quarta-feira, 31 de outubro de 2012

As mais belas pintura com temas médicos

buscado no Blog da Santa ( censurado )





Lição de anatomia do Dr. van der Meer Quadro de van Mierevelt, 1617. Museu de Delft

Clínica Agnew. Thomas Eakin, 1889 Universidade da Pensylvania, Philadelphia

Billroth operando no Allgemeines Krankenhaus em Viena A. Seligman, 1890. Osterreichische Galerie, Viena

Clínica Gross. Thomas Eakins, 1875 Jefferson Medical College, Philadelphia

Primeira operação com anestesia pelo éter - 16.10.1846 Robert C. Hincley, 1893 - Boston Medical Library

Péan avant l'opération. Henri Gervex, 1887 Hôpital Saint Louis, Paris, France
 

Consulta médica de uma gestante Jan Steen, século XVII. Galeria Nacional, Praga

Criança enferma. Gabriel Mitsu, 1660 Rijksmuseum, Amsterdam

Ciência e caridade. Pablo Picasso, 1897 Museu Picasso, Barcelona

 
"O que se denomina 'quadro clínico' não é apenas a fotografia de um homem doente no leito; é uma pintura impressionista do paciente circundado por sua família, seu trabalho, suas relações, suas alegrias, seus pesares, suas esperanças e seus medos"
(Francis Weld Peabody)

Fontes iconográficas: 1. CARMICHAEL AG, RATZAN RM-Medicine, a treasury of art and literature. Harvaky Publishing Service, New York, 1991. 2. RUTKOV IM - American surgery, an illustrated history. Lippincott-Raven. Philadelphia, 1998 3. LAIN ENTRALGO P. - Historia de la medicina. Salvat Editores, Barcelona, 1982. 4. LYONS AS, PETRUCELLI RJ - Medicina, an illustrated history. Harry N. Abrams Inc. Publishers, New York, 1987 5. BEZERRA AJC, ARAUJO JP - Medicando com arte. Cons. Reg. Med. Distrito Federal, 2006 6. PORTER, R. - Cambridge illustrated history. Medicine. Cambridge University Press, 2004

Joffre M. de Rezende http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende

Filme "O MÉDICO"

Buscado no Entre Mentes



Curta-metragementre Mentes baseado em uma crônica do livro "O Médico", de Rubem Alves. Nesse texto/filme o seu autor, inspirado no quadro "The Doctor", do pintor Luke Fields, reflete sobre a missão do médico.
O filme é patrocinado pelo Conselho Federal de Medicina - CFM - sem restrição de cópia e liberado para ampla divulgação.

Filme "O MÉDICO" - Autor: Rubem Alves - CFM (Conselho Federal de Medicina)

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=gRfx0OknUKk

Eu amei esse quadro a primeira vez que eu o vi...
Amei a ideia de um homem solitário que luta contra a morte.
Nós amamos o médico não pelo seu saber, não pelo seu poder...
Mas pela certeza que nós temos de que ele estará conosco no nosso desamparo.” (Rubem Alves) 


O MÉDICO À PROCURA DO SER HUMANO

buscado no MEMÓRIAS

 

Rubem Alves
CRÔNICA - O médico à procura do ser humano
 
                                                                                               Por   Rubem Alves*

Antigamente a simples presença do médico irradiava vida. Antigamente os médicos eram também feiticeiros. “Mestre, diga uma única palavra, e minha filha será curada...”. A vida circulava nas relações de afeto que ligavam o médico àqueles que o cercavam. Naquele tempo os médicos sabiam dessas coisas. Hoje não sabem mais.

Aquele médico ao lado da menina: não se parece ele com um cavaleiro solitário que vai sozinho lutar contra a morte? Naquele tempo os médicos sabiam qual era seu destino. Havia muito sofrimento, sim.

Havia muito medo, sim. Medo e sofrimento são parte da substância da vida. Mas nunca soube de um médico que ficasse estressado. Não são as batalhas que produzem o estresse. As batalhas, ao contrário, dão coesão, pureza, integração ao corpo e à alma. O cavaleiro solitário é um herói com o corpo coberto de cicatrizes mas de alma inteira. Os estressados são aqueles que, sem ter uma batalha a travar, são puxados em todas as direções por uma legião de demônios.

A imagem do cavaleiro solitário que luta contra a morte é uma imagem romântica. Bela. Comovente. Quem não desejaria ser um? Criticam o romantismo. Fernando Pessoa comenta: mas não é verdade que a alma é incuravelmente romântica? O médico de antigamente era um herói romântico, vestido de branco. As jovens donzelas e as mulheres casadas suspiravam ao vê-lo passar. Ainda bem que a consulta permitia o gozo puro do toque da sua mão...

O cavaleiro solitário que luta contra a morte é um santo. Quem, jamais, ousaria pensar qualquer coisa de mau contra o médico? Hoje são comuns os processos contra os médicos por imperícia. Ser médico transformou-se num risco. Porque ninguém mais acredita na sua santidade. Talvez porque eles tenham deixado mesmo de ser santos... Mas, naquele tempo, as pessoas julgavam que o médico era um santo, e porque as pessoas pensavam assim, eles eram santos.

Eu me apaixonei pela imagem. Queria ser feiticeiro. Queria ser o cavaleiro solitário que luta contra a morte. Queria ser o santo. E esse ideal, para mim, não era uma abstração. Ele tinha um nome: Albert Schweitzer – um dos homens mais geniais do século XX. Organista, escritor, teólogo, fez um trato com Deus: até os 30 anos, faria essas coisas que lhe davam prazer cultural. Depois, iria se dedicar inteiramente aos sofredores. Entrou para a escola de medicina aos 30 e, depois de médico, passou o resto da vida num lugar perdido das selvas africanas, construiu um hospital de madeira e sapé onde distribuía alívio da dor. Claro, nunca ficou rico. Nem teve estresse. Sua bela imagem o fazia feliz. Ganhou o prêmio Nobel da Paz.

Não fui médico. Mas segui pela vida encantado por aquele quadro. O encanto foi quebrado quando fui fazer meu doutoramento nos Estados Unidos. Um dia fui ouvir uma palestra do diretor do hospital da cidade de Princeton, NJ, onde eu estudava. Ele começou sua preleção com esta afirmação que estilhaçou o quadro: “O hospital de Princeton é uma empresa que vende serviços”. “Meu Deus”, eu pensei. “Aquele médico não existe mais”.

E percebi que, agora, os médicos se encontram lado a lado com os prestadores de serviço, os encanadores, os eletricistas, os vendedores de seguro, os agentes funerários, os motoristas de táxi. É só procurar na lista de classificados. A presença mágica já não existe. O médico é um profissional como os outros. Perdeu sua aura sagrada. E me veio, então, uma definição do médico compatível com a definição que o diretor dera para o hospital de Princeton: “um médico é uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços”.

Essa imagem, em absoluta conformidade com as condições sociais e econômicas do mundo moderno, não fez nada comigo. Não me comoveu. Não desejei ser igual. O mito de Narciso, eu acho, é o mito mais profundo. Todos nós, como Narciso, estamos em busca da nossa bela imagem. Mas para ver a nossa bela imagem temos necessidade de espelhos. Espelhos são os outros. É no rosto dos outros que vemos a nossa própria imagem refletida. Nos tempos antigos todas as pessoas eram espelhos para o médico. Todos o conheciam. Todos olhavam para ele com admiração. Hoje, morto o médico do quadro, o médico é agora procurado não por ser amado e conhecido, mas por constar no catálogo do convênio.

Seus espelhos não são mais os clientes, parentes, todo mundo. São os seus pares: colegas de empresa, sócios de consultório, congressos. Perigosas, essas relações entre pares. O primeiro assassinato registrado foi de um irmão que matou o irmão. A relação do médico antigo com seus espelhos era uma relação de gratidão e admiração. A relação do médico de hoje com seus espelhos é uma relação de inveja e competição. Acho que os médicos, hoje, são infelizes por causa disto: eles resolveram ser médicos por desejar ser belos como o cavaleiro solitário, puros como o santo, e admirados como o feiticeiro. Era isso que estava dentro deles, ao tomarem a decisão de estudar medicina. E é isso que continua a viver na sua alma, como saudade...

É. A vida lhes pregou uma peça. E hoje a imagem que eles vêem, refletida no espelho, é a de uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços... Os médicos sofrem por saudade de uma imagem que não existe mais.

* Alves é psicanalista e escritor, autor de várias obras publicadas pela Editora Papirus. Esta crônica faz parte do livro “O médico”, 2002.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A corrida estrangeira pela terra brasileira

A compra de terras por empresas estrangeiras está aumentando em “países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos”, informa Maíra Martins, pesquisadora da ActionAid Brasil à IHU On-Line. Segundo ela, os dados do relatório “Situação da Terra”, realizado pela ONG, indicam que, diante da crise econômica internacional, “a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo”. 
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Maíra esclarece que a aquisição das terras aumentou após a crise econômica de 2007 e 2008. “No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores voltaram-se para o mercado de terras. A chamada ‘corrida por terras’ se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumas commodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação”.
 
