anacleto de Medeiros, Jacob do Bandolim, Baden Powel, etc. Uma linguagem de cultura universal, um tipo especial de música popular que não se encontra em qualquer outro lugar do planeta. Um palco de revoluções, de linguagens sonoras que estabelece todas as regras para o que chamamos de música brasileira em sua mais lúdica expressão de desejo.

Mas por que isso no Brasil? É um comportamento praticamente impossível de se descrever. Todos os que por lá passaram, ou têm uma relação com os padrões da arte musical brasileira ou são razoavelmente intelectualizados no campo da música para entender a produção das maravilhas que o choro, do mais clássico ao mais popular, desenvolveu por iniciativa do homem brasileiro, não pela indústria ou por escolas formais, mas pelas calçadas, pelos becos, pelos bares, pelo próprio estilo apaixonado das músicas que nascem nos terreiros nos quatro cantos do país, de forma extremamente densa e que não há nada de formal ou rígido em sua definição como gênero, como estudo ou mesmo como unidade de forma. Aonde se encontra uma linguagem tão rica e com uma latitude tão extraordinária?

O Choro é a peça mais longa de nossa civilização, é o grande disco com um repertório que não tem fim. Os chorões tradicionais são lobos solitários da cultura popular. E desde os primeiros tempos da revolução modernista nas artes brasileiras estavam eles lá inspirando os intelectuais da Semana de Arte Moderna de 22, quando na sala de espetáculos Villa Lobos fez um enorme barulho devorando antropofagicamente os sons estrangeiristas com o clássico musical inspirado no Choro Brasileiro.

Ora, a pergunta é até retórica: quando conseguiremos ganhar alguns degraus nessa estranha compulsão de negar ao máximo o que é criado pelo amplo círculo popular brasileiro? Tanta opulência, tantas auto-honrarias e tanta falta de poesia num mesmo espaço!
Nossos inspirados ministros não tiveram relação, em seus trabalhos, com a excepcional linguagem instrumental brasileira? Isso, a meu ver, é um retrocesso típico de quem na realidade se revela mais próximo do movimento globalizador seletivo do que do próprio povo brasileiro. Buscar adaptar as regras que se multiplicam como um Brasil emblemático para os estrangeiros sem ser para os brasileiros, parece mesmo uma tendência verossímel das relações internas do Ministério da Cultura. Por isso a sincrônica negação à esta criação que se apresenta verdadeiramente rica e cada vez mais viva é incompreensível. Mas, mesmo diante de uma indecisão pasmosa do Ministério da Cultura do Brasil que não consegue se deslocar do assento tradicional para expressar seu respeito a monumentos originalmente brasileiros, como é o caso de Pixinguinha e o choro, eles seguem sendo respeitados como uma das mais ricas manifestações da música universal no mundo todo.

Carlos Henrique Machado é músico, compositor e pesquisador.
www.myspace.com/carloshenriquemachado

 Por



terça-feira, 23 de abril de 2013

Eliane Brum: Pela ampliação da maioridade moral


buscado no Gilson Sampaio 

 

“Hoje 200 milhões de crianças vão dormir nas ruas das grandes cidades do mundo. Nenhuma é cubana”.

 
 

Via Epoca
 

E pelo aumento do nosso rigor ao exigir o cumprimento da lei de governantes que querem aumentar o rigor da lei (e também dos que não querem)
 

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua  -  (Foto: Lilo Clareto/Divulgação)Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda(Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua - uma repórter em busca da literatura da vida real (Globo).
Twitter: @brumelianebrum
 
 
 
(Foto: Lilo Clareto/ Divulgação)
 
 
 
Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto – maioridade moral.
Se é de crime que se trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um documento da Fundação Abrinq bastante completo, que reúne os estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos. 
Será que o assassinato de mais de 8.600 crianças e adolescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a nossa indignação?
Diante desse massacre persistente e cotidiano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maioria da população, talvez os mesmos que clamam por redução da maioridade penal, é que há muitos adolescentes assassinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a quinta e a sexta séries. E quase 90% não completou o ensino fundamental. 
Será que não há algo para pensar aí, uma relação explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbólico – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimento, a um desejo que vá além do consumo e também a formas não violentas de se relacionar com o outro – os principais espaços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e na adolescência? 
É demagogia fazer relação entre educação e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maioridade penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis – a cumprir com sua obrigação constitucional de garantir educação de qualidade?
Não encontro argumentos que me convençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a violência. E encontro muitos argumentos que me convencem de que a violência está relacionada ao que acontece com a escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças e adolescentes quando os professores são pagos com um salário indigno.   Aqueles que escolhem (e eles são cada vez menos) uma das profissões mais importantes e estratégicas para o país se tornam, de imediato, desvalorizados ensinando (ou não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violência – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação com a outra que tanto nos indigna? 
Teríamos mais esperança de mudança real se, diante de um crime bárbaro, praticado por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educados – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos. Vale a pena pensar, e com bastante atenção: a quem isso serve?  
É uma mentira dizer que os adolescentes não são responsabilizados pelos atos que cometem. O tão atacado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a responsabilização, sim. Inclusive com privação de liberdade, algo tremendo nessa faixa etária. Mas, de novo, o Estado não cumpre a lei. Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possibilidade de mudança e desenvolvimento.  
Alguém pensa em se indignar contra isso? 
Se você se alinha àqueles que querem que os adolescentes sejam encarcerados, torturados e sexualmente violados para pagar pelos seus crimes, pode se alegrar. É o que acontece na prática numa parcela significativa das instituições que deveriam dar exemplo de cumprimento da lei e oferecer as condições para que esses adolescentes mudassem o curso da sua história, como mostrou uma reportagem do Fantástico feita por Marcelo Canellas, Wálter Nunes e Luiz Quilião. Segundo a pesquisa do CNJ já citada, em 34 instituições brasileiras, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses, em 19 há registros de mortes de jovens sob a tutela do Estado, e 28% dos entrevistados disseram ter sofrido agressões físicas dos funcionários. Sem contar que, em 11 estados, as instituições operam acima da sua capacidade. 
Será que a perpetuação da violência juvenil decorre da falta de rigor da lei ou do fato de que parte das instituições de adolescentes funciona na prática como um campo de concentração? Antes de tentar mudar a lei, não seria mais racional cumpri-la?
É o que o bom senso parece apontar. Mas é previsível que, num ano pré-eleitoral e com 93% dos paulistanos a favor da redução da maioridade penal, segundo pesquisa do Datafolha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prefira enviar ao Congresso um projeto para alterar o ECA, passando o período máximo de internação dos atuais 3 anos para 8 anos em casos de crimes hediondos. Uma medida tida como enérgica e rápida, num momento em que o Estado de São Paulo sofre com o que o próprio vice-governador, Afif Domingos (PSD), definiu como “epidemia de insegurança” – situação que não tem colaborado para aumentar a popularidade do atual governo. 
Vale a pena registrar ainda que o número de crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer. Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do problema: da população total dos adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas socioeducativas como infratores. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles cometeram crimes contra o patrimônio.
É claro que, se alguém acredita que os crimes cometidos pelos adolescentes não têm nenhuma relação com as condições concretas em que vivem esses adolescentes, assim como nenhuma relação com as condições concretas em que cumprem as medidas socioeducativas, faz sentido acreditar que se trata apenas de “vocação para o mal”. Entre os muitos problemas desse raciocínio que parece afetar o senso comum está o fato de que a maioria dos adolescentes infratores é formada por pretos, pardos e pobres. (São também os que mais morrem e sofrem todo o tipo de violência no Brasil.) Essa espécie de “marca da maldade” teria então cor e estrato social? Nesse caso, em vez de melhorar a educação e as condições concretas de vida, a única medida preventiva possível para quem defende tal crença seria enjaular ao nascer – ou nem deixar nascer. Alguém se lembra de ter visto esse tipo de tese em algum momento histórico? Percebe para onde isso leva?
