terça-feira, 6 de novembro de 2012

Plano épico do FMI para eliminar dívida e destronar banqueiros

buscado no Gilson Sampaio 

 

Via Resistir.info


Ambrose Evans-Pritchard [*]
 
Há uma varinha mágica, afinal de contas. Um documento revolucionário editado pelo Fundo Monetário Internacional afirma que seria possível eliminar a dívida pública líquida dos EUA de uma penada e, em consequência, fazer o mesmo à da Grã-Bretanha, Alemanha, Itália ou Japão. O documento do FMI diz que o truque é substituir o nosso sistema de moeda criada pela banca privada.
Poder-se-ia cortar dívida privada em 100% do PIB, promover crescimento, estabilizar preços e destronar banqueiros, tudo ao mesmo tempo. Isto poderia ser feito de modo limpo e indolor, por ordem legislativa, muito mais rapidamente do que se poderia imaginar.
O truque é substituir nosso sistema de moda criada pela banca privada – aproximadamente 97% da oferta monetária – por moeda criada pelo estado. Retornarmos à norma histórica, antes de Carlos II ter colocado o controle da oferta monetária em mãos privadas com o English Free Coinage Act de 1666.
Especificamente, isto significa um assalto à "reserva fraccionária da banca". Se os prestamistas forem forçados a providenciar 100% de reservas para dar respaldo a depósitos, eles perdem o privilégio exorbitante de criar moeda a partir do nada.
O país recupera controle soberano sobre a oferta monetária. Não há mais corridas bancárias e menos crescimento e queda nos ciclos de crédito. A prestidigitação contabilística fará o resto. Este pelo menos é o argumento.
Alguns leitores já podem ter visto o estudo do FMI, de Jaromir Benes e Michael Kumhof, o qual saiu em Agosto e a seguir começou a se tornar um culto por todo o mundo.
Intitulado "The Chicago Plan Revisited", ele ressuscita o primeilro esquema avançado pelos professores Henry Simons e Irving Fisher em 1936 durante a época de fermento de pensamento criativo na última Depressão.
Irving Fisher pensava que ciclos de crédito levam a uma não saudável concentração de riqueza. Ele viu-a com os seus próprios no princípio da década de 1930 quando credores arrestavam agricultores empobrecidos, tomando a sua terra ou comprando-a por uma ninharia no fundo do ciclo.
Os agricultores acabaram por encontrar um meio de se defenderem. Eles impuseram à força, em conjunto, "leilões a um dólar", comprando de volta as propriedades uns dos outros por quase nada. Qualquer aventureiro intrometido que tentasse um lance mais alto era sovado até partir os ossos.
Benes e Kumhof argumentam que o trauma do ciclo do crédito – provocado pela criação privada de moeda – tem raízes profundas na história e repousa nos jubileus de dívida nas antigas religiões da Mesopotâmia e do Médio Oriente.
Os ciclos de colheitas levaram a incumprimentos sistémicos milhares de anos atrás, com confisco do colateral e concentração de riqueza nas mãos de prestamistas. Estes episódios não foram causados apenas pela meteorologia, como se pensa há muito. Eles foram amplificados pelos efeitos do crédito.
O líder ateniense Sólon implementou o primeiro Plano Chicago/New Deal conhecido em 599 AC para aliviar agricultores enganchados junto a oligarcas que desfrutavam o privilégio da cunhagem. Ele cancelou dívidas, restituiu terras tomadas pelos credores, estabeleceu preços mínimos para commodities (tal como Franklin Roosevelt) e conscientemente inundou a oferta monetária com cunhagem "livre de dívida" emitida pelo estado.
Os romanos enviaram uma delegação para estudar as reformas de Sólon 150 depois e copiaram as ideias, estabelecendo o seu próprio sistema de moeda fiduciária sob a Lex Aternia em 454 AC.
É um mito – inocentemente propagado pelo grande Adam Smith – que a moeda se tenha desenvolvido como um meio de troca baseado na mercadoria ou ligado ao ouro. O ouro foi sempre valioso, mas isso é outra história. Os amantes do metal frequentemente fundem as duas questões.
Estudos antropológicos mostram que divisas fiduciárias sociais começaram com a aurora dos tempos. Os espartanos proibiram moedas de ouro, substituindo-as com discos de ferro de pouco valor intrínseco. Os antigos romanos utilizaram pastilhas de bronze. O seu valor era totalmente determinado por lei – uma doutrina que Aristóteles fez explícita na sua Ética – como o dólar, o euro ou a linha esterlina de hoje.
Alguns argumentam que Roma começou a perder o seu espírito de solidariedade quando permitiu a uma oligarquia desenvolver uma cunhagem privada com base na prata durante as Guerras Púnicas. A moeda deslizou para fora do controle do Senado. Poder-se-ia considerar isto como o sistema bancário sombra de Roma. A evidência sugere que o mesmo tornou-se uma máquina para a acumulação de riqueza da elite.
A soberania incontestada ou o controle papel sobre divisas persistiram através da Idade Média até que a Inglaterra rompeu o padrão em 1666. Benes e Kumhof dizem que isto foi o começo da era dos ciclos de ascensão e queda.
Alguém pode igualmente dizer que isto abriu o caminho para a revolução agrícola da Inglaterra no princípio do século XVIII, a revolução industrial posteriormente e o maior salto económico e tecnológico alguma vez já visto. Mas deixemo-nos de palavreado.