E acrescenta: “Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano”.
 
O processo de estrangeirização das terras brasileiras ocorre desde os anos 1970, mas a partir de 2008, “também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global”, informa.
 
De acordo com a pesquisadora da ActionAid, o continente Africano é o principal alvo de interesse das empresas. “Em 2010, o Banco Mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas”.
 
Maíra Martins é assessora de pesquisa e políticas da ActionAid Brasil, socióloga e mestre em Ciências Sociais com foco em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.
 
Confira a entrevista.
 
IHU On-Line – Quais são os dados mais preocupantes do relatório “Situação da Terra” em relação à compra de terras tradicionais por empresas estrangeiras e a crise alimentar?

Maíra Martins – O relatório trata do problema das aquisições de terra em larga escala em países em desenvolvimento. Dividido em duas partes, na primeira apresenta os impactos da corrida por terras para as comunidades rurais e, em especial, para as mulheres. Na segunda parte analisa a situação de 24 países no que concerne a sua situação fundiária e sua capacidade (política, legal e jurídica) para proteger os direitos territoriais das populações e comunidades, cujo meio de vida depende da terra e dos recursos naturais.
 
Chama atenção para o fato de que grande parte dos investimentos em compras de terras tem se dado em países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos. 
 
Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis. No caso das mulheres a situação é mais grave: embora tenham papel crucial na agricultura e reprodução dos modos de vida, possuem apenas 2% de toda a terra globalmente.
 
Assim, no contexto de crise dos preços dos alimentos e fome no mundo, a mensagem central do relatório é de que a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo.
 
IHU On-Line – Desde quando está em curso a estrangeirização de terras no Brasil e nos demais países da África e da Ásia?

Maíra Martins – Após a crise dos preços dos alimentos em 2007-2008, identifica-se o aumento expressivo da aquisição de terras em larga escala. No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores se voltaram para o mercado de terras.
 
A chamada “corrida por terras” se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumas commodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação. Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano.
 
No caso do Brasil, o processo de estrangeirização das terras não é necessariamente novo: a cooperação nipo-brasileira para o desenvolvimento da agricultura nos Cerrados, na década de 1970, é considerada um importante marco desse processo por pesquisadores. Contudo, tem sido verificado que, a partir de 2008, também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global.
 
IHU On-Line – Entre os países da América Latina, África e Ásia, é possível apontar em qual dos continentes há maior disputa pelos territórios e onde as empresas estrangeiras mais compram terras? Quais os interesses das empresas nesses países?

Maíra Martins – O continente africano tem sido o principal alvo dos interesses das empresas em aquisições e terras. Em 2010, o Banco mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas.
 
As empresas, por outro lado, buscam boas oportunidades de investimento, nesse sentido, encontram facilidades para compra de terras ou contratos de arrendamento, incentivos fiscais, preços de terra mais baratos, bem como populações fragilizadas por não possuírem garantias legais.
 
IHU On-Line – Que empresas participam desse comércio de terras? Quais as implicações dessas negociações?

Maíra Martins – Diversos setores participam das negociações por terras, desde fundos de investimento e especuladores – cujo interesse é a valorização da terra, como empresas nacionais e multinacionais de produção de etanol, eucalipto, milho, soja – até setores da mineração e outras indústrias extrativas.
 
IHU On-Line – O que muda em relação à produção agrícola uma vez que as empresas estrangeiras são donas dos territórios?

Maíra Martins – Territórios que antes eram habitados ou produzidos por uma comunidade, bem como seus recursos naturais (água, solo, fauna, etc.), são monopolizados nas mãos de poucos, geralmente convertidos em regiões de monocultivos para exportação, com alto uso de agrotóxicos, intenso consumo dos recursos hídricos e poluição do ar ou do subsolo. Dependendo do setor, emprega-se pouca mão de obra, não contribuindo muito para o desenvolvimento local.
 
IHU On-Line – Qual o posicionamento dos governos desses países em relação à compra de terras nacionais?

Maíra Martins – Para muitos governos a entrada de investimentos estrangeiros no país é tida como oportunidade de geração de renda e emprego para as comunidades, além de ser uma oportunidade de transferência de tecnologia. Sabemos que não é esse processo que tem sido noticiado e denunciado por muitas organizações ao redor do mundo. Nesse sentido, há discussões em âmbito internacional e em muitos países sobre maneiras de fortalecer os mecanismos de governança sobre a terra e regular os investimentos das empresas, cobrando mais responsabilidades dos investidores estrangeiros.
 
Mais de cem países do Comitê Global de Segurança Alimentar endossaram as diretrizes globais voluntárias sobre a gestão responsável da posse da terra e os direitos de acesso à terra, à pesca e aos recursos florestais. No entanto, por serem voluntárias, é necessário que os países adaptem aos seus contextos nacionais e incorporem os princípios e recomendações em formato de legislação.
 
IHU On-Line – Qual a situação específica do Brasil? É possível estimar que percentual do território brasileiro já pertencente a empresas estrangeiras?

Maíra Martins – O Brasil possui uma estrutura fundiária extremamente concentrada, resultado de nosso processo histórico, da maneira como a terra tornou-se propriedade privada e também reserva de valor. Como demonstra os dados do último censo agropecuário, as pequenas propriedades rurais, com menos de dez hectares, ocupam apenas 2,7% da área total dos estabelecimentos rurais, algo torno de 7,8 milhões de hectares, um terço do que, por exemplo, é hoje ocupado somente com a soja.
 
Ao mesmo tempo em que assistimos a expansão das fronteiras agrícolas para as monoculturas de exportação, com forte investimento estrangeiro, os processos de reforma agrária, de demarcação de territórios indígenas e quilombolas estão quase parados.
 
Há também fragilidades nos cadastros dos imóveis, revelando o fraco controle do estado sobre a governança da propriedade da terra no Brasil. Isso afeta uma identificação precisa das aquisições de terras por estrangeiros. Dos 850 milhões de hectares em terras no Brasil, apenas a metade está cadastrada como imóvel rural no sistema nacional de cadastro rural do Incra.
 
Desse modo, é difícil definir percentuais sobre o território. Segundo estudos do Nead, baseado nas fontes do Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR do Incra, em 2008 existiam 34.632 registros de imóveis em mãos de estrangeiros, equivalente a uma área total de 4 milhões de hectares, parte significativa desses imóveis classificados como grandes propriedades rurais. 
 
IHU On-Line – O comércio de terras em larga escala tem estimulado o aumento do preço dos alimentos e a produção dos biocombustíveis. Quais as razões dessas consequências?

Maíra Martins – O interesse por terra para atender à demanda por commodities agrícolas ou para especulação tem provocado o aumento do preço da terra e a substituição de cultivos essenciais para segurança alimentar por produtos voltados para exportação. Esse processo reforça a tendência para concentração fundiária e monopólio, contribui para o encarecimento dos preços dos alimentos devido ao aumento dos custos de produção (preço da terra, distância e transporte etc.) e redução de oferta de alimentos.
 
IHU On-Line – Como esse comércio tem prejudicado as comunidades tradicionais e pequenos agricultores em todo o mundo? Quais os riscos de acirrar ainda mais a crise alimentar?
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Maíra Martins – A pressão sobre as terras tem provocado o deslocamento de muitas comunidades – às vezes por processos violentos e conflituosos – inviabilizando seus modos de vida e formas de reprodução de sua cultura. Por não terem a propriedade ou posse da terra, as populações rurais mais pobres são facilmente deslocadas e expropriadas e, para aqueles que possuem a titulação, a pressão inflacionária do preço da terra e a chegada de investimento ao redor inviabilizam a permanência em suas terras, levando-os à venda ou arrendamento. Por exemplo, podemos imaginar uma família de pequenos agricultores que estão cercados por fazendas de cana de açúcar, com intenso uso de agrotóxicos, ocorrências de queimadas, e assoreamento dos rios, frequentemente assediadas para vender ou arrendar suas terras.

Muitos são os riscos para a crise alimentar. Esse processo recente de aquisições de terras vai na contramão do que se considera necessário para garantir a produção de alimentos, reduzir os impactos das crises dos preços e inflação. Essa busca por terras contribui para agravar a concentração de terra, renda e investimentos em alguns setores, sobretudo na distribuição, pressionando os preços e contribuindo para inflação. 

Como dito acima, os agricultores familiares são aqueles que produzem grande parte dos alimentos consumidos no mundo. É preciso políticas que fortaleçam pequenos agricultores, comunidades tradicionais, dando-lhes acesso à terra e meios de produzir alimentos e reproduzir seus modos de vida com dignidade.
 