Há que ter muito cuidado com o que se deseja – e com o que se defende. Assim como muito cuidado em não permitir que manipulem nossa indignação e nossa aspiração por um mundo em que se possa viver sem matar ou morrer. 
Se eu estivesse no lugar dos pais de Victor Hugo Deppman, talvez, neste momento de dor impossível, eu defendesse o aumento do número de anos de internação, assim como a redução da maioridade penal. Não há como alcançar a dor de perder um filho – e de perdê-lo com tal brutalidade. Diante de um crime bárbaro, qualquer crime bárbaro e não apenas o que motivou o atual debate, os parentes da vítima podem até desejar vingança. É uma prerrogativa do indivíduo, daqueles que sofrem o martírio e estão sob impacto dele. Mas o Estado não tem essa prerrogativa.
O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado não pode ser vingativo em seus atos. Do Estado se espera que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de direitos humanos tão duramente conquistadas. E, como sociedade, nossa maturidade se mostra pelo conteúdo que damos à nossa indignação. É nas horas críticas que mostramos se estamos ou não à altura da nossa época – e de nossas melhores aspirações.
De minha parte, sempre me surpreendi não com a violência cometida por adolescentes – mas que não seja maior do que é, dado o nível de violência em que vive uma parcela da juventude brasileira, a parcela que morre bem mais do que mata. E só testemunhei a sociedade brasileira olhar de verdade – olhar para ver essa realidade – uma única vez: quando o Brasil assistiu, em horário nobre do domingo, ao documentário Falcão - Meninos do tráfico. É um bom momento para revê-lo.
Sabe por que a violência praticada por adolescentes não é maior do que é? Por causa de seus pais – e especialmente de suas mães. A maioria delas trabalha dura e honestamente, muitas como empregadas domésticas, cuidando da casa e dos filhos das outras. Contra tudo e contra todos, numa luta solitária e sem apoio, elas se viram do avesso para garantir um futuro para seus filhos. O extraordinário é que, apesar de sua enorme solidão, sem amparo e com falta de tudo, a maioria consegue. Àquelas que fracassam cabe a dor que não tem nome, a mesma dor impossível que vive a mãe de Victor Hugo Deppman: enterrar um filho.
Em 2006, espantada com uma geração de brasileiros, a maioria negros e pobres, cuja expectativa de vida era 20 anos, andei pelo país atrás dessas mulheres. Elas respiravam, mas não sei se estavam vivas. Lembro especialmente uma, a lavadeira Enilda, de Fortaleza. Quando o primeiro filho foi assassinado pela polícia, ela estava com as prestações do caixão atrasada. O pai do menino tinha ganhado um dinheiro fazendo pão e, em meio à enormidade da sua dor, eles correram para regularizar o pagamento. Quando conversei com ela, Enilda pagava as prestações do caixão do segundo filho. O garoto ainda estava vivo, mas em absoluta impotência, essa mãe tinha certeza de que o filho morreria em breve. Diante da minha perplexidade, Enilda me explicou que se precavia porque testemunhava muitas mães nas redondezas pedindo esmola para enterrar os filhos – e ela não queria essa humilhação. Enilda dizia: “Meu filho vai morrer honestamente”.
Nunca alcancei essa dor, que era não apenas de enterrar um filho, mas também de comprar caixão para filho vivo, o único ato de potência de uma mulher que perdera tudo. Enilda vivia numa situação de precariedade quase absoluta, tentando trancar nas peças apertadas da casa os filhos que restavam, num calor infernal, para que não fossem às ruas e se viciassem em crack. É claro que perdia todas as suas batalhas. A certeza de ser honesta era, para ela, toda a sanidade possível. (leia aqui).
O que podemos dizer a mulheres como Enilda? Que agora podem ficar tranquilas porque o país voltou a discutir a redução da maioridade penal e o aumento do período de internação? Que é por falta de cadeia logo cedo que seus filhos vendiam e consumiam drogas, roubavam e foram assassinados? Que, ao saber que podem ir presos aos 16 em vez dos 18 anos, seus filhos ainda vivos aceitarão as péssimas condições de vida e levarão uma existência em que não trafiquem, roubem nem sejam mortos? Que é disso que se trata? Quando o primeiro filho de Enilda foi executado, ele tinha 20 anos – e já tinha passado por instituições para adolescentes e pela prisão.
Antes de tornar-se algoz, a maioria das crianças e adolescentes que infringiram a lei foi vítima. E ninguém responde por isso.
Não há educação sem responsabilização. É por compreender isso que o ECA prevê medidas socioeducativas. Mas, quando a solução apresentada é aumentar o rigor da lei – e/ou reduzir a maioridade penal –, pretende-se dar a impressão à sociedade que os adolescentes não são responsabilizados ao cometer um crime. Essa, me parece, é a falsa questão, que só empurra o problema para a frente. A questão, de fato, é que nem o Estado, nem a sociedade, se responsabilizam o suficiente pela nova geração de brasileiros.
Educa-se também pelo exemplo. Neste caso, governantes e parlamentares poderiam demonstrar que têm maioridade moral cumprindo e fazendo cumprir a lei cujo rigor (alguns) querem aumentar. 
 
