sábado, 30 de abril de 2011

MST mobiliza 19 estados e faz 70 ocupações de latifúndios

Via  MST

A Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária, organizada no mês de abril,  mobilizou 19 estados e o Distrito Federal somando-se ainda a atividades em Brasília, na Câmara dos Deputados, e um ato em memória aos 15 anos de impunidade do Massacre de Eldorado dos Carajás.
Foram realizadas atividades em Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco e Tocantins.
Foram mais de 30 mil famílias em luta, totalizando 70 ocupações de latifúndios, mobilizações em 14 sedes do Incra, além de fechamento de estradas, acampamentos nas capitais, distribuição de alimentos sem agrotóxicos,  debates com a sociedade, audiências públicas e ações em diferentes órgãos dos governos locais responsáveis pela Reforma Agrária.
“O balanço da jornada é bastante positivo e mostrou a força do nosso movimento, casando lutas de massa e atividades políticas. Fizemos ocupações de latifúndios e manifestações em 19 estados, além de audiência com ministros, governadores e secretários estaduais, atividades políticas no Congresso Nacional e em assembleias  legislativas, distribuição de alimentos sem agrotóxicos para a população. É uma das jornadas de abril com mais ocupações desde 2004”, avalia o integrante da Coordenação Nacional do MST, José Batista de Oliveira.
O Movimento fez audiências com vários ministérios, buscando resolver o problema dos acampados e fortalecer os assentamentos, garantindo os direitos sociais das famílias. O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) anunciou que o governo vai responder a pauta apresentada até o dia 2 de maio.
A jornada, promovida pelo MST em todo o país, é realizada em memória aos 19 companheiros assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, em operação da Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, no   Pará, no dia 17 de abril de 1996.
A data é Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir de proposta da então senadora Marina Silva.
Depois de 15 anos de um massacre de repercussão internacional, o país ainda não resolveu os problemas dos pobres do campo, que continuam sendo alvo da violência dos fazendeiros e da impunidade da justiça.
Informações sobre os estados:
Alagoas
Durante a Jornada de Lutas, mais de mil famílias promoveram ações em todo o Estado durante a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária. A BR-101 foi bloqueada nos municípios de Joaquim Gomes e Junqueiro. A agência do Banco do Brasil de São Luiz do Quitunde foi ocupada pelos agricultores da região e cerca de 200 famílias ocuparam a fazenda Luís Xavier. Ainda, ações de diálogo com a população estão sendo realizadas na cidade de Delmiro Gouveia.
Bahia
Desde o início do mês de abril, 36 fazendas foram ocupadas na Bahia, envolvendo mais de 10 mil famílias no estado. Cerca de 3 mil famílias acamparam na Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária (Seagri) de Salvador. Anteriormente, os Sem Terra estiveram no INCRA. O objetivo do acampamento foi garantir o assentamento de 25 mil famílias no estado, além de educação, saúde e crédito agrícola.
Ceará
O MST ocupou as sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, do governo do Ceará, em Fortaleza. Os protestos mobilizaram 800 famílias desde segunda-feira (11) e cobraram a realização da Reforma Agrária e políticas de desenvolvimento dos assentamentos. Foram realizadas também quatro ocupações de terra no interior do Ceará.
Distrito Federal
Mais de 300 famílias organizadas pelo MST ocuparam a "Reserva D", do núcleo rural Alexandre Gusmão, em Brazlândia (DF). A área improdutiva tem 4 mil hectares e pertence ao INCRA, desde 1962.  Ainda na manhã do dia 14, cerca de 200 famílias ocuparam a sede do Incra do DF.
Na manhã do dia 14, na Câmara dos Deputados, foi realizado o seminário "Eldorado dos Carajás 15 anos de impunidade", no auditório Nereu Ramos, em Brasília. A atividade, proposta pelo deputado federal, Marcon (PT-RS), é uma forma de reavivar a memória daqueles que perderam a vida lutando pela realização da Reforma Agrária.