 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Contestado na Literatura e na Historiografia

buscado no História da Guerra do Contestado


O Contestado na Literatura e na Historiografia



Academia Catarinense de Letras
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina
Evento: “O Contestado na Literatura e na Historiografia”
Florianópolis: 18/08, 25/08, 01/09, 08/09 de 2005

Mesa-redonda de 25 de agosto de 2005
Tema: Historiografia da Guerra do Contestado:




HISTORIOGRAFIA DA GUERRA DO CONTESTADO

Nilson Thomé,
da Universidade do Contestado – UnC, Campus de Caçador


Introdução

Convidados que fomos pelos organizadores deste evento para abordar a “Historiografia da Guerra do Contestado”, aqui, enfocaremos especificamente esta temática, não adentrando em questões de “constructos” de História, envolvendo conceitos, fontes, teorias, técnicas ou métodos. Também não nos referiremos ao contexto maior da mais ampla “História do Contestado” (regional), assim, limitando-se ao episódio do conflito social, localizado no espaço (Meio-Oeste catarinense) e no tempo (1913-1916), sem esquecer os principais fatos antecedentes e subseqüentes.

Neste sentido, de ante-mão, esclarecemos que esta temática já foi anteriormente por nós estudada, vindo a compor um capítulo de um livro que publicamos em 2004 e que, agora, complementamos com mais e novas informações, atualizando os segmentos.

Conceituação de Historiografia

A Historiografia é a História da História, ou seja, uma denominação própria que as demais ciências humanas não têm e que, por não ter, usam, por exemplo, História da Educação, História da Filosofia, História da Matemática, etc. Isso aplica-se também à Literatura, onde temos a História da Literatura e não uma “literaturagrafia”...

Precisamos ficar sempre atentos à polissemia dos termos: História, Conhecimento Histórico e Historiografia, que se confundem aos menos avisados. Não devemos confundir Estudos históricos e estudos historiográficos. Historiografia, propriamente dita, prende-se à arte de escrever História. É estudo histórico e crítico acerca da História ou dos Historiadores. As tendências da Historiografia refletem as limitações e inquietações da própria História contemporânea.

O conhecimento histórico não produz o objeto, mas dá-lhe uma certa representação dentro de regras, métodos e leis teóricas assumidas pelo historiador, que é o agente produtor do conhecimento, dentro da própria realidade. O conhecimento é o registro inteligente que o historiador procura fazer para compreender aquela realidade. A Historiografia é justamente o conhecimento crítico dessa representação e do processo que a determinou.

A Historiografia reflete a História. Segundo Lapa, “não pode haver uma Historiografia rica se o conhecimento histórico – do processo de memorização à elaboração científica – é pobre”. A Historiografia é a análise crítica do conhecimento histórico e historiográfico. Ao seu domínio pertence o processo de recriação, interpretação, representação e resultados do processo de produção do conhecimento histórico.

Para Lapa, a historiografia não deve ser mera enumeração de autores e obras, numa desambiciosa descrição do que se escreveu em História. Antes, ela “deve captar em profundidade o conteúdo das obras, da palavra, das idéias e da própria ação dos historiadores ao longo de sua vida, com todas as suas implicações, procurando interpretar o seu significado”. O Autor defende a idéia de que a historiografia precisa ser crítica, tendo assim, uma dimensão epistemológica. Historiografia pode ser a Filosofia do Conhecimento Histórico, a Crítica do Conhecimento Histórico ou a Epistemologia do Conhecimento Histórico. É estudo das obras em que se substancia esse conhecimento histórico.

Conceituação de Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro .

O evento, que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou “guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”; para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos, foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de desestabilização das oligarquias; para administradores públicos, aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma “campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”. Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do Contestado foi tudo isso simultaneamente.

A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato. Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia, pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos, pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas um destes fatores .

Historiografia da Guerra do Contestado

A maior parte da bibliografia básica existente e disponível no Brasil sobre o tema Contestado não é constituída por trabalhos científicos em História, ou seja, produzida por historiadores profissionais, aqui entendidos como os diplomados bacharéis e especialistas no ramo dentro das academias, mas, sim, por múltiplos escritos de teólogos, médicos, sociólogos, políticos, folcloristas, advogados, jornalistas, religiosos, filósofos, militares, poetas, psicólogos, engenheiros e romancistas, cada um na sua especialidade, que, com ou sem formação acadêmica ou experiência em métodos científicos, excursionaram pelos caminhos das histórias para elaborar narrativas históricas, a maioria até com relativo êxito. Graças a estes, muitas importantes informações foram salvas. Então, temos no Brasil, valiosos estudos sobre a temática do Contestado, com visões de cientistas-historiadores, de cientistas sociais especialistas nas suas respectivas áreas e, de leigos em História e em qualquer outra ciência .

Poucas pessoas da nossa região têm-se dedicado a “trabalhar” esta rica temática de forma permanente. Na área científica, as publicações ainda são escassas e, na maioria, são produções de pós-graduandos de universidades de outras partes do País. Assim, distantes da nossa realidade, pesquisam apenas uma vez e sob um só enfoque, dando conta das exigências acadêmicas para obterem seus títulos de mestres ou de doutores e, depois, esquecem o assunto. O pior disso é que suas obras, em uma ou duas vias, encadernadas, na maioria das vezes não editadas em livros, destinam-se às estantes das bibliotecas universitárias de origem e, ali permanecem, estáticas, apenas para consultas, unicamente servindo de fontes para outros pesquisadores.

Desde 1974 quando decidimos construir uma História para o Contestado e, dentro dela, uma História para a Guerra do Contestado, não estávamos sozinhos. Nossos estudos não eram e não são os únicos existentes. Há inúmeros trabalhos de outros autores, parte deles em disponibilidade, que usamos, tanto como fontes para nossas pesquisas, como material para manuseio pelos alunos na Universidade, ou para atender pessoas que demonstram querer conhecer o assunto. Assim, sempre que abordamos “Contestado”, indicamos a bibliografia complementar, referente a cada tema específico, aquela de mais fácil acesso, para que, livremente, cada um disponha das informações que deseja, se pretender aprofundar-se mais nos estudos históricos.

Preferimos mencionar “bibliografia” e não “historiografia”. Aqui, apresentamos um levantamento da biblio+grafia do Contestado, que é área mais ampla do que a história+grafia, por enfocar livros que contemplam o tema não apenas pelo lado da História.

Nas publicações de Maria Izaura Pereira de Queiroz (1957), de Maurício Vinhas de Queiroz (1966) e de Duglas Teixeira Monteiro (1974), estão as primeiras tentativas de apresentação das referências bibliográficas (impressas) disponíveis no mercado brasileiro sobre a Guerra do Contestado, até a época da realização destas pesquisas. A nossa primeira grande experiência em elaborar uma ampla listagem das obras publicadas no Brasil sobre a Guerra do Contestado constou na relação bibliográfica que preparamos em 1977, para o Projeto de Pesquisa “Contribuição do Estudo da Campanha do Contestado”, através da FEARPE e do Museu do Contestado.

A segunda relação de relativo porte, por nós apresentada, constou na “Bibliografia” do livro/álbum “Contestado”, publicado pela Editora Index e Fundação Roberto Marinho, do Rio de Janeiro, e pela Fundação Catarinense de Cultura, de Florianópolis, elaborado entre 1985 e 1986, mas impresso em 1987. Nossa terceira listagem surgiu em 1986, junto ao ensaio “A Insurreição Xucra do Contestado - com sugestões bibliográficas para o estudo da Campanha da Contestado”, separata da produção de sua autoria que foi inserido no livro/álbum Contestado, da Ed. Index, só que, com o texto significativamente ampliado.

Finalmente, em 1992, surgiram as “Indicações Bibliográficas”, sugeridas no livro “Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado”, de nossa autoria, do Instituto Histórico e Cultural da Região do Contestado – INCON. Esta listagem foi adotada, ainda em 1992, nos ementário da disciplina “História do Contestado”, incluída nas grades curriculares de todos os cursos de nível superior da UnC.

O escritor catarinense, Enéas Athanázio, publicou sua lista, em “O Contestado: um roteiro para leituras”, no site da Internet “Santa Catarina. História, Gente e Literatura”, da União Brasileira de Escritores, Regional de Santa Catarina, em 2002. A par das obras e autores, teceu comentários sobre cada uma delas.
Disponível: [www: //planeta.terra.com.br/arte/prosapoesiaecia/ubesc2002/schistoriagentelit.html].

Em 2002, tomamos a liberdade de inserir na “Revista Virtual Contestado e Educação”, edição nº 1, publicação na Internet do Programa de Mestrado em Educação da UnC, o artigo “Fontes para a Nova História do Contestado. Levantamento Preliminar da Bibliografia da Guerra do Contestado”.

Uma lista bibliográfica resumida também consta na página “História: Bibliografia sobre a Guerra do Contestado”, no site do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria da Educação do Estado do Paraná, disponível em [http://www.pr.gov.br/def/historia/bibliog.html].

