quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Pinheirinho, um caos anunciado

buscado no Fabricio Cunha 


São poucos os que têm um conhecimento mínimo sobre a “função social da terra” e o conceito de propriedade privada.
A importância conferida à propriedade pelo homem faz com que confundamos o seu papel e a sua função diante do coletivo. Enquanto no reino animal os indivíduos da maioria das espécies preocupam-se com a detenção apenas do indispensável à sua sobrevivência, possui o ser humano uma estranha vocação para a apreensão individual de bens supérfluos.
Ouvi do Frei Beto que “a sobra de um é a falta do outro”.
Há alguns anos um grupo de pessoas começou uma ocupação numa área da periferia da Zona Sul de São José dos Campos. Pouco mais tarde, o MUST, Movimento Urbano dos Sem Teto, assumiu a organização.
Desde então tem lutado pela desapropriação do local e por sua regularização.
Estima-se a presença de oito mil pessoas no local, que é uma das maiores ocupações urbanas do país. Desses oito mil, as crianças são perto de três mil.
Para se ter uma ideia, a PMSJC não os reconhece como moradores da cidade a ponto de não os inserir em nenhum dos programas de ação social da cidade.
São tratados como “invasores”, um câncer na cidade, cuja gestão atual concentra-se em governar para o núcleo rico da cidade.  Aliás, votei no PSDB local nas últimas 3 eleições. Mas essa falta de iniciativa para questões centrais em nossas periferias tem sido uma prática comum do atual prefeito. Suas gestão está localizada no centro e focada nas classes A e B.  A situação do Pinheirinho é só a expressão pública mais evidente de uma realidade patente.
A questão é que eles não invadiram, eles ocuparam. E o que fizeram é legítimo e tem respaldo legal. Se assim não fosse, todos estariam passíveis de serem presos, o que não é o caso.
Segundo o procurador da República, Robério Nunes dos Anjos Filho, “historicamente, no entanto, a utilização desses bens nem sempre obedece a regras que dizem respeito ao proveito que possam ter para os demais membros da coletividade, servindo em toda a sua extensão apenas ao proprietário. Essa situação, porém, sofreu alterações significativas no último século. A propriedade deixou de ser vista sob a ótica romanística, como um direito absoluto, exclusivo e perpétuo, relativizando-se. Nesse novo quadro, a discussão acerca da função social dos bens, objeto do presente estudo, possui relevante papel, pois visa coibir as deformações de ordem jurídica ocasionadas pelo uso egoístico e degenerado da propriedade.”
Toda “terra urbana” está debaixo dessa função social. isso se deve em razão de submeter o acesso e o uso da propriedade ao interesse coletivo. A propriedade urbana cumpre a sua função social quando destinada para satisfazer as necessidades dos habitantes de toda cidade e não somente de seu proprietário. Os parâmetros para a satisfação destas necessidades são os componentes como o direito à moradia digna, acesso a terra urbana, à saúde, à educação, ao meio ambiente, ao transporte e serviços públicos, à infra-estrutura urbana, ao saneamento ambiental, ao trabalho, ao lazer e à cultura.  A propriedade passa, assim, a ter o seu uso condicionado ao bem -estar social e, portanto, a ter uma função social e ambiental.
A função social da propriedade é o núcleo central da propriedade urbana. O direito à propriedade urbana somente é passível de ser protegido pelo Estado, no caso da propriedade atender à sua função social.
Toda terra pode ser propriedade privada quando cumpre a função para qual está designada, sob amparo da constituição. Quando uma propriedade deixa de cumprir a função que deveria por mal uso ou falta de uso, ela passa novamente a ser propriedade do Estado e, por consequência, deve favorecer a sua população.
A terra do Pinheirinho estava sub-utilizada, ou melhor, não utilizada.
O processo natural seria a desapropriação, que é o que está tentando o MUST local.


Mas não, o judiciário tem sido arbitrário e avaliado a causa com nítida tendência.
Já a PMSJC poderia ter feito muito antes o que não dá mais pra fazer agora:
1. A Prefeitura já deveria tê-los inserido em nossos programas sociais regulares. Assim, já haveria um nível de estruturação que constrangeria o judiciário;
2. A PMSJC já deveria ter direcionado a população do Pinheirinho para outras áreas, evitando o urgente calamitoso que assistiremos esses dias, isto é, não era pra prepararmos uma ação de emergência mas, diante de tanto tempo dessa realidade patente, termos nos antecipado e já distribuído essa população com dignidade, serenidade e estratégia;
3. Temos recursos para isso, como cidade com um dos mais altos PIB’s do país;
4. Se tal área já tivesse sido regularizada dentro de nosso planejamento urbano, o judiciário decidiria com outras categorias;
5. Como um problema público crônico, a PMSJC já deveria ter encaminhado tudo isso como assunto de interesse público municipal e não deixado que os próprios moradores, representados por um advogado, o fizessem. Esse não é um assunto deles somente. É um assunto da cidade, do estado e da federação e deveria ser tratado e encaminhado como tal.


O silêncio da PMSJC é vergonhoso. O dos vereadores, constrangedor.
Para cada “aproveitador” do Pinheirinho, são 10 adultos honestos e mais 15 crianças. Para cada bandido escondido lá, são 200 adultos honestos e 300 crianças. Criminalizar o Pinheirinho e agir arbitrariamente é crime! A Prefeitura não se pronuncia por ser uma decisão da justiça é mais ou menos como o marido não agir porque é a esposa que está com câncer. Uma vergonha.
Agora é tarde e estamos para presenciar o caos em nossa cidade e, mais um vez, quem sofrerá todo o ônus será a população pobre, sem recursos, sem condições, sem o básico, mas com dignidade o bastante para lutar por sua terra, terra que lhe é devida e que grita por todo suór que ali já foi derramado e gritará ainda mais quando esse suór se transformar em sangue.
Espero estar errado…


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