Goiás
Cerca de 800 famílias ocuparam o INCRA, permanecendo no local até que houvesse avanço nas negociações.
Maranhão
Cerca de 400 trabalhadores ocuparam as sedes do INCRA em Imperatriz e São Luiz e permaneceram no local até que houvesse avanço nas negociações.
Mato Grosso
Mais de 350 famílias do MST acamparam no Trevo do Lagarto, na saída de Várzea Grande, reivindicando legalização de assentamentos no Estado e melhoria na estrutura nos já existentes.  Ainda, os sem-terra interromperam o tráfego nas BR 364 e 163, liberando-as após o inicio do diálogo. Como resultado das mobilizações, audiências com o INCRA foram realizadas, mas os trabalhadores e trabalhadoras continuam mobilizados até que as reivindicações sejam concretizadas.
Mato Grosso do Sul
Mais de 350 integrantes do MST ocuparam o pátio do Incra em Campo Grande e entregaram um documento ao MPF (Ministério Público Federal). No documento, o MST denuncia que há famílias morando em condições desumanas embaixo de lona em média de seis a dez anos, sofrendo prejuízos econômicos, de saúde, entre outros. Depois, eles seguiram do Incra até o prédio do MPF, distância de ao menos seis quarteirões, fazendo um protesto na avenida Afonso Pena.
Minas Gerais
Foi montado um grande acampamento na capital, Belo Horizonte, reunindo cerca de 1.500 Sem Terra de todas as regiões. A jornada tem o objetivo de denunciar que a Reforma Agrária está parada, a negligência do governo  de Minas Gerais e a perseguição aos movimentos sociais.
Os Sem Terra acampados na praça da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte, saíram organizados em duas colunas e marcharam em direção ao Tribunal de Justiça, na manhã de quarta-feira, para denunciar os massacres que continuam impunes e a perseguição que os movimentos sociais sofrem no Estado
Após a manifestação no tribunal, os Sem Terra seguiram em direção ao Incra, onde realizaram uma ocupação. Houve uma assembléia com o movimento, em que os assentados e acampados puderam expor todas as necessidades das áreas e deficiências nas ações da instituição.
Rio de Janeiro
Cerca de 400 famílias ocuparam a sede do Incra na capital, onde permaneceram acampados até que as negociações avançassem. Ainda, na manhã do dia 14, o MST foi homenageado com a maior comenda do estado do Rio de Janeiro, a Medalha Tiradentes. A cerimônia aconteceu às 10h, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, a partir de iniciativa do deputado Paulo Ramos (PDT) pelos 27 anos de lutas e conquistas do MST.
Rio Grande do Sul
Cerca de 500 assentados e assentadas ocuparam o Incra na terça-feira (12), em Porto Alegre. À tarde, as famílias iniciaram as negociações com o governo estadual para tratar da pauta de reivindicações que foi entregue ainda em fevereiro. Foi ocupada também a fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul. Os Sem Terra já saíram da fazenda depois de compromisso do governo Tarso.
Rondônia
Cerca de 500 famílias do MST ocuparam a sede da Unidade Avançada do Incra, em Ji-Paraná, em Rondônia. O protesto cobra agilidade do Governo federal no assentamento das famílias acampadas em todo o Brasil e também medidas para o desenvolvimento dos assentamentos, com a construção de escolas, estradas, poços artesianos e instalação de energia elétrica.
Santa Catarina
O MST realizou duas ocupações, na fazenda Xaxim I, localizada no município de Curitibanos, com 150 famílias, e da Fazenda Batatais, com 100 famílias, em Mafra. Militantes ainda tiveram audiências com o Incra do Estado para levar as reivindicações das famílias.
São Paulo
Em toda jornada no estado, foram realizados mais de 15 protestos, contando com a ocupação de seis fazendas, sedes do INCRA e ações públicas como doação de alimentos. Mais de mil famílias estiveram envolvidas em todo nas mobilizações.