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)
 
 

domingo, 21 de abril de 2013

Dilma e o risco do desmonte do Estado

 


buscado no Carta Maior 




DEBATE ABERTO


Privatização, concessão por décadas, redução das fontes tributárias, entre outros, formam um perigoso coquetel que pode colocar em xeque as poucas conquistas ainda existentes em nosso setor público. As medidas adotadas até o momento pela Presidenta Dilma correm o sério risco de se converterem em mais uma etapa no longo processo de desmonte do Estado brasileiro. 

 


Desde o início do ano, a pauta de discussão a respeito da política econômica vem sendo dominada, em grande parte, por dois pontos. Em primeiro lugar, pelas expectativas em torno da necessidade ou não de elevação da taxa de juros oficial nas reuniões do COPOM. Em segundo lugar, pelo aparente paradoxo da paralisia dos investimentos, não obstante todo o esforço realizado pelo governo para que o setor privado caminhe na direção da retomada de novos projetos de ampliação da capacidade produtiva do Brasil.

Apesar da importância desse tipo de debate relativo a questões de natureza conjuntural, o fato é que os elementos estruturais e de longo prazo acabam sendo relegados a um segundo plano. É claro que não se pode negligenciar os prejuízos causados por eventual retomada da trajetória de alta da SELIC na reunião da semana que vem, e considero essencial que a crítica da tendência conservadora deva ser feita sem concessões. Mas é necessário, também, que se alargue o horizonte de análise para que se obtenha uma visão de conjunto das mudanças mais gerais que estão a ocorrer no modelo social e econômico de forma mais ampla.

Primeira fase do desmonte: venda das empresas estatais

 
Desse ponto de vista, o fato relevante é que as medidas adotadas até o momento pela Presidenta Dilma correm o sério risco de se converterem em mais uma etapa no longo processo de desmonte do Estado brasileiro.

Infelizmente, tudo indica que a agenda apresentada pelos representantes do capital tenha sido, em grande parte, incorporada pelo governo. A pretexto de oferecer alternativas para a retomada do crescimento do PIB e para buscar a superação da falta de musculatura da atividade econômica, as entidades empresariais acabaram por convencer setores expressivos da Esplanada a respeito da necessidade de se reduzir o papel do Estado nas atividades vinculadas à economia.

Passada a etapa da transferência pura e simples do patrimônio público, por meio da venda de empresas estatais federais ao capital privado, o processo de privatização continuou avançando com estratégias mais inteligentes, sutis e sofisticadas. Durante as décadas de supremacia do pensamento neoliberal, nossos dirigentes políticos orgulhavam-se de participar de leilões em que as empresas construídas, ao longo de décadas, com recursos públicos eram cedidas a preços irrisórios e pagas com moedas podres. Bastava uma martelada simbólica em algum leilão, geralmente realizado em salas imponentes do financismo, e a negociata estava concluída. Porém, a partir do início desse novo milênio algumas coisas mudaram. Houve alterações importantes na composição político-ideológica em vários governos de nosso continente e o mundo desenvolvido foi, logo na seqüência, tomado pela crise iniciada em 2008 nos Estados Unidos.

Ampliação do capital privado sobre o setor público

 
Face à incapacidade do antigo receituário neoliberal em oferecer respostas e soluções para a retomada do crescimento, a estratégia de desmonte do Estado sofreu algumas redefinições. Hoje em dia, por exemplo, pouca gente tem a coragem política de defender abertamente a venda de empresas como a Petrobrás, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal. A agenda de redução do espaço do Estado foi sendo dilatada no tempo e o mais importante, de acordo com a lógica do capital privado, passou a ser a defesa de sua porção conquistada e o avanço paulatino em direção a outros setores ainda sob influência da esfera pública.

Assim, houve um recuo inequívoco, se comparado a posturas mais ofensivas, como na época em que foram vendidas integralmente as empresas estatais de siderurgia, de petroquímica, de mineração, os bancos estaduais, as empresas de eletricidade e de saneamento, as empresas de transporte urbano e ferroviário, entre tantos outros processos polêmicos. Porém, permaneceu latente e sem interrupção o discurso ferrenhamente liberal, contra a presença do Estado na economia, em razão da suposta ineficiência implícita e inerente ao setor público, face à correspondente superioridade “inquestionável” do capital privado. Na verdade, a coisa é bem mais complexa, pois o empresariado tupiniquim adora bater no ente estatal, mas não perde a chance de pedir recursos no BNDES a custo zero ou outras benesses públicas de todo tipo. Liberal sim, “ma non troppo”...

