segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Supersalários perduram em sigilo no Congresso

Promulgada há 14 anos pelo Congresso Nacional, a emenda constitucional que criou o teto salarial para o funcionalismo público até hoje não é aplicada pelo Legislativo. Com a desculpa de que falta regulamentação sobre o que entra ou não no cálculo do chamado “abate teto”, Câmara e Senado continuam pa­­gando salários acima de R$ 26,7 mil – equivalente ao vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal – e se recusam a fornecer o número de servidores beneficiados.

Relator da proposta de reforma administrativa do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES) conta que nem ele conseguiu ter acesso a esses dados. Estimativas informais, no entanto, indicam que só no Senado o número de funcionários que recebem acima do teto chega perto de mil. “Essas informações são mais confidenciais do que o segredo do cofre do Banco Central”, reclama Ferraço.
Os altos salários são mantidos por uma guerra de liminares. Em março de 2011, procuradores da República no Distrito Federal entraram com três ações questionando o pagamento de salários no Legislativo e no Executivo acima do teto constitucional e de­­terminando que funções comissionadas, horas extras e outras verbas fossem somadas ao salário para o chamado “abate teto”. Em julho, o Ministério Público garantiu a suspensão dos pagamentos além do teto.
Mas o Senado e a Câmara re­­correram e, em setembro, o presidente do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, Olinto Menezes, voltou a liberar o pagamento dos supersalários. O MP, então, entrou com um recurso na Corte Especial do TRF, mas ainda não há data prevista para o julgamento.
A procuradora da República no Distrito Federal Anna Caro­­lina Resende não esconde sua surpresa com a postura do Legis­­lativo. E defende que o Supremo enfrente o debate sobre as situações em que há acúmulo de cargo público. “A postura do representante do órgão pode conflitar com o próprio interesse do órgão. É evidente que o interesse é economizar, mas os representantes adotam medidas contrárias aos próprios cofres públicos”, lamenta Anna Carolina.
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello e o procurador da Repúbli­­ca junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsi­­co, a Constituição Federal e as emendas promulgadas pelo Congresso definem claramente o teto do funcionalismo. “Preci­­samos no Brasil de ética, de ho­­mens públicos que observem a ordem jurídica. A Constituição não é um documento lírico, tem que ser respeitada”, afirma Mar­­co Aurélio.
Na avaliação de Marsico, que desde 2008 questiona o pagamento de salários acima do teto constitucional, a solução é política e ainda não foi tomada porque atingiria agentes públicos importantes que recebem acima do teto, como parlamentares com direito a aposentadorias.
“É o pensamento mesquinho de poucos que estão no topo, gerando um prejuízo para os cofres públicos. A solução não é técnica. Tecnicamente está absolutamente resolvido. A solução é política, é mexer no vespeiro”, afirma Marsico.
Levantamento
Pagamentos chegam a R$ 1 bilhão
Em 2008, levantamento do procurador da República Marinus Marsico com dados do Tribunal de Contas da União mostrou que 1,2 mil funcionários dos Executivos municipais, estaduais e federal recebiam acima do teto de R$ 26,7 mil. Ele então solicitou ao TCU permissão para a elaboração de um novo cadastro, incluindo os agentes públicos dos três poderes de União, estados e municípios. “Acreditamos que cerca de 4 mil agentes públicos e perto de R$ 1 bilhão sejam pagos indevidamente a cada ano.”
No Executivo, no Judiciário e no Ministério Público, portarias e decisões administrativas já estipularam critérios para o corte, que hoje é automático para 57 servidores com vencimentos acima do teto. Segundo o Ministério do Planejamento, ainda assim 16 – a maioria de universidades federais – recebem acima de R$ 26,7 mil, respaldados por sentenças judiciais. O que ganha mais é um aposentado do Instituto de Educação Federal da Paraíba (IFPB), com R$ 33.467,34. Na UFRRJ, um funcionário da ativa recebe R$ 29.081,75. O governo não pode fornecer os nomes.
O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), admite que é preciso regulamentação. “Sou a favor de cortar os vencimentos dos que têm aposentadorias públicas e estão ocupando outra função. Mas temos que discutir se as horas extras entram ou não no cálculo. A solução não veio por falta de entendimento, e cabe ao Executivo provocar esse debate.” Apesar de não ter abordado o tema desde que chegou ao Senado, o tucano Aloysio Nunes (SP) diz que a regulamentação é “absolutamente possível”. “Em São Paulo, o servidor que ultrapassa o teto tem os vencimentos cortados.”
Dificuldades
No Senado, o líder Romero Jucá (PMDB-RR) não dá esperança de o Executivo intervir para limitar os ganhos no Legislativo. “Esse é um assunto importante que precisamos encarar, mas ainda não foi elencado por uma série de dificuldades”, afirmou. O líder do PT, senador Humberto Costa (PE), concorda: “Não é algo fácil de se fazer porque as corporações são muito fortes. A coalização pelo gasto público é a maior do Brasil”. Agência Globo

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