Também no final de semana, cerca de 250 famílias se somaram aos 800 trabalhadores da  Destilaria Guaricanga e ocuparam a área onde está instalada a empresa, no município de Presidente Alves (região de Bauru).
Sergipe
Cerca de 300 famílias realizaram um acampamento em frente ao Incra em Aracaju. As famílias reivindicam uma Audiência Pública com a Secretaria de Estado da Agricultura e com a superintendência do Incra. Pautando agilidade nos processos de desapropriação da Fazenda Tingui que completou 14 anos de luta e resistência das 230 famílias acampadas, assim como, liberação imediata de dois lotes empresariais para as 89 famílias do Acampamento Mario Lago que há 8 anos lutam pela conquista da Terra.
Pará
Entre os dias 10 a 17 de abril, o MST realiza a Semana Nacional de Luta Camponesa e Reforma Agrária no Pará, contando uma série de atividades que marcam os 15 anos do Assentamento 17 de Abril, como também relembra o Massacre de Eldorado de Carajás. Atos políticos e culturais estão sendo realizados no Assentamento 17 de Abril e no espaço do monumento na “Curva do S”, em Eldorado dos Carajás, além do permanente Acampamento Político Pedagógico da Juventude do MST, que contará com cerca de 1.000 jovens, vindo dos acampamentos e assentamentos de o todo.
Paraíba
Cerca de mil famílias participaram das mobilizações no estado, aonde ocorreram três ocupações no interior. Os Sem Terra também acamparam na sede do INCRA, em João Pessoa.
Durante a jornada, foi realizada uma audiência com o governador Ricardo Coutinho (PSB), durante a qual uma comissão de representantes do Movimento dos Sem Terra entregou uma pauta de reivindicações que inclui a desapropriação de terras via Interpa e Incra, a construção de escolas no campo, crédito para a compra de maquinários e incentivo à instalação de agroindústrias nos assentamentos. Também participaram da reunião o superintendente do Incra na Paraíba, Marcos Faro, o  secretário de Governo, Walter Aguiar, e o deputado federal Luiz Couto (PT).
Paraná
O MST realizou um ciclo de audiências públicas para discutir o desenvolvimento em áreas de reforma agrária no norte e centro-oeste do Paraná. Estiveram presentes militantes do MST, além de Hamilton Serighelli, assessor para Assuntos Fundiários do Governo do Estado e o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes. Ainda, visitas aos acampamentos e assentamentos se seguiram durante todo o dia.
Pernambuco
No estado foram ocupadas 15 áreas, em um total de mais de 3.000 famílias mobilizadas. Foram realizadas ocupações em latifúndios improdutivos nos municípios de São Bento do Una, Altinho, Igarassu, Joaquim Nabuco, Itambé, Sertânia, Petrolina, Granito, Inajá (duas), Lagoa Grande, Floresta, Ibimirim, Iatí e Serra Talhada
De acordo com o Incra de Pernambuco, 57% dos latifúndios cadastrados no órgão são improdutivos, o que dá um total de 411.657 hectares que devem ser destinados à Reforma Agrária. Essa área é suficiente para assentar as 23.000 famílias que vivem hoje acampadas em todo o Estado.
Isso sem contar as áreas devedoras da União e que desrespeitam a legislação trabalhista e ambiental, e que são, portanto, passíveis de desapropriação para Reforma Agrária, segundo a Constituição Federal.
Apesar disso, das 15.000 famílias do MST que vivem em acampamentos, muitas estão acampadas há mais de cinco anos, vivendo em situação bastante difícil à beira de estradas e em áreas ocupadas, que são vítimas da violência do latifúndio e do agronegócio.
Tocantins
Cerca de 300 famílias ocuparam a fazenda Dom Augusto, entre Palmas e Porto Nacional. O proprietário da fazenda é Alcides Rebeschini e não tem a documentação de toda a área. Dos 3 mil hectares de terra, apenas 1.200 hectares são titulados. Além disso, a fazenda está na lista suja do Ministério do Trabalho por prática de trabalho escravo a 100 trabalhadores no plantio de feijão. O caso veio à tona em 2005. O latifúndio deve ser destinado à Reforma Agrária, uma vez que parte da área é pública e o proprietário não cumpre a função social, por desrespeitar a legislação trabalhista.