Bibliografia da Guerra do Contestado


Nas nossas menções, citamos, por exemplo, as obras escritas e publicadas por militares-de-carreira que participaram da Guerra do Contestado, como: o documento A Pacificação do Contestado: Relatório ao Clube Militar (1916), do General Setembrino de Carvalho; as anotações de Antonio Alves Cerqueira em A Jornada de Taquarussú (1919); o escrito de Ezequiel Antunes, em O Contestado entre Paraná e Santa Catharina (1918); as narrativas Campanha do Contestado (1916), de Demerval Peixoto, e A Campanha do Contestado (1917), de Herculano Teixeira d’Assumpção; os livros Apontamentos para a História: O Contestado (1920) e Guerra em Sertões Brasileiros (1931) e, artigos na Revista de Engenharia Militar, de José Octaviano Pinto Soares; e Contestado (1987), de Alcebíades Miranda, todos oficiais do Exército Brasileiro, sem o mínimo conhecimento ou domínio sobre a ciência da História, mas, com trabalhos que servem como fontes importantes, principalmente para a compreensão do pensamento militar.

Fazendo justiça e reverenciando todos aqueles que produziram livros – de História ou não e cada um a seu modo – sobre a temática do “Contestado”, sendo assim considerados também "construtores" da História do Contestado, inclusive os cronistas militares, antes citados, destacamos também Aujor Ávila da Luz, que produziu Os Fanáticos - Crimes e Aberrações da Religiosidade dos Nossos Caboclos (1952), obra reeditada em 2001, e Oswaldo Rodrigues Cabral (João Maria - Interpretação da Campanha do Contestado (1960), obra reeditada sob o nome A Campanha do Contestado (1979), ambos que eram médicos. Já Beneval de Oliveira, que escreveu Planaltos de Frio e Lama - Os Fanáticos do Contestado - O Meio, o Homem, a Guerra (1985) e Marli Auras, em Guerra do Contestado: a Organização da Irmandade Cabocla (1984), têm formação em Filosofia. O sociólogo Octacílio Schüler Sobrinho publicou Taipas. Origem do Homem do Contestado. O Caboclo (2000). A antropóloga Neusa Maria Sens Bloemer publicou Brava Gente Brasileira - Migrantes italianos e caboclos nos campos de Lages (2000), fruto de tese de doutorado em Antropologia. Gualdino Busato editou em Curitibanos o livro Contestado, da Questão de Limites à Guerra Santa (2001) e Átila José Borges publicou Pelados x Peludos: a Guerra do Contestado, em Curitiba (2004).

Temos Maria Isaura Pereira de Queiroz, autora de vários títulos sobre messianismo e um sobre o Contestado, como La "Guerre Sainte” ao Brésil: Le Mouvement Messianique du "Contestado" (1957), mais Mauricio Vinhas de Queiroz, autor de Messianismo e Conflito Social - A Guerra Sertaneja do Contestado (1966) e Duglas Teixeira Monteiro, autor de Os Errantes do Novo Século (1974) e de Um Confronto entre Canudos, Juazeiro e Contestado (1978), como cientistas sociais, que produziram teses de doutoramento transformadas em obras sob o rigor científico, mas sob a ótica da Sociologia. São sacerdotes da Igreja Católica: Thomás Pieters, que produziu muitos textos avulsos em jornais e revistas sobre o Contestado, entre 1977 e 1990, mais Frei Pedro Sinzig, que foi biógrafo de Frei Rogério Neuhaus (1934), Geraldo José Pauwels, que escreveu Contribuição para o Estudo do Fanatismo no Sertão Sulbrasileiro (1933), Benno Brod S.J., autor de Os Messianismo no Brasil (1974) e Frei Aurélio Stulzer, de A Guerra dos Fanáticos 1912-1916 - A Contribuição dos Franciscanos (1982).

Na Literatura, com fundamentos na História, dispomos dos livros de não-historiadores, mas excelentes romancistas, como: Geração do Deserto (1964), de Guido Wilmar Sassi; Eles não Acreditavam na Morte (1978), de Fredericindo Marés de Souza; Império Caboclo (1994), de Donaldo Schüler; Casa Verde - Guerra do Contestado (1981), de Noel Nascimento; O Jagunço - Um episódio da Guerra do Contestado (1978), de Fernando Osvaldo de Oliveira; O Dragão Vermelho do Contestado (1998) e Chica Pelega. Tragédia Histórica (2000), ambos de A. Sanford de Vasconcellos; Glória até o fim - Espionagem Militar na Guerra do Contestado (1998), de Telmo Fortes; Os Rebeldes Brotam da Terra (1995), de Alcides Ribeiro J. da Silva; O Bruxo do Contestado (1996), de Godofredo de Oliveira Neto e Chica-Pelega do Taquaruçu (2000) de Cirila de Menezes Pradi. Obras interessantes, são: Pequena História dos Fanáticos do Contestado (1955), de Brasil Gerson; O Último Jagunço (1995), de Euclides J. Felipe; Lendas Caboclas do Contestado (1989); Demônios do Planalto (1995), de Aracyldo Marques; Odisséia no Contestado (1988), de Evaldo Trierweiler; e História do Monge João Maria (1985), com lendas atribuídas ao monge, de Augusto Waldrigues. Destacamos, ainda: O Canto do Inhambu, de Rudney Otto Pfützenreuter (1991) e Barabas, de Adolfo Boss Júnior (2005).

Na poesia, encontramos Stella Leonardos, em Romanceiro do Contestado (1996); Wellesley Nascimento, que produziu o poema Cântico dos Cânticos do Contestado (1994), o livro Contestado - A Saga dos Bravos (2001) e, ainda, Brasílica Dardânia. Tróia Brasileira (2005); Travessias pelo Sertão do Contestado, de Heloisa Pereira Hübbe de Miranda; Contestado. Pelados versus Peludos. Uma batalha ainda não vencida (2002), poema de Davi J. F. do Vale Amado; Caraguatá - Poemas (1996), de Raquel Naveira; e Romeu de Andrade Lourenção Júnior, com A Cruzada Sertaneja (2004).


Como depoimento pessoal, há A História dos Fanáticos em Santa Catarina (1986), fonte primária, de Alfredo de Oliveira Lemos, e Dídio Augusto (1994), memórias do autor. Há a Voz de Caboclo (2002), com vários depoimentos de remanescentes, sobreviventes da Guerra do Contestado e de descendentes de Taquaruçu, de Pedro Aleixo Felisbino e Eliano Filisbino. Vida heróica. Frederico Grobe. O Homem que viveu o Contestado (2002), de Ermelina Castro, editado por José Romário Grobe. De Curitibanos, temos a interpretação radical sobre o conflito, em Guerra do Contestado: Verdade Histórica (1995), de Walter Tenório Cavalcanti.

Como trabalhos jornalísticos em livros, encontramos os livros: Guerra Camponesa no Contestado (1979), da coleção Passado & Presente, da Global Editora, de Jean Claude Bernardet; Os Rebeldes do Contestado (1987), Desmoronamento do Mundo Jagunço (1986) e Guerra no Contestado (2000), todos de Paulo Ramos Derengoski; e O Contestado - Sangue no Verde do Sertão (1997), de Ângela Bastos. Há, ainda, O Espírito Catarinense do Homem do Contestado (2001), folhetim de Rosa Maria Tesser. Muito importantes e valiosas são as obras Cronografia do Contestado. Apontamentos históricos da Região do Contestado e do Sul do Paraná (2002) e Dicionário de Regionalismos do Sertão do Contestado (2004), ambos do jornalista e professor Fernando Tokarski, de Canoinhas. Recomendamos a leitura da história-em-quadrinhos A Saga do Contestado – Livro I, de Eleutério Nicolau da Conceição (2003).

O tema "Questão de Limites entre Paraná e Santa Catarina", envolvendo a Guerra do Contestado, tem inúmeros escritos de políticos, advogados, jornalistas e historiadores, na grande maioria publicados em livros, no Rio de Janeiro, em Curitiba e em Florianópolis. Além de em livros, o tema "Contestado" consta em muitas reportagens, inseridas em jornais e revistas, principalmente de 1970 para cá. Referindo-se a esta questão, mas, vistas no conjunto do conflito do Contestado, destacamos as obras do jornalista Crispim Mira, como: Confraternização Republicana (1918), A Mediação do Presidente da República – Santa Catarina-Paraná (1915) e Terra Catharinense (1920). Sobre a questão, temos, também: Questão de Limites Paraná-Santa Catharina. Actos e Factos (1916), de Alencar Guimarães; Paraná e Santa Catharina. O voto do Ministro Pedro Lessa (1910), de Ermelino de Leão; Exposição Historico-Juridica por parte do Estado de Santa Catharina sobre a questão de limites com o Estado do Paraná (1899) e Acção Ordinaria Originaria nº 6. Autor: o Estado de Santa Catharina. Réo: o Estado do Paraná. Questão de Limites (1900), ambos de Manoel da Silva Mafra;. Argumentos e Subsidios sobre a Questão de Limites entre o Paraná e Santa Catharina (1902) e O Litigio em face do accordam de 6 de julho de 1904 (1904), ambos de Romário Martins; Questão de Limites entre o Paraná e Santa Catharina (1887), de Jacques Ourique; Questão de Limites entre os Estados do Paraná e Santa Catharina. Memoria por parte do Estado do Paraná. Expositiva dos Documentos e Mappas colligidos e classificados em 1905 pelo Conselheiro Carlos Augusto de Carvalho (1906) de Manoel Coelho Rodrigues; A União do Paraná e Santa Catarina. O Estado do Iguassú (1917), de Sylvio Roméro; Algumas considerações político-jurídicas sobre o Contestado (1988), de Aluízio Blasi, foi publicado como separata da Revista Jurisprudência Catarinense, n. 58; Um Cambalacho Político. A verdade sobre o “acordo” de Limites Paraná-Santa Catarina (1987), de Licurgo Costa. Encontramos, ainda, diversos autores de Caçador, e muitos artigos publicados mais recentemente na imprensa estadual por Dante Martorano, Fernando Luiz Tokarski e Eneas Athanazio.