Concessões de serviços públicos, saúde e educação

 
Atualmente, a grande oportunidade que se abre para o avanço privado sobre as possibilidades de acumulação no âmbito do setor público, em nosso País, é representada pelas concessões de serviços públicos. Trata-se de um enorme potencial de atividades vinculadas aos setores de infra-estrutura, com ramos econômicos que têm sua demanda assegurada – oh, flagrante contradição! - pela própria ação do Estado. Ferrovias, portos, rodovias, aeroportos, sistemas de transportes urbanos, eis aqui alguns dos principais focos de acumulação de capital que passam (ou continuam) a ser explorados pelo capital privado nacional e estrangeiro. O serviço público tem sua atividade sob supervisão da respectiva agência pública reguladora, tem suas condições e tarifas determinadas por algum ato do poder público e os contratos oferecem exclusividade de exploração comercial e econômica por prazos que variam entre 20 e 35 anos. Um verdadeiro “filet mignon” oferecido graciosamente para o capital privado, ainda mais se adicionarmos os recursos públicos a custo irrisório, oferecidos para realização dos investimentos necessários e mesmo para a manutenção do sistema concedido.

Nas áreas da educação e da saúde, a estratégia do sucateamento do setor público também avança a olhos vistos. O ensino universitário privado continuou recebendo os recursos públicos por intermédio do Prouni - ou seja, as mesmas verbas orçamentárias negadas à rede de universidades públicas federais, mas que o Estado repassa aos caixas dos conglomerados do “unibusiness”. Um verdadeiro jogo de “me engana que eu gosto”, onde o lucro de instituições que oferecem péssimo serviço de ensino universitário é assegurado pelas bolsas de estudo oferecidas a estudantes de baixa renda, que vão sair dos estabelecimentos com a ilusão de um diploma debaixo do braço. A exemplo do fenômeno ocorrido com o ensino fundamental, a criação de um sub-setor privado, apoiado politicamente pelas chamadas classes médias, pode significar a redução do espaço para o ensino universitário público e de qualidade.

Na área da saúde, a continuidade do processo de estrangulamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é garantida pela restrição das verbas orçamentárias e pela redução paulatina da capacidade do sistema em oferecer um atendimento de qualidade à maioria da população. Pouco a pouco, consolida-se a alternativa de privatização do sistema de saúde, por meio da generalização da prática das “organizações sociais” (OSs) nos municípios e nos estados. Até mesmo o governo federal oferece o péssimo exemplo, com a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), para flexibilizar as condições de operação dos hospitais universitários. O modelo das OSs cria a falsa ilusão de um jogo em que não haveria perdedores. Uma solução aparentemente mágica, onde ganham todos os atores envolvidos. As unidades da federação por se livrarem de um abacaxi para gerir. Os usuários por receberem um serviço de melhor qualidade. Os profissionais da saúde por serem mais bem remunerados e usufruírem de melhores condições de trabalho. O “pequeno detalhe” - raramente mencionado no debate - é que tudo se inicia com uma dotação de recursos orçamentários creditados na conta da instituição privada. No entanto, essa primeira “fase de ouro” das OSs tem data de validade a vencer e a pavimentação do caminho para a privatização fará com que os atuais ganhadores das licitações sejam substituídos por grupos empresarias cujo objetivo seja apenas a realização de lucros, sem nenhuma preocupação com qualidade de serviço ou possibilidade de pesquisa.

Desoneração tributária e a redução da capacidade do Estado

 
Por outro lado, o desmonte do Estado conta o apoio substantivo oferecido pela utilização generalizada da prática das desonerações tributárias. É mais do que sabido que a redução dos impostos diminui a capacidade do Estado em cumprir com suas funções básicas e de ampliar seus investimentos. Lançar mão desse tipo de instrumento fiscal é recomendado, sempre de forma temporária, em momentos bem específicos do ciclo econômico. É o caso de risco de recessão e desemprego, como o vivido a partir da crise financeira internacional, onde medidas localizadas de desoneração podem servir como estímulo à retomada da produção e do consumo. Porém, a estratégia adotada em nossas terras se assemelha a apenas mais uma, dentre as inúmeras bondades oferecidas pelo Estado ao capital privado.

O governo proporcionou a desoneração da folha de pagamentos para efeitos de recolhimento de tributos para o custeio da previdência social. A medida se amplia a novos setores a cada nova Medida Provisória editada e a postura irresponsável das autoridades monta uma verdadeira bomba de efeito retardado para o nosso sistema de previdência pública e universal. O governo isentou de parte da carga tributária a venda de um conjunto amplo de bens, como a linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, fogões, etc) e o setor automobilístico. As medidas mais recentes foram na área de energia elétrica e dos produtos da cesta básica. Porém, o fato é que apesar do benefício oferecido, os consumidores nem sempre são contemplados com a mesma redução no preço de aquisição dos bens e serviços. Em resumo, o principal beneficiário é sempre o empresário, que paga menos imposto e aumenta seu lucro.