Declaração da Esquerda Marxista em defesa de Joaquin Pérez Becerra e da Revolução Venezuelana!

Esquerda Marxista
Outros artigos deste autor


 
 
Na noite de 23 de abril, o jornalista e militante Joaquín Pérez Becerra foi detido no Aeroporto Internacional de Maiquetia, na Venezuela, e dois dias depois entregue pelo governo venezuelano à polícia colombiana.

 
Joaquin Pérez Becerra é ex-vereador da União Patriótica no município de Corinto, na Colômbia, e um dos poucos sobreviventes do extermínio de mais de 5 mil militantes dessa organização política cuja militância foi massacrada pelo regime paramilitar colombiano nas décadas de 80 e 90.

Em 1994, por causa da perseguição política empreendida pelo governo colombiano, inclusive com sua esposa sequestrada pelos paramilitares, Becerra obteve asilo político na Suécia, conseguindo a cidadania sueca e renunciando posteriormente à cidadania colombiana.

Como político, escritor e jornalista, Becerra destaca-se pelo seu trabalho na Agência de Notícias ANNCOL, criada por exilados políticos colombianos em oposição aos governos paramilitares da Colômbia. É fundador da Associação Bolivariana de Comunicadores (ABC), criada em dezembro de 2009, em Caracas, no marco do Congresso de fundação do Movimento Continental Bolivariano (MCB).

É extremamente grave que o governo da Venezuela se preste a uma operação de perseguição política e tenha cedido à pressão do governo colombiano e do imperialismo.

Joaquin Pérez Becerra é cidadão sueco; não houve, por parte do governo venezuelano, qualquer comunicado à Embaixada da Suécia na Venezuela, além de mantê-lo incomunicável durante sua prisão no país. Ao mesmo tempo, coloca-se em risco a vida deste militante ao entregá-lo para um governo reconhecido internacionalmente por burlar as leis de direitos humanos e de reprimir os movimentos oposicionistas.

A solidariedade e o compromisso internacionalista não podem ser negados em nome de uma política de Estado que procura a conciliação com o governo contra-revolucionário de Juan Manuel dos Santos. Essa conciliação apenas fortalece o governo colombiano. Fortalecimento este, que significa mais que a repressão ao povo trabalhador colombiano, representa também uma constante ameaça à própria revolução venezuelana.

Nós, da Esquerda Marxista do PT protestamos veementemente contra a entrega de Joaquin Pérez Becerra ao governo colombiano. Aos revolucionários e socialistas é impossível concordar com a entrega de um militante que luta contra a tirania em seu país a um governo que tem em suas prisões mais de 7.500 presos políticos sindicalistas, estudantes, camponeses e ativistas de direitos humanos. Entregar um militante anti-imperialista nas mãos dos inimigos que buscam sua morte, entregá-lo para ser preso e torturado é um ato que ataca, desmoraliza e ameaça em primeiro lugar a própria revolução venezuelana. A ameaça à vida deste militante e é uma ameaça para todos os militantes internacionalistas, na Venezuela e em todos os lugares.

A Constituição revolucionária francesa de 1893 definia como sendo francês aquele que nascesse na França ou lutasse contra a tirania em qualquer lugar do mundo. A revolução bolivariana para ser digna deste nome não pode agir ao contrário disso e colaborar com as forças contra-revolucionárias em qualquer lugar do mundo. Simon Bolívar lutou contra o imperialismo espanhol e foi acolhido no exílio com carinho e fraternidade. Se Alexandre Pétion, que o acolheu no Haiti, o entregasse aos espanhóis, nem a Venezuela existiria hoje como tal. E Pétion só pediu a Bolívar que ao empreender, de novo, a campanha de libertação, quando vitorioso, impusesse a emancipação de todos os escravos.

É este combate que dá sentido à revolução venezuelana e à luta internacionalista pelo socialismo. É nestas horas em que se vê a mesquinhez e a impotência de todas as políticas nacionalistas. É nestas horas que se vê para onde vai a política daqueles que se recusam a romper com o Capital e terminam tentando conciliar com o Imperialismo. É por isso que todos aqueles que lutam pelo socialismo necessitam de uma verdadeira Internacional, capaz de articular e ajudar a classe operária e todos os oprimidos a varrer da face da Terra o regime da propriedade privada dos grandes meios de produção e construir o socialismo.