A Guerra do Contestado está inserida, como capítulos, em muitos livros que tratam da história estadual, como em: História de Santa Catarina (1968 e 1970), de Oswaldo Rodrigues Cabral; Santa Catarina: Sua História (1983), de Walter F. Piazza; Retratos de Santa Catarina (1998), de Salomão A. Ribas Júnior; Santa Catarina - História da Gente (1988) de Walter F. Piazza e Laura Machado Hübener; Santa Catarina: 100 Anos de História (1997), de Celestino Sachet e Sérgio Sachet; Catarinensismos (1974), de Theobaldo Costa Jamundá; República e Oligarquias (1997), de Jali Meirinho; Nova História de Santa Catarina (1974), de Silvio Coelho dos Santos; Santa Catarina no Século XX (1999), ensaios de Sílvio Coelho dos Santos, Alcides Abreu, Carlos Humberto Corrêa, Hoyêdo Nunes Lins e Paulo Fernando Lago.

Sínteses da Guerra do Contestado em História Social, produzidas por historiadores com diplomas em História são encontradas em: Os Guerrilheiros do Contestado (1989), da coleção Lutas do Nosso Povo, da Editora do Brasil, de Renato Mocellin; Contestado: A Guerra do Novo Mundo (1983), da coleção Tudo é História, da Brasiliense, de Antonio Pedro Tota; Da Cidade Santa à Corte Celeste - Memórias de Sertanejos e a Guerra do Contestado (1998), fruto da dissertação de Delmir José Valentini; Ecos do Contestado. Rebeldia Sertaneja (2002), produto de dissertação de Mestrado em História Social, de Eloy Tonon; A Guerra do Contestado (1999), de Élio Serpa; Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas, de Paulo Pinheiro Machado (2004); e O Contestado; o sonho do milênio igualitário, de Ivone Cecília d'Ávila Gallo (1991).

Dentro das obras editadas no Paraná, há O Contestado Diante das Carabinas (1920), de Cleto da Silva. Na Estante Paranista, temos: Contestado: Distorções e Controvérsias (1987), de Mario Marcondes de Albuquerque; e O Presidente Carlos Cavalcanti e a Revolta do Contestado (1987), de Fredericindo Marés de Souza. Ainda de Curitiba, a publicação Combate do Irani (1998), de João Alves da Rosa Filho e Campanha do Contestado (1998), do mesmo João Alves da Rosa Filho, da Polícia Militar do Paraná. Já Marilene Weinhardt, produziu Mesmos crimes, outros discursos? algumas narrativas sobre o Contestado (2000), analisando as características de ficcionistas que escreveram sobre o assunto. Há, também, O Contestado (1995), de Eduardo José Afonso. O tema está, também, como capítulo, na História do Paraná (1976), de Ruy Christovam Wachowicz.

Existem inúmeros ensaios, de diferentes autores, publicados nas revistas oficiais do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (de Florianópolis), do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (de Curitiba) e nas revistas científicas Roteiro (da Unoesc-Joaçaba), Cadernos do CEOM (Unoesc-Chapecó), Revista do CPD (da antiga FEARPE, de Caçador), Cadernos de Cultura (1984) da Fundação Catarinense de Cultura, Ágora e Iniciação Científica (UnC) e na Revista Blumenau em Cadernos. O tema foi enfocado com relativo destaque, no passado, pela revista O Cruzeiro e, mais recentemente, por revistas populares, como a Isto É, a Super Interessante, a Nossa História (Paulo Pinheiro Machado, na ed. n. 10, agosto 2004) e a História Viva (Nilson Thomé, na ed. n. 12, outubro 2004).

Em História Local e História Regional, encontramos a Guerra do Contestado focalizada em muitas obras, dentre as quais citamos: O Continente das Lagens (1982), de Licurgo Costa; Concórdia: O Rastro de sua História (1992), de Antenor Geraldo Zanetti Ferreira; Campos Novos - Um pouco de sua História (1994), de Paulo Blasi; Apontamentos Históricos de União da Vitória (1933), de Cleto da Silva; Curitibanos na História do Contestado (1977), de Zélia de Andrade Lemos; Videira nos Caminhos de sua História (1996), de Alzira Scapin; Fraiburgo - Do Machado ao Computador (1994), de Thomas J. Burke; Capinzal - Fronteiras Sócio-Econômicas (1994), de Holga Brancher; Italianos e Ítalo-Brasileiros na Colonização do Oeste Catarinense (1997), de José Carlos Radin; A Questão de Palmas entre Brasil e Argentina e o Início da Colonização do Baixo Vale do Rio do Peixe (1996), de Adelar Heinsfeld; O Oeste Catarinense - Memória de um Pioneiro (1987), de José Waldomiro Silva; Monografia de Porto União, por Hermínio Millis (2002), organizado por José Fagundes e Joaquim Osório Ribas; Marcelino Ramos. A guerra e o pós-guerra do Contestado (2002), de Wilmar Wilfrid Rübenich; História de Rio Negro. Estado do Paraná (1976), de Raul d’Almeida; e História de Herval d’Oeste (2003) de Cylo Sérgio Dariva.

Importantíssimo para projetar a Guerra do Contestado no cenário nacional foi a edição do álbum O Contestado, pelo Governo do Estado de Santa Catarina e Fundação Roberto Marinho em 1987 (reeditado em 1998 pelo Senado Federal e, em 1999 e em 2000, pela Imprensa Oficial de Santa Catarina), ricamente ilustrado, apresentado por Américo Jacobina Lacombe, com os textos: A Questão do Contestado, de Herculano Gomes Mathias; Contestado - Uma Reflexão, de Walter F. Piazza; e A Insurreição Xucra do Contestado, de Nilson Thomé.

No ano 2000, destacou-se a mega-produção O Contestado, de Celestino Sachet e Sérgio Sachet, que contou com a consultoria histórica de Nilson Thomé, para o grupo RBS/TV (Rede Brasil Sul de Televisão, afiliada da Rede Globo), Diário Catarinense, de Florianópolis, e Jornal de Santa Catarina, de Blumenau, iniciada em março de 2000 e concluída em fevereiro de 2001, resultando em 180 capítulos sobre o tema, apresentados em mini-programas de televisão, dezenas de textos que foram distribuídos em 98 páginas de 12 suplementos mensais do jornal, com circulação estadual, depois republicados em um único suplemento. O trabalho resultou na edição de livro de Celestino Sachet e Sérgio Sachet, que levou o nome O Contestado (2001).

Nas universidades brasileiras, já existem algumas novas monografias, dissertações e teses sobre aspectos do Contestado, ao mesmo tempo em que cresce a cada ano o número de graduandos, especialistas, mestrandos e doutorandos que estão pesquisando o tema. Por exemplo: Educação: dominação e liberdade na guerra santa do Contestado (2002), produto da dissertação de Mestrado em Educação, de Maria da Salete Sachweh, de Canoinhas, também já editada em livro. Em 1998, na UFRGS, Márcia Janet Espig dissertou sobre A Presença da Gesta Carolíngia no Movimento do Contestado. Duas outras dissertações enfocam o Contestado: Terras Públicas e Particulares: o impacto do capital estrangeiro sobre a institucionalização da propriedade privada (1983) de Rosângela Cavalazzi da Silva, na UFSC, e, de Walmir da Silva Pereira, A Ferrovia São Paulo-Rio Grande e os Índios Xokleng em Santa Catarina (1995), também na UFSC. Em 1999, como monografia de especialização em Jornalismo na UEPG, Karina Janz Woitowicz apresentou História, Mídia & Memória - A Construção da Guerra do Contestado na Imprensa e no Imaginário Contemporâneo. No ano 2000, encontramos a dissertação Duas Instituições e um Projeto: Igreja, Escola e Nacionalização no Vale do Rio do Peixe em Santa Catarina - 1917-1945, desenvolvido pela caçadorense Ecleides de Fátima Bleichuvel no Programa de Mestrado em História da PUC-RS.

Sabemos estar em andamento a realização de mais algumas pesquisas de cunho científico sobre o tema “Contestado”, nos programas de Pós-Graduação, de Mestrado e Doutorado, em universidades brasileiras, as quais, muito certamente, trarão à luz novas valiosas informações a respeito da Guerra do Contestado. Recentemente, em Florianópolis e em Curitiba, foram publicadas outras obras sobre o “Contestado”, em Literatura e em História, não constantes nesta relação. Deixamos de apresentá-las aqui, por não conhecê-las em tempo hábil que possibilitasse sua inclusão.