Dessa forma, o risco que se corre é o da manutenção “ad eternum” desse tipo de redução da capacidade tributária. As medidas de isenção de impostos são periodicamente prorrogadas e o conjunto dos atores se “acostumam” a essa nova realidade. Assim como ocorreu com o fim da CPMF (fonte adicional criada para ajudar no financiamento da saúde), a tendência natural é a da diminuição das fontes de arrecadação, em especial no plano federal. O que se exige em circunstâncias como as atuais é uma ação incisiva do governo justamente para viabilizar a manutenção dos níveis tributários que se tinha no período anterior à isenção. Afinal, todos tínhamos combinado que se tratava de medidas temporárias!

Caso contrário, o conjunto das medidas acima apontadas poderá configurar a continuidade da rota do desmonte do Estado. Privatização, concessão por décadas, redução das fontes tributárias, entre outros, formam um perigoso coquetel que pode colocar em xeque as poucas conquistas ainda existentes em nosso setor público, mas que seja capaz de cumprir com as suas obrigações constitucionais e com as expectativas da maioria da população.


Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.


sábado, 20 de abril de 2013

Desnacionalização galopante


Adriano Benayon*

Empresas desnacionalizadas

01. Em artigo recente, assinalei que, no Brasil, os déficits nas transações correntes com o exterior se vêm avolumando. Somaram US$ 204,1 bilhões de 2008 a 2012 (US$ 54,2 bilhões só em 2012).

02. Em janeiro/fevereiro de 2013 houve espantosa aceleração: US$ 18 bilhões, ou seja, 83% a mais que no mesmo período de 2012.

03. Escrevi naquele artigo: “os déficits fazem acelerar ainda mais a desnacionalização e o endividamento”. E citei Carlos Lopes (HP 24.01.2013): “de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras, e as remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões”. As remessas de lucros disfarçadas em outras contas são um múltiplo disso.

04. A aquisição de empresas de capital nacional (desnacionalização em sentido estrito) é apenas uma parte dos “investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Estes incluem a criação de novas subsidiárias ou entrada de capital nas já estabelecidas. Tudo isso é desnacionalização em sentido lato, implicando controle da economia brasileira por empresas estrangeiras. Boa parte dos IEDs vem de lucros obtidos no próprio País.

05. A desnacionalização é um processo cumulativo: cresce sempre, porque leva à transferência de recursos para o exterior, a qual causa os déficits nas transações correntes, e esses têm que ser cobertos por endividamento ou IEDs.

06. Os IEDs são considerados remédio para “equilibrar” o Balanço de Pagamentos – BP, mas na realidade agravam enormemente a doença: o desequilíbrio do BP, decorrente dos próprios IEDs.

07. Incrível, mas verdade: desde agosto de 1954, a desnacionalização foi promovida por governos do País. Mas não tão incrível, porque o foi por governos militares e civis, egressos de golpes militares sob direção estrangeira, ou de eleições comandadas pela pecúnia, no quadro de instituições políticas adrede constituídas.

08. Isso se deu por meio de cooptação e de corrupção e também por efeito da dependência cultural, formada através da mídia e de universidades, reforçada pelo deslumbramento diante dos requintes da “civilização” dos países imperiais e através da difusão das realizações destes, sem cogitar que muito de tais “maravilhas” resultou do saqueio das periferias.

09. O governo militar-udenista, egresso do golpe de 1954, regido por serviços secretos estrangeiros, instituiu vantagens absurdas em favor do capital estrangeiro, inauguradas com a Instrução 113 de 17.01.1955, da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito).

10. Essa Instrução propiciou às multinacionais importar máquinas e equipamentos usados, sem cobertura cambial, registrando o valor a eles atribuído pela multinacional, como investimento estrangeiro direto, em moeda. Nada menos que 1.545 licenças para esses “investimentos” foram concedidas pela Carteira de Comércio Exterior (CACEX), entre 1955 e 1963, mantidas e ampliadas que foram as vantagens no governo de JK.

11. Desse modo, os bens de capital entraram no Brasil, mais que amortizados com as vendas em vários mercados de dimensões, cada um dos quais dezenas de vezes maior que o brasileiro.