O governo Chávez cometeu um erro inaceitável ao colaborar com a polícia do governo colombiano – leia-se: a CIA – entregando Becerra. Sob pena de se desmoralizar completamente frente a todos que até hoje se empenharam na defesa deste governo contra o imperialismo e a reação esquálida na própria Venezuela, todos que combatem pela vitória da revolução bolivariana em cada país das Américas e do mundo, o governo Chávez deve reconhecer seu erro, exigir do governo colombiano garantias de vida para Becerra e sua imediata devolução à família na Suécia.

Em defesa da revolução na Venezuela e em todo o mundo é preciso expulsar já do governo Chávez, e do PSUV, os dois ministros que organizaram e deram este golpe profundo na revolução venezuelana, Nicolas Maduro, Ministro das Relações Exteriores, e Andrés Izarra, Ministro das Comunicações. É hora de botar em ação as palavras repetidas em todas as atividades do PSUV e da Revolução: expulsar os burocratas, os boli-burgueses, os corruptos, e liquidar com o capitalismo, avançar para o socialismo. Chávez tem a responsabilidade de passar das palavras aos fatos.

• Garantia de vida e imediata libertação de Joaquin Pérez Becerra!
• Toda solidariedade aos que lutam contra a opressão e a exploração!
• Viva a revolução colombiana! Viva a revolução venezuelana!
• Socialismo ou barbárie, venceremos!


Sexta-Feira, 29 de abril de 2011.

O problema da dívida do Brasil não foi resolvido: no governo Lula agravou-se ainda mais