Dentre nossas próprias publicações até 1992, além da produção de dezenas de ensaios para revistas e artigos para jornais, destacamos os livros: Trem de Ferro - História da Ferrovia no Contestado (1980 e 1983), Civilizações Primitivas do Contestado (1981), Guerra Civil em Caçador (1984 e 1985), A Aviação Militar no Contestado (1986), A Insurreição Xucra do Contestado (1987) e Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado (1992) e, mais dez livretes (todos em 1984): Origens e Etnias dos Desbravadores do Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador na Campanha do Contestado, Frei Rogério Neuhaus - O Apóstolo do Contestado, A Revolução Federalista na Região do Contestado, Caboclo Pardo: O Homem do Contestado, Cultura e Tradições do Homem do Contestado, Formação Antropológica do Homem do Oeste Catarinense, O Espírito Guerreiro do Caboclo do Contestado, e Canoinhas na Mira dos Mosquetões. Além destas obras, também publicamos outros livros, voltados mais especificamente à História de Caçador, como: Isto é Caçador - Estudo Histórico e Geográfico do Município (1978) e Família Correa de Mello - Raízes Históricas de Caçador (1982 e 1983).

Paralelamente às nossas atividades na imprensa e no magistério, a partir de 1992, continuamos dedicando-nos à pesquisa, atividade que rendeu mais livros, alguns enfocando Caçador, outros o Contestado e, ainda, outros ligando Caçador e o Contestado, como: História da Imigração Italiana em Caçador (1993), Rio Branco e o Contestado - Questão de Limites Brasil-Argentina (1993), Colégio Aurora - Uma Visão Histórica (1993), Caçador - No Coração do Contestado (1994), O Velho Caçador (1994), Ciclo da Madeira - História da Devastação da Floresta da Araucária e do Desenvolvimento da Indústria da Madeira em Caçador na Região do Contestado no Século XX (1995), São João Maria na História do Contestado (1997), História da Educação Superior em Caçador, em três volumes: Raízes (1998), Afirmação (1998) e Consolidação (1998) e Os Iluminados - Personagens e Manifestações Místicas e Messiânicas do Contestado (1999).

Além destes títulos, disponibilizados ao público, no decorrer da nossa jornada na década de 1990, concluímos outros trabalhos, ainda não publicados, ao mesmo tempo em que iniciamos novas pesquisas. Em fevereiro de 2001, por exemplo, concluímos a pesquisa iniciada em 1999, A Política no Contestado - Contribuição ao Estudo da Formação Política da Região do Contestado em Santa Catarina - da Proclamação da República à Redemocratização de 1946. Esta pesquisa resultou na imediata produção de dois novos livros: Primeira História da Educação Escolar na Região do Contestado - Da instrução das primeiras letras no tempo do Império à conquista do ensino superior nos anos dourados (2002) e A Política no Contestado - Do Curral da Fazenda ao Pátio da Fábrica. Do Coronelismo ao Neocoronelismo - 1881-1970 (2002).

Em 2002, elaboramos o ensaio A (Falta de) Educação Escolar na Região do Contestado, inserido como capítulo do livro “Temas de Pesquisas em Educação” (2003) e, em seguida, produzimos o livro Pioneirismo da Imigração Alemã em Santa Catarina, na Região do Contestado. Revisão da História do Pioneirismo da Imigração Alemã em Santa Catarina pelo Resgate da Memória da Colonização Alemã na Região do Contestado (2004). Também publicamos Uma nova História para o Contestado (2004) e Breve História da Guerra do Contestado (2005).

Depois de quase trinta anos – três décadas! – de pesquisas e publicações, foi em 1999, que constatamos três realidades:

- A primeira, que dezenas de problemas históricos continuavam sem solução, ou seja, que diversos fatos a respeito do Contestado precisavam ser melhor elucidados e, assim, chamavam ao aprofundamento dos estudos sobre eles.

- A segunda, que o conhecimento por nós acumulado era superior ao conhecimento que tínhamos divulgado, ou seja, constatamos que ainda dispúnhamos de uma bagagem guardada, com conteúdos históricos sobre o Contestado, infinitamente superiores em número, gênero, grau e valor, ao que já havíamos divulgado ao longo do tempo.

- A terceira, que continuavam proliferando novos escritos sobre o Contestado, com outros desavisados autores estereotipando erros e inverdades históricas a respeito de determinados fatos, muitos deles que nós já havíamos reavaliado, mas que ainda não estavam publicados, por falta de oportunidade.

Estas três constatações induziram-nos à teimosa manutenção do Projeto Resgate da Memória do Contestado – com ou sem o desejável apoio externo – pela condução dos trabalhos em duas frentes, simultâneas e paralelas. Uma, mais imediata, marcando o início da construção da Nova História do Contestado, através de pequenas publicações, enfocando variados aspectos do Contestado, com o aproveitamento, ainda que parcial, da nossa bagagem acumulada, para disseminar o conhecimento a curto prazo. Outra, mais paciente, pelo aprofundamento de estudos sobre determinados e relevantes temas, eleitos como problemas que exigiam mais tempo e dedicação à pesquisa, assim provocando nosso retorno às fontes primárias, tanto às conhecidas como à busca de outras.

Para suprir, ainda que em parte, a carência de disponibilidade bibliográfica sobre o tema Contestado, entre 1999 e 2002 permitimo-nos elaborar uma multiplicidade de novos textos, dentro de uma coleção que intitulamos "Memória do Contestado". Este conjunto, reunindo 50 ensaios, com diferentes temas e enfoques, destinados à ampliação do conhecimento, à disseminação de novas informações, à provocação de reflexões e à promoção de debates sobre nossa História Regional, veio para atender a missão do nosso Projeto "Resgate da Memória do Contestado". Observando detalhes do passado da região, em nossas pesquisas encontramos acontecimentos suficientes para modificar muitas das versões antes propagadas, novidades que precisam ser apresentadas para que o “novo” seja exposto ao domínio público.

Idealizada para promover a divulgação dos nossos trabalhos científicos, que alicerçam a Nova História do Contestado, a coleção contempla micro-histórias, sínteses históricas e esboços históricos, produzidos em série, compondo partes, que proporcionam uma seqüência lógica na linha de tempo histórico. Se incorporarmos o tempo da nossa vida dedicado aos estudos e às publicações anteriores sobre o tema Contestado, podemos afirmar que a Nova História do Contestado levou trinta anos para ser esboçada, agora apresentando-se em três momentos: 1/3 tratando de temas que têm referências aos principais problemas que geraram acontecimentos considerados causas do conflito; 1/3 abordando especificamente os eventos da Guerra do Contestado; e os restantes 1/3, enfocando fenômenos resultantes de alguns aspectos da continuidade da História, assim chegando ao tempo presente.

A Coleção "Memória do Contestado" também traz de volta alguns textos deste autor, já conhecidos por terem sido inseridos em publicações anteriores, na maioria com suas edições esgotadas, mas, agora, não reproduzidos de forma simplesmente repetitiva, e, sim, aproveitados em partes, corrigidos, desta vez utilizados para novas análises e narrativas, sob outros pontos-de-vista. Qual pessoa não lembra suas realizações no passado e que, se pudesse voltar no tempo, corrigiria alguma coisa, porque esqueceu algo, perdeu algum elemento ou errou em certos procedimentos? Foi o que aproveitamos para fazer a partir de julho de 1999, ao levarmos a efeito o conjunto de pesquisas específicas que resultou, simultaneamente, na revisão dos textos antigos e na produção das dezenas dos novos conteúdos inseridos nesta coleção. Renovar-se constantemente faz parte do nosso raciocínio lógico propulsor colocado a serviço da História, como esta vontade ou desejo do homem de voltar atrás, para rever ou refazer, quando necessário. Aqui, está uma modalidade diferente de se construir História, dinâmica e renovada.

Todo o conteúdo dos nossos escritos reflete única e exclusivamente a visão histórica deste pesquisador sobre o passado e o presente da Região do Contestado. Despidos de quaisquer comprometimentos, sentindo-nos inteiramente à vontade, permitimo-nos ser críticos e assumimos a responsabilidade sobre a exposição da nossa versão, até por que os projetos têm sido idealizados e planejados apenas por nós, desenvolvidos e produzidos sem interferências de quem quer que seja.

José Honório Rodrigues escreveu que a História precisa olhar a floresta e não apenas as árvores, oferecendo uma interpretação generalizadora que ajude os vivos a compreender as raízes do presente. E Thompson diz que “...tive de começar pelo começo e reconstruir a administração da floresta em 1723. (...) Assim, mais uma vez, foi preciso reconstruir o contexto episcopal antes de se poder ver os Negros dentro dele” (p. 16). Este olhar para o todo da floresta e não apenas para as partes que a compõem, expressão tanto de Rodrigues como de Thompson, vem de encontro ao pensamento marxista, que indica a compreensão do singular a partir da apreensão do universal. Busca-se a totalidade e se enfoca a universalidade do tema, disposto no campo maior, para alcançar a particularidade e analisar sua singularidade no campo restrito.