12. Em consequência, as promissoras indústrias de capital nacional, formadas na 1ª metade do Século XX, foram sendo dizimadas, impossível que era concorrer com grandes empresas transnacionais, ainda por cima operando no Brasil com capital e tecnologia a custo zero.

13. Assim, a Volkswagen apossou-se de mais de 50% do mercado de automóveis, com o Fusca, de tecnologia desenvolvida nos anos 30, produzido para o mercado europeu, vinte anos antes de o ser no Brasil. Ora, a amortização dos equipamentos ocorre em cerca de cinco anos.

14. A implantação da Fiat, nos anos 70, com recursos do governo de Minas e incentivos federais, é um dos exemplos escandalosos do modelo de dependência tecnológica, financeira e cultural prevalecente no Brasil. A “proeza” está sendo repetida, pois mais de 70% da nova fábrica da Fiat em Pernambuco é montada com dinheiro público.

15. Desde os anos 90 com Collor e FHC - ademais da desnacionalização efetuada através de privatizações, em que a União, em vez de receber, gastou centenas de bilhões de reais para entregar estatais de grande porte - a esbórnia entreguista tornou-se ainda mais desenfreada, com mais subsídios federais, estaduais e municipais concedidos às montadoras estrangeiras, como, de resto, a transnacionais de outros setores.

Desnacionalização, um buraco na cidadania
16. Deu-se devastadora guerra fiscal para atrair investimentos estrangeiros, na qual governadores entreguistas oferecem vantagens cada vez mais desmedidas, às custas dos contribuintes e da economia brasileira.

17. O engenheiro Glauco Arbix, da USP, em estudo de 2011, apontou que isso foi "puro desperdício de dinheiro público": nos EUA os incentivos para gerar um emprego seriam de US$ 4 mil, enquanto no Brasil chegaram, em média, a US$ 174,3 mil (sem contar os subsídios e benefícios fiscais federais).

18. Arbix verificou que a fábrica da Ford em Guaíba (RS), cujo projeto foi transferido para a Bahia, sairia para Estado e município por US$ 180,3 mil por emprego dos 1.500 previstos. O Rio Grande do Sul, entretanto, concedeu incentivos de US$ 174,3 mil por emprego nos 1.300 da fábrica da General Motors em Gravataí. Na Mercedes, em Juiz de Fora (MG), Estado e município investiram US$ 152 mil por emprego.

19. Até os anos 80, o capital estrangeiro predominou no setor industrial, além do comércio exterior. Depois, estendeu-se nos serviços privados e públicos e no setor financeiro. Tornou-se dominante na mineração, tem adquirido grande parte do setor sucroalcooleiro e penetrou na agricultura, condenando seu futuro, ao introduzir as sementes transgênicas e os agrotóxicos complementares.

20. Além dos subsídios fiscais e outros, nos últimos anos, os bancos públicos elevaram seu financiamento aos concentradores e transnacionais. Empreiteiras, grupos siderúrgicos, processadores de alimentos, agronegócio e até bancos estrangeiros têm sido subsidiados pelos juros favorecidos nos empréstimos do BNDES.

21 Mauro Santayana assinala que quem está colocando o dinheiro somos nós mesmos. Diz em resumo:

A Telefónica da Espanha recebeu do BNDES mais de 4 bilhões de reais em financiamento nos últimos anos e mandou mais de 1,6 bilhão de dólares para seus acionistas espanhóis, que controlam 75% da Vivo, nos sete primeiros meses do ano passado.”
“A OI, que também recebeu dinheiro do BNDES, emprestado, e era a última esperança de termos um "player" de capital majoritariamente nacional, corre o risco de se tornar portuguesa, com a entrega de seu controle à Portugal Telecom ...

22. Evaristo Almeida (Economia & Política) aponta que, desde a privatização do sistema Telebrás, em 1998, as empresas tiveram receita de dois trilhões de reais e dizem ter investido só 390 bilhões, grande parte dos quais financiados pelo BNDES “a juros de mãe amorosa”.

23. Santayana anota:

Empresas estatais estrangeiras, como a francesa ADP (Aeroportos de Paris) ou a DNCS, que montará os submarinos comprados à França, pertencem a consórcios financiados com dinheiro público brasileiro. Esse será também emprestado às multinacionais que vierem participar das concessões de rodovias (com cinco anos de carência para começar a pagar) e de ferrovias, incluindo o trem-bala Rio-São Paulo.
A Caixa Econômica Federal, adquiriu, por sete mil reais, em julho, pequena empresa de informática e depois nela se associou minoritariamente à IBM. No mês seguinte celebrou com a IBM, sem licitação, contrato de mais de um bilhão e meio de reais...