por Maria Lucia Fattorelli [*]
entrevistada por Stéphanie Jacquemont 


Stéphanie Jacquement (SJ): Esteve na Bélgica, como delegada da Auditoria Cidadã da Dívida , do Brasil, por 10 dias de atividades ao lado dos delegados da África, Europa, Ásia e América Latina. O que destaca destas reuniões com os membros da rede CADTM e das atividades em que participou?
Maria Lucia Fattorelli (MLF) : O que destaco, antes de tudo, é a semelhança do processo de endividamento em todas as experiências relatadas pelos representantes das diversas partes do mundo, e o impacto do endividamento nas economias, não somente nos países do Sul, aprisionados em um processo histórico de dominação e exploração, mas também, mais recentemente, nos países europeus. Além dos contatos e importante troca com as pessoas vindas das quatro partes do mundo – o que é fundamental para enriquecer nossas lutas – as atividades organizadas pelo CADTM permitiram ajudar a identificar tendências, tal como o avanço do privilégio do setor financeiro, e pontos importantes ao nível de análise política. O primeiro ponto, em minha opinião, é o processo global de transformação da dívida externa em interna. Esta dívida chamada de interna encontra-se, de fato, nas mãos dos estrangeiros, o que nos obriga a rever o conceito de dívida interna. A dívida interna é, de alguma forma, a nova face da dívida externa. Outro ponto a ser lembrado: a transferência líquida de capitais dos países do Sul para os países do Norte, o que mostra que a dívida não foi usada para financiar investimentos, mas que ela funciona, ao contrário, como um mecanismo de extração das riquezas do Sul, que em muitos casos, acabam nos bolsos dos bancos privados. Além disso, esses países do Sul sofreram e sofrem ainda os efeitos da crise financeira que exacerbou problemas sociais, como salientaram os testemunhos dos delegados do CADTM presentes.
Durante estes dias, grande ênfase foi colocada no tema da auditoria da dívida que, através dos exemplos da Auditoria Cidadã da Dívida do Brasil e da auditoria oficial realizada com a participação cidadã no Equador, que se apresenta como um poderoso instrumento nas mãos dos movimentos sociais. As reuniões destacaram também a importância da luta contra o câmbio climático [NR] e o modelo de exploração extrativista que estão estreitamente ligados ao endividamento público, em particular aos empréstimos do Banco Mundial destinados ao setor privado, responsável pela grande parte desta exploração extrativista. Outro tema discutido ao longo do programa é a relação entre o endividamento público e o sistema tributário, o que levanta a questão da justiça fiscal, que abrange tanto a arrecadação de impostos como a utilização das receitas arrecadadas, cabendo destacar os privilégios de que gozam os rentistas de títulos da dívida.
Dado o contexto atual, ficou evidente a gravidade da crise financeira, na esteira da qual se desenvolveu uma terrível crise da dívida em diversos países da Europa, principalmente em razão da ausência de regulação do sistema financeiro privado internacional. Assim, é necessário conduzir uma auditoria para determinar a origem desta dívida, que tem provocado tanto sacrifício aos povos da Europa de maneira injusta (aumento do desemprego, supressão de direitos, reduções nas aposentadorias, etc), pois não são os responsáveis por essa dívida! Uma auditoria permitirá identificar os verdadeiros culpados que devem responder pelos prejuízos causados. Não se pode permitir que setores – como estão fazendo atualmente os grandes bancos – continuem a embolsar lucros recordes, apesar da crise que abala outros setores.
Finalmente, quero enfatizar o envolvimento total dos membros do CADTM, particularmente dos jovens, o que nos dá confiança no futuro da luta por justiça social.
SJ: A sua organização tornou-se, oficialmente, membro da rede CADTM Internacional por ocasião da assembléia mundial da rede: como considera o trabalho na rede? O que acha que sua organização pode fazer para a rede e vice-versa?
MLF : Nossa organização – Auditoria Cidadã da Dívida do Brasil – mantém com o CADTM uma relação estreita desde o ano de 2002, data em que conheci Eric Toussaint e Denise Comanne no 2º Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Desde então, temos participado de vários projetos juntos. Agora que somos membros efetivos da rede CADTM, creio que podemos lançar iniciativas da auditoria cidadã da dívida em outros países onde o CADTM está presente. Com a nossa longa experiência de dez anos em auditoria cidadã da dívida no Brasil, da auditoria oficial da dívida equatoriana (2007-2008) e da recente experiência na CPI da Dívida (Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida pública) no Brasil, programamos organizar conjuntamente grupos de trabalho para iniciar auditorias cidadãs, mas também impulsionar as auditorias oficiais, onde for possível.
A auditoria da dívida tem sido um instrumento importante para chegar à verdade dos fatos. É necessário difundir e reproduzir a experiência para que os Estados possam enfrentar o problema da dívida, devidamente amparados em provas de sua ilegitimidade e de sua ilegalidade. É importante lembrar que a experiência recente no Equador [2] permitiu uma revisão do orçamento e um aumento significativo dos recursos destinados aos setores sociais (saúde, educação, criação de empregos, construção de rodovias...).
SJ.: A propósito do Brasil, explicou-nos como o Lula chegou a divulgar a idéia que o problema da dívida foi resolvido. Eric Toussaint nos falou do sentimento de euforia injustificado de certos países devedores, entre os quais o Brasil figura em bom lugar. Pode nos explicar como Lula conseguiu essa proeza?