Uma História deve ser total, da sociedade total, sob pena de não ser compreendida e se limitar a uma simples enumeração de fatos, números ou leis. A História, para ser total, deve não apenas enunciar fatos e acontecimentos, mas buscar as relações entre eles, desde as transformações econômicas às manifestações literárias, jurídicas ou mesmo artísticas. A História de um povo constitui um todo indivisível, sob pena de se transformar em mera divagação artística ou literária, sem nenhuma contribuição ao futuro desse povo (BASBAUM, 1957, p. 7).


Referências Bibliográficas

BASBASUM, Leôncio. História Sincera da República. Das Origens até 1889 (Tentativa de Interpretação Marxista). Rio: São José, 1957.

CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metedologia. Rio:Campus, 1997.

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Trad. Cid Knipel Moreira. 5 reimpressão. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

LAPA, José Roberto do Amaral. Historiografia Brasileira Contemporânea; a história em questão. Petrópolis: Vozes, 1981.

RODRIGUES, José Honório. História e Historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1965.

THOMÉ, Nilson. A Valorização dos Caçadores diante dos Senhores. Tributo a Teoria e Método de Edward Thompson. In: “Revista Série-Estudos”, ISSN 1414-5138, do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, de Campo Grande (MS). n. 18, julho-dezembro de 2004.

THOMÉ, Nilson. A História do Contestado pelo viés do Cultural.. In: Anais do II Seminário Regional de História – História, Cultura e Diversidades, realizado na cidade de Palmas (PR), de 15 a 17 de setembro de 2004, promoção do Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná – UNICS, de Palmas. ISSN 1679-3544. Palmas: UNICS, v. 1, n. 2, 2004, p. 114-128.

THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e Caçadores. A Origem da Lei Negra. Trad. Denise Bottmann. 2 ed. Col. Oficinas da História. Rio: Paz e Terra, 1997. 


Guerra do Contestado. Os reflexos cem anos depois. Entrevista especial com Paulo Pinheiro Machado

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Em Santa Catarina, a atual luta pela terra une estes dois grupos: os participantes dos assentamentos e acampamentos da reforma agrária (descendentes de caboclos, remanescentes do movimento do Contestado), e os colonos de origem europeia, que perderam suas terras nas últimas décadas para bancos, comércio e agroindústria”, aponta o historiador.

Confira a entrevista. 


O conflito social entre fazendeiros e posseiros, ocorrido no planalto catarinense e paraense há um século, conhecido como a  Guerra do Contestado, reflete ainda hoje no cotidiano das populações remanescentes dos redutos do Contestado. De acordo com o historiador Paulo Pinheiro Machado, que pesquisa a história da região, os caboclos descendentes de pequenos lavradores e posseiros “vivem em situação de extrema pobreza. “Os núcleos e municípios onde vivem apresentam os Índices de Desenvolvimento Humano  IDH (que mensura educação, saúde e condições de vida, trabalho e moradia) mais baixos de Santa Catarina”, informa em entrevista concedida à IHU On-Linepor e-mail.



Os caboclos ocupam as “periferias das grandes e médias cidades do Estado”, e muitos dos que trabalham no campo “são peões ou agregados de grandes fazendeiros, e raros são proprietários de lotes formalizados de terra”, diz o historiador. Na entrevista a seguir, Machado detalha o que foi a Guerra do Contestado e comenta o processo de europeização dos estados de Santa Catarina e Paraná. “Boa parte da região onde viviam  os sertanejos antes da guerra foi, ao longo de 1930 a 1950, objeto de ação de companhias particulares de colonização que, agindo de acordo com as autoridades públicas, lotearam antigas terras dos caboclos posseiros para descendentes de segunda e terceira geração de imigrantes europeus provenientes do Rio Grande do Sul”.
Paulo Pinheiro Machado (foto) leciona na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, onde coordena o curso de graduação em História. É doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas, com pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense e na Universitat Autonoma de Barcelona.

Confira a entrevista.

IHU On-Line 
 O que foi a Guerra do Contestado (1912-1916)? Em que contexto histórico e político ela aconteceu? 

Paulo Pinheiro Machado  A Guerra do Contestado foi um conflito social, ocorrido nos planaltos catarinense e paranaense entre 1912 e 1916, que colocou de um lado Coronéis, grandes fazendeiros, governo e, de outro lado, posseiros, pequenos lavradores, ervateiros, tropeiros e agregados. O conflito teve início com a perseguição policial ao grupo de sertanejos que se reunia em torno do curandeiro José Maria, na comunidade de Taquaruçu.
Quando este grupo foge da polícia catarinense e se dirige ao oeste, ao Irani, então território contestado sob administração paranaense, os sertanejos passam a ser objeto de desconfiança das autoridades paranaenses, que interpretam sua chegada como uma "invasão catarinense" no intuito de ocupação do território contestado. A polícia do Paraná promoveu um forte ataque que resultou na batalha do Irani, combate ocorrido em 22 de outubro de 1912, considerado o início da Guerra, onde morreram 11 sertanejos, entre eles o monge José Maria, e 10 soldados (inclusive o comandante do Regimento de Segurança do Paraná, o coronel João Gualberto Gomes de Sá). Os sertanejos enterraram José Maria com tábuas, já que aguardavam por seu "retorno". Um ano após este combate, uma menina de 11 anos, Teodora, passou a relatar que tinha sonhos com José Maria e que este ordenava a todos os seus seguidores a dirigirem-se para Taquaruçu. Depois formam-se outras "cidades santas" ou redutos dos sertanejos, como Caraguatá, Santo Antônio, Caçador Grande, Bom Sossego, Santa Maria (a maior cidade, com mais de 20 mil habitantes), Pedra Branca, São Miguel e São Pedro. A tropa federal chegou a reunir mais de 7 mil soldados, associados às polícias de Santa Catarina e Paraná e grande grupo de “vaqueanos civis”, como eram chamados os capangas dos fazendeiros. O conflito teve fim com o cerco e o desabastecimento dos redutos finais. Acredita-se que os mortos em combate e por epidemias e fome passem dos 10 mil.
O contexto principal do conflito é a vigência do coronelismo no planalto, o impacto da construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande sobre extensa região (com a expropriação e o deslocamento de milhares de sertanejos), e a herança política de conflitos ligados à Revolução Federalista (1893-1895), que impactou fortemente o planalto.

Como potencializador dentro deste conjunto de problemas, ainda havia uma longa disputa de limites entre os dois estados. Os catarinenses reivindicavam, como suas divisas com o vizinho do norte, os rios Iguaçu e Negro. Os paranaenses consideravam que toda a região dos campos de Palmas, de União da Vitória até o rio Caçador e das saliências do Timbó, de Três Barras, Rio Negro, Itaiópolis e Papanduva, constituía parte de seu território. Os catarinenses já possuíam três sentenças do Supremo Tribunal Federal a seu favor (de 1904, 1909 e 1910), mas a execução destas decisões eram inviabilizadas por pressão política dos paranaenses.

IHU On-Line  Qual a influência e participação dos monges na Guerra do Contestado?

Paulo Pinheiro Machado 
– O profetismo popular praticado pelo monge João Maria de Agostini desde meados do século XIX no planalto criou um ambiente cultural de autonomia, um conjunto de práticas sociais e costumeiras do mundo caboclo, autonomia em relação ao Estado, aos proprietários e ao clero católico. João Maria era um rezador leigo, andarilho, que circulava num amplo território que ia de Sorocaba, em São Paulo, até Rio Pardo Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Seus caminhos eram os mesmos das tropas de muares, que uniam o sul ao centro do Brasil. A partir da década de 1860, este primeiro João Maria nunca mais foi visto. Na década de 1890 outros andarilhos irão assumir esta identidade e, em 1912, o próprio curandeiro José Maria, após a sua morte, terá sua memória associada, cada vez mais, à trajetória de João Maria. Para os caboclos o profeta é um santo, "São" João Maria. O profeta pregava uma vida de respeito ao próximo, aos animais e à natureza. Assinalava a existência de fontes de água (que logo a população passou a chamar de “águas santas” ou “águas do monge”) e recomendava a edificação de cruzeiros. Informava que haveria uma época em que o sol não nasceria por três dias e que só os verdadeiros penitentes se salvariam. No final do século XIX se identifica uma crescente aproximação da tradição de São João Maria com a tradição popular federalista. Não do federalismo formal de suas principais lideranças (como Gaspar Silveira MartinsEliseu Guilherme da Silva ou Abdon Batista), mas de uma vertente popular do federalismo, que era animada por pequenas lideranças locais, que se baseava numa noção difusa de luta contra autoridades impostas de fora.