24. O esquema das PPPs (parcerias público-privadas) faz que o poder público banque investimentos que se transformam em patrimônio privado, tanto das empresas privadas, inclusive as privatizadas, como das que estão sendo objeto de novas privatizações, rotuladas pelo nome de concessões. Quase sempre privatização implica desnacionalização.

25. Os portos são objeto da recente medida provisória (MP 595), a qual, segundo o Senador Roberto Requião, inventa novo marco regulatório inexistente em qualquer lugar do mundo e provocará enfraquecimento e quebras dos portos públicos, entregando seu controle a armadores transnacionais.

26. Além disso, o Estado terá de arcar com a infra-estrutura de transportes até os portos, de acordo com as exigências destes, e as obras portuárias serão realizadas por empresas privadas contratadas mediante licitação. O Estado esbanja capital para privatizar, embora digam que a ele falta capital e por isso precisaria privatizar.

27. Ao mesmo tempo, o Estado incrementa as renúncias fiscais, mas só em favor de concentradores e transnacionais, jamais de contribuintes comuns. Dilma prorrogou, até o fim do ano, a isenção de IPI para automóveis e caminhões.

28. Já liberou 67 setores da contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento, substituída pelo recolhimento de 1% a 2% do faturamento. O setor automotivo e o da linha branca já se beneficiavam disso, e a presidente incluiu na lista (MP 612): serviços aeroportuários; transporte aéreo de passageiros; transporte metroviário; engenharia e arquitetura; construtoras de obras de infraestrutura; transportes marítimos e rodoviários de cargas.

29. Governadores e prefeitos entreguistas, com aval do governo federal, têm projetos de privatizar a água e o saneamento. As grandes transnacionais do setor prometem investir, mas, em geral, só o fazem na água, pois o investimento é menor e os lucros maiores. Esse bem estratégico passa a ser explorado em função dos lucros e sem cuidado com preservação e qualidade.

30. Até mesmo o petróleo - que, em todo país soberano, tem de estar sob controle nacional está sendo entregue às companhias estrangeiras. Desde a campanha do “petróleo é nosso” e a criação da Petrobrás, em 1953, o monopólio estatal ficou intocado, enquanto a Nação manteve algum resquício de independência, até ter ele sido derrogado, de fato, por FHC, com a Lei 9.478, de 1997.

31. Como alertam os engenheiros Paulo Metri e Ricardo Maranhão, o Brasil sofrerá perda colossal no leilão que a Agência Nacional do Petróleo marcou para 14/15.05.2013. Poderão ser arrematadas áreas totalizando de 20 a 30 bilhões de barris, ou seja, de 1,8 a 2,7 trilhões dólares aos preços atuais.


32. Os royalties determinados pela legislação são de 10% do valor da produção, e as transnacionais ficam donas do petróleo, podendo exportá-lo sem qualquer limitação, como atender prioritariamente as necessidades internas ou restringir a exploração por razões de estratégia política ou econômica.

33. Os royalties são baixíssimos, e o Brasil se coloca, assim, em situação rebaixada não só em relação aos países soberanos - cujas companhias exploram o petróleo - mas até em relação a pequenos países, protetorados das potências hegemônicas desprovidos de tecnologia de exploração, os quais obtêm royalties muito acima daquele percentual.

34. A grande mídia, sempre a serviço da oligarquia imperial, faz intensa campanha sobre fracassos e dificuldades da Petrobrás, visando evitar que ela, como em leilões passados, arremate o grosso das áreas. A Petrobrás descobriu as jazidas, verdadeiro bilhete premiado para as transnacionais, propiciado pela Agência Nacional de Petróleo, constituída, desde sua fundação, para favorecê-las. Não estão ainda em pauta áreas do pré-sal, para as quais vige a lei 12.351/2010, que tampouco preserva os interesses do País.

35. Fomentada que é a ignorância quanto a tudo que seja de grande interesse nacional, o que suscitou intensa polêmica política foi o repasse dos royalties para Estados e municípios, uma bagatela diante do que o Brasil está perdendo.

36. Tão estúpida, ou desonesta, é a atitude de governadores e parlamentares, que nem falam em revogar a Lei Kandir, o que lhes proporcionaria  mais que o dobro das receitas dos royalties, em disputa das quais se engalfinham.  Essa lei isenta as exportações do ICMS.