MLF: A parte da dívida externa que foi paga corresponde somente à que devíamos ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras pequenas partes desta dívida, sendo que os laços com o Fundo não foram rompidos. Quando, em 2005, o Brasil saldou sua dívida com o FMI, o ministro das Finanças da época, Antonio Palocci, fez publicar no sítio da internet do ministério uma carta explicando que as obrigações relativas ao artigo IV [3] do estatuto do FMI permaneceriam na agenda, isto é, o Brasil manteria a agenda econômica imposta pelo FMI, permitindo que ele examine as contas do país a cada três meses. Em 2005, a dívida externa pública excedeu os 200 mil milhões de dólares e somente 15,5 mil milhões de dólares foram pagos antecipadamente ao FMI. É evidente, portanto, que toda a dívida não foi reembolsada. Ademais, este pagamento foi muito desfavorável em termos financeiros, dado que a dívida com o FMI era relativamente barata, com taxas de juros de 4% por ano. Para saldar esta dívida, o Brasil emitiu de maneira acelerada: títulos da dívida externa a taxas de juros bem mais elevadas, de 7,5 a 12% ao ano, e títulos da dívida interna, remunerada a taxas muito altas de 19% ou mais à época. Ocorreu, portanto, uma grande contradição, que qualificamos de inexplicável: pagamos antecipadamente, e sem qualquer benefício ou redução, uma dívida a 4% de taxa de juros e a substituímos por uma dívida muito mais onerosa (com taxas de 7,5% no mínimo para a dívida externa e mais de 19% para a dívida interna). Resumidamente, a dívida tem simplesmente mudado de mãos. Paramos de dever ao FMI para dever àqueles que adquiriram os títulos da dívida interna e externa. E como se não fosse o suficiente substituir uma dívida barata por uma dívida mais cara, não estamos livres dos ditames do FMI, tal como a obrigatoriedade de produzir um superávit primário [4] (que não visa outra coisa que a reserva de recursos para o pagamento dos juros da dívida), as privatizações, a manutenção da liberdade de circulação dos capitais, entre outros.
Continuamos a reembolsar uma dívida pública externa que se eleva atualmente a mais de 87 mil milhões de dólares – a total supera 340 mil milhões de dólares – enquanto a propaganda insiste que esta dívida está paga... No caso do FMI, o Brasil se comprometeu a emprestar até 10 mil milhões de dólares [5] . A propaganda política foi intensa. Na mente das pessoas, o FMI é o símbolo por excelência da dívida, sendo assim fácil acreditar que reembolsar sua dívida ao FMI equivalia a saldar a totalidade da dívida. O fato de que o Brasil dispõe de reservas cambiais de mais de 250 mil milhões de dólares aumenta a confusão. Estas reservas foram conseguidas de uma maneira muito onerosa. Primeiro, elas decorrem da entrada em grande quantidade de dólares, devido à valorização da moeda local, o real. Como o real ganha valor nominal em relação ao dólar, os especuladores internacionais compraram reais, para aproveitar as taxas de câmbio favoráveis. Assim, quando os dólares entram no Brasil, para limitar a quantidade de moeda em circulação e, portanto, a inflação, o Banco Central vende títulos da dívida interna emitidos com as taxas de juros mais elevadas do mundo. Com estes dólares, o Banco Central compra, principalmente, bônus do Tesouro dos Estados Unidos cuja remuneração é quase nula [6] . Por isso, o Banco Central acumula enormes perdas operacionais, que são em parte devido às taxas de câmbio e de outra parte à diferença entre os juros que paga e aqueles que recebe. Isso é extremamente grave; a dívida interna cresce de maneira exponencial e as reservas são expressas em uma moeda em depreciação, sem trazer qualquer benefício para o país.
SJ: É evidente então que a dívida é um assunto longe de ser concluído. Quais são as manifestações do problema do endividamento no Brasil e quais são os desafios nesta matéria?
MLF: Em primeiro lugar, é preciso assinalar que se a dívida externa é um assunto longe de ser concluído, o maior problema atualmente no Brasil reside na dívida interna que ultrapassa os dois trilhões de reais, ou seja, um milhão de milhões e duzentos mil milhões de dólares (ou 855 mil milhões de euros). Ela explodiu via mecanismos tais como a acumulação de reservas, como acabamos de explicar, ou ainda o anatocismo (pagamento de juros sobre juros, ou capitalização de juros), como comprovaram as investigações realizadas pela recente CPI na Câmara dos Deputados. O problema da dívida no Brasil salta aos olhos se observamos o orçamento nacional. As tabelas do orçamento são muito complexas, bem difíceis de compreender; há uma falta absoluta de transparência. É por isso que dentre os trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida nós traduzimos esta multidão de tabelas, buscando fazer um único gráfico, bastante esclarecedor. Este gráfico demonstra qual parte é destinada ao pagamento da dívida e qual parte é destinada ao social.
.
Em 2009, por exemplo, o Brasil destinou 36% de seu orçamento ao pagamento dos juros e a uma pequena porção do reembolso do capital (ou amortização [7] ), quando somente 4,6% e 2,9%, respectivamente, foram alocados para a saúde e a educação. Um setor tão fundamental como a água e o saneamento representaram apenas 0,08% dos gastos em 2009! E isto levando em conta que mais da metade dos cidadãos(ãs) brasileiros(as) não têm acesso ao saneamento das águas utilizadas! É um verdadeiro escândalo. O Brasil não é um país pobre, sendo a oitava economia mundial, mas é também um dos países onde a desigualdade e a injustiça social são