Ao longo de um extenso período não só no Contestado, mas em outras regiões do Sul brasileiro, ocorreramconcentrações camponesas em nome de João Maria, que foram objeto de ação repressiva da polícia e de forças militares, como a concentração de Santa Maria (no Campestre entre 1846 e 1849), no Rio Grande do Sul; oCanudinho de Lages (em Santa Catarina, em 1897), o movimento dos monges do Pinheirinho (Encantado, Rio Grande do Sul, 1902), o movimento dos Fabrícios e dos Palhamos (Concórdia, SC, 1924-25), o movimento dos monges barbudos (Soledade, RS, 1935-37) e o movimento do Timbó Grande, 1942 (Porto União, SC, 1942). Então, a ação dos monges é importante não só para o Contestado, mas também para todo o Planalto Meridional.

IHU On-Line  Qual a relação da Guerra do Contestado com o ingresso dos imigrantes europeus em Santa Catarina e Paraná?

Paulo Pinheiro Machado 
– Quando o governo federal destinou à Brazil Railway Company, empresa do magnata norte-americano Percival Farqhar, a concessão para a construção do último trecho da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, permitiu que esta empresa explorasse até 15 km de terras devolutas de cada lado do leito da estrada. Ao longo de quase 300 km do vale do Rio do Peixe muitas comunidades de caboclos foram enxotadas e ali foi instalada uma subsidiária da ferrovia, a Brazil Lumber and Colonization Company, responsável pela exploração das madeiras (araucárias, imbúias, ipês, etc.) e pelo loteamento e venda do território recebido como concessão para imigrantes europeus, muitos deslocados para auxiliar na construção da estrada de ferro. Então, esta chegada de imigrantes junto com a ferrovia criou forte reação entre os caboclos luso-brasileiros. Mas é também importante lembrar que muitos imigrantes (alemães, italianos, poloneses e ucranianos) aderiram ao movimento sertanejo, indo morar nas "cidades santas", vários por já estarem "acaboclados", aderindo ao universo cultural dos devotos de São João Maria.

IHU On-Line  Como vê o processo de europeização incentivado nas primeiras décadas da República? Os conflitos de terra no país derivam especificamente deste período?

Paulo Pinheiro Machado 
– Apesar de serem mais antigos, os conflitos de terras se intensificam neste período. Com a República, a Constituição de 1891 passou para os estados a capacidade de legislar sobre terras e colonização. Leis de terras estaduais são promulgadas no Paraná e em Santa Catarina, frequentemente apoiando os já grandes fazendeiros, viabilizando a legitimação de suas posses e o açambarcamento de extensas áreas públicas (como ervais nativos). Mas podemos ver a questão de terras no Contestado em três níveis diferentes: em primeiro lugar, é importante considerar que já existia um paulatino processo de concentração fundiária nas regiões de campos naturais e faxinais, como São JoaquimLagesCuritibanos Campos Novos. Nestes municípios há um paulatino avanço de grandes estancieiros sobre a posse de pequenos lavradores, que faziam suas lavouras em matas e faxinais vizinhos às pastagens dos criadores. No início do século XX há um processo de açambarcamento das posses destes pequenos lavradores pelos grandes criadores. Nas margens dos rios do Peixe, Negro e Iguaçu médio ocorre o impacto já mencionado da construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, com a grilagem em grande escala realizada pelo Corpo de  Segurança particular da Lumber, que expulsou deste território milhares de sitiantes e pequenos posseiros. Por fim, nas regiões contestadas entre Paraná e Santa Catarina havia muitos territórios com dupla titulação, em cartórios catarinenses e paranaenses. A instabilidade da questão de limites entre os estados facilitou a grilagem praticada em grande escala por Coronéis da Guarda Nacional do Paraná, sobre muitas terras habitadas por indígenas e caboclos. Assim agiam os Coronéis Juca Pimpão (de Palmas), Amazonas Marcondes (União da Vitória), Arthur de Paula (na região do Timbó), Fabrício Vieira (no Iguaçu médio), Leocádio Pacheco (em Três Barras) e Bley Neto (em Rio Negro). Mesmo depois da execução do acordo de limites, assinado por ambos os estados ao final da Guerra, em 1916, uma cláusula deste acordo consolidou a grilagem das terras contestadas por proprietários paranaenses, mesmo nos territórios que caíram sob jurisdição catarinense.

IHU On-Line  Por que a Guerra do Contestado foi pouco discutida e relembrada entre os catarinenses durante quatro décadas?

Paulo Pinheiro Machado 
– O conflito foi extremamente violento e traumático para muitas
comunidades do planalto. Além disso, como era governador na época o lageano Vidal Ramos, por todo um longo período onde este grupo oligárquico esteve no controle da máquina do Estado (nos governos de Nereu Ramos e seus partidários do PSD), o esquecimento foi uma política de estado. A outra oligarquia local, o grupo Konder-Bornhausen, fortemente representada na UDN, estava preocupada em construir uma imagem de europeização para o estado, o que não deixava espaço para a experiência da aventura cabocla. Mas, apesar deste grande desconhecimento público sobre o conflito, o movimento do Contestado possui uma extensa e copiosa literatura de cronistas militares, sociólogos e historiadores. No entanto, esta produção sempre ficou muito restrita a um pequeno grupo de pesquisadores especialistas. O Contestado começa a sair do esquecimento numa conjuntura específica, a redemocratização e a luta contra a Ditadura Militar nas décadas de 1970 e 1980. É neste contexto que precisamos entender a nova historiografia sobre este movimento, que o reviveu em grande medida ativada por um conjunto contemporâneo de movimentos sociais dos “de baixo”, dos sem-terras, dos atingidos pelas barragens e muitos outros.

IHU On-Line  Hoje, como o tema tem sido resgatado pela historiografia, e quais são as novidades para compreendermos melhor o que foi esse período?

Paulo Pinheiro Machado 
– Há uma nova geração de pesquisadores, inaugurada com o magistral livro de Duglas Teixeira MonteiroOs errantes do novo século (São Paulo: Duas Cidades, 1974), que passou a afastar os antigos conceitos de fanatismo, irracionalidade e aberrações e começou a entender a linguagem e a cultura dos sertanejos rebeldes em seus próprios termos. Assim podemos considerar a bela obra de Marli AurasGuerra do Contestado: a organização da Irmandade Cabocla (Florianópolis: Ed. UFSC, 1983), que faz um estudo sobre os laços internos dentro dos redutos. O trabalho de Ivone Gallo, O Contestado: o sonho do milênio igualitário (Campinas: Ed. Unicamp, 1999), que procurou entender o profetismo popular e a noção de apocalipse dos sertanejos. Delmir José Valentini faz um importante trabalho sobre a memória dos sertanejos sobreviventes: Da cidade santa à corte celeste(Florianópolis: Insular, 1999). O primeiro livro de Márcia Janete Espig, A presença da Gesta Carolingea no movimento do Contestado (Canoas: Ed. Ulbra, 2004), que faz um importante estudo da cultura popular no planalto e dos sentidos do projeto sertanejo. Meu livro intitulado Lideranças do Contestado (Campinas: Ed. Unicamp, 2004) procura entender as origens e a formação das chefias caboclas. A tese de Rogério Rosa Rodrigues, Veredas de um grande sertão: a modernização do exército durante a Guerra do Contestado (tese de doutorado em História, UFRJ, 2008), que faz importante balanço da atividade dos militares sobre o conflito, inclusive dos primeiros “Historiadores de Farda”. O segundo livro de Márcia Espig, Personagens do Contestado: os turmeiros da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande (Pelotas: Ed. UFPEL, 2011), sobre os operários que trabalharam na construção deta estrada, trata-se de importantes análises sobre a origem social e geográfica destes trabalhadores e do envolvimento desta ferrovia com o conflito. Mais recentemente temos a tese de Alexandre Karsburg, O eremita do novo mundo (tese de doutorado em História, UFRJ, 2012), que, embora não trate diretamente do conflito do Contestado, traz importantes novidades sobre a trajetória do primeiro monge, o italiano Giovani Maria de Agostini.

IHU On-Line Quem são os descendentes dos Contestados? Qual a situação econômica, política e social deles, um século depois da Guerra?

Paulo Pinheiro Machado
As populações remanescentes dos redutos do Contestado vivem em situação de extrema pobreza. Os núcleos e municípios onde eles se encontram apresentam os Índices de Desenvolvimento Humano IDH (índice que mensura educação, saúde e condições de vida, trabalho e moradia) mais baixos de Santa Catarina. Quando vivem no campo são peões ou agregados de grandes fazendeiros, raros são proprietários de lotes formalizados de terra. Hoje estão cada vez mais proletarizados e vivendo na periferia das grandes e médias cidades do estado. Boa parte da região onde viviam os sertanejos antes da guerra foi, ao longo de 1930 a 1950, objeto de ação de companhias particulares de colonização que, agindo de acordo com as autoridades públicas, lotearam antigas terras dos caboclos posseiros para descendentes de segunda e terceira geração de imigrantes europeus provenientes do Rio Grande do Sul.
No Estado de Santa Catarina, a atual luta pela terra une estes dois grupos: os participantes dos assentamentos e acampamentos da reforma agrária (descendentes de caboclos, remanescentes do movimento do Contestado), e os colonos de origem europeia, que perderam suas terras nas últimas décadas para bancos, comércio e agroindústria, como o resultado de políticas agrícolas que penalizam o campesinato como um todo.