sábado, 1 de outubro de 2011

Após cinco meses em greve, estudantes chilenos veem minguar chance de gratuidade na educação

A saída para a maior crise política vivida pelo Chile desde a redemocratização pode estar num acordo entre o governo e os estudantes para a criação de "descontos escalonados" e a ampliação do programa de bolsas de estudo, que aliviem a situação das famílias de quase 200 mil jovens que hoje têm dívidas impagáveis com suas universidades. Dificilmente os protestos e paralisações escolares que já duram cinco meses levarão o Chile a adotar um modelo de gratuidade universal na educação pública de nível superior, como o que existe hoje no Brasil, mesmo que o mote da "educação grátis" ainda figure na maioria dos cartazes levantados nos protestos em Santiago.
A análise, feita ao Opera Mundi pelo professor Rolando Pinto, diretor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Metropolitana de Ciências da Educação, de Santiago do Chile, coincide com uma mudança recente no equilíbrio de forças entre líderes do movimento estudantil.
Depois de quase meio ano de protestos, milhares de detidos e a ameaça constante da perda do ano letivo, setores mais moderados começaram a ganhar maior protagonismo. A nova dinâmica coincide com o início de novo ciclo de negociações diretas com o governo. A primeira reunião foi realizada ontem e a próxima deve ocorrer na quarta-feira.
"Há muitas visões diferentes dentro do mesmo movimento. Os mais radicais não querem nem negociar, eles defendem a realização de um plebiscito nacional (que é proibido pela Constituição de 1980, redigida durante a ditadura Pinochet)", explicou o professor. "Mas a verdade é que, aos poucos, foi emergindo um consenso sobre uma plataforma mínima, que parece estar fundamentada na gratuidade do ensino superior".
O termo "gratuidade" tem, entretanto, significado diferente para os diferentes interlocutores. De acordo com o professor, os líderes estudantis "sabem que os mais pobres não podem financiar com seus impostos a educação dos estudantes mais ricos". A saída seria, portanto, atribuir pontos aos estudantes, numa grade de vulnerabilidade social, onde a gratuidade, os descontos, as bolsas e os financiamentos seriam repartidos de forma escalonada.
"Não pode haver educação grátis para todos. Não é justo e não temos os recursos", avisou ontem o ministro da Fazenda do Chile, Felipe Larraín. A declaração foi feita no mesmo dia em que o presidente Sebastián Piñera anunciou um aumento de 7,2% no orçamento da Educação para o ano de 2012. O valor total para o setor será de 11.650 bilhões de dólares. Além disso, o governo promete reduzir os juros para o financiamento da Educação de 6% para 2%.
Capitalismo sem recuo Para Pinto, o anúncio é vago demais e serviu para "colocar uma espada sobre a cabeça dos líderes estudantis", que terão de se explicar, caso escolham apenas criticar a liberação de mais verba.
"Não se trata apenas de anunciar mais dinheiro. É preciso saber qual o uso social que se dará a este recurso. Não sabemos ainda para aonde esse dinheiro vai. E os estudantes devem seguir atentos a isso", disse o professor.
Ele aposta que o governo aceitará fazer uma reforma tributária para aumentar o financiamento da Educação, alterando até mesmo a repartição dos recursos do cobre, principal produto de exportação do país, mas duvida que o presidente Piñera se arrisque a tirar recursos das Forças Armadas para atender a demanda dos estudantes, como defendem alguns líderes do movimento. "Seria simbólico demais", disse.
Do lado dos estudantes, o ímpeto continua o mesmo. Pelo menos no discurso. "A principal demanda do movimento é a gratuidade na educação. Há uma convicção certeira e todas as expectativas de que, como movimento estudantil, conquistaremos uma mudança. A volta às aulas será uma consequência natural disso", disse nesta sexta-feira (30/9) o presidente da Feuc (Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile), Giorgio Jackson. "O Estado chileno é signatário do Tratado Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, em seu artigo 13, letra C, diz que a educação superior terá de ser progressivamente gratuita. Queremos ver como o Estado chileno vai chegar a isso", complementou.
Mas mesmo a declaração de Jackson aponta para a educação "progressivamente" gratuita, o que abre a porta para medidas intermediárias, que permitam uma saída negociada para o impasse.
Ajuda aos bancos "Haverá uma forte injeção de recursos, mas para seguir financiando diretamente os bancos (que operam no mercado do crédito educativo). O governo mantém a lógica de manter os estudantes endividados, simplesmente baixando um pouco os juros", disse Sebastián Farfán, secretário-geral da Federação de Estudantes da Universidade de Valparaíso.
Pinto concorda com a análise do estudante. "No fundo, estamos falando do que é possível que aconteça porque é bastante óbvio que o governo vai se mover dentro do que se espera de um governo de direita. As famílias continuarão arcando com a fatia mais pesada. O Estado administra o jogo dentro destas regras. Não devemos ter nenhuma ilusão a respeito disso". 

By Opera Mundi 


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