Os autores originais do Plano de Chicago estavam a responder à Grande Depressão. Eles acreditavam que era possível impedir o caos social provocado por oscilações violentas de ascensão e queda e fazer isso sem comprometer o dinamismo económico.
O efeito colateral benigno das suas propostas seria uma comutação da dívida nacional para o excedente nacional, como que por magia. "Porque sob o Plano Chicago os bancos têm de tomar reservas emprestadas do tesouro para escorar plenamente os passivos, o governo adquire um trunfo muito grande em relação aos bancos. A nossa análise descobre que o governo fica um fardo de dívida líquida muito mais baixo, de facto negativo".
O documento do FMI afirma que o total de passivos do sistema financeiro dos EUA – incluindo a banca sombra – é de 200% do PIB. A nova regra de reservas criaria uma bonança. Esta seria utilizada por uma "potencialmente muito grande recompra de dívida privada", talvez de 100% do PIB.
Enquanto Washington emitisse muito mais moeda fiduciária, esta não seria resgatável. Seria uma acção (equity) da comunidade, não uma dívida.
A chave do Plano Chicago era separar as "funções monetárias e do crédito" do sistema bancário. "A quantidade de moeda e a quantidade de crédito tornar-se-iam completamente independente uma da outra".
Prestamistas privados já não poderiam mais criar novos depósitos "ex nihilo". O novo crédito bancário teria de ser financiado pelos ganhos retidos.
"O controle do crescimento do crédito tornar-se-ia muito mais directo porque os bancos já não poderiam mais, como fazem hoje, gerar o seu próprio financiamento, depósitos, no acto de emprestar, um privilégio extraordinário que não é desfrutado por qualquer outro tipo de negócio", afirma o documento do FMI.
"Ao invés disso, os bancos tornar-se-ia aquilo que muitos acreditam que sejam hoje, puros intermediários que dependem da obtenção de financiamento de fora antes de poderem emprestar".
A Reserva Federal dos EUA ganharia controle real sobre a oferta monetária pela primeira vez, tornando mais fácil administrar a inflação. Foi precisamente por esta razão que Milton Friedman apelou a 100% de reservas de suporte em 1967. Mesmo o grande adepto do mercado livre implicitamente favoreceu a imposição de restrições sobre o dinheiro privado.
A mudança engendraria um impulso de 10% do produto económico. "Nenhum destes benefícios vem à expensas de redução do núcleo de funções úteis de um sistema financeiro privado".
Simons e Fishcer estavam em voo cego na década de 1930. Faltavam-lhes os modernos instrumentos necessários para processar os números, de modo que a equipe do FMI fez isso para eles – utilizando o modelo estocástico "DSGE" agora de rigor na alta teorização económica, amado e odiado em igual medida.
A descoberta é estupenda. Simons e Fischer são modestos nas suas afirmações. Talvez seja possível confrontar a direcção da plutocracia da banca sem por a economia em perigo.
Benes e Kumhof fazem grandes afirmações. Eles deixaram-me desconcertado, para ser honesto. Os leitores que quiserem os pormenores técnicos podem fazer o seu próprio juízo estudando o texto aqui .
A dupla do FMI tem apoiantes. O professor Richard Werner da Southampton University – que cunhou a expressão quantitative easing (QE) na década de 1990 – testemunhou perante a Vickers Commission da Grã-Bretanha que uma comutação para dinheiro estatal provocaria grandes ganhos em bem-estar. Ele foi apoiado pelo grupo de campanha Positive Money e pela New Economics Foundation.
A teoria também tem críticos fortes. Tim Congdon do International Monetary Research diz que em certo sentido os bancos já estão a ser forçados a aumentar reservas pelas regras da UE, regras Basileia III e variantes folheadas a ouro no Reino Unido. O efeito tem sido sufocar o empréstimo ao sector privado.
Ele argumenta que esta é a principal razão porque a economia mundial permanece encravada próximo da recessão e porque os bancos centrais estão a ter de amortecer o choque com a QE.
"Se você aprovar este plano, ele devastaria lucros da banca e provocaria um desastre deflacionário maciço. Teria de haver QE ao quadrado para compensar isso", disse ele.
O resultado seria uma enorme mudança no balanço dos bancos do empréstimo privado para títulos do governo. Isto aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, mas aquilo foi o custo anómalo de derrotar o fascismo.
Fazer isto numa base permanente em tempo de paz seria mudar a natureza do capitalismo ocidental. "O povo não poderia obter dinheiro dos bancos. Haveria enorme dano à eficiência da economia", disse ele.
Poder-se-ia argumentar que asfixiaria a liberdade e entronizaria um estado Leviatã. Pode ser ainda mais irritante no longo prazo do que o domínio pelos banqueiros.
Pessoalmente, estou longe de chegar a uma conclusão neste debate extraordinário. Vamos deixá-lo correr e torcer para que o combate nos revele os argumentos.
Uma coisa é certa. A City de Londres terá grande dificuldade em ganhar a vida se qualquer variante do Plano Chicago chegar a ter apoio amplo. 

[*] Jornalista. 

O original encontra-se em www.telegraph.co.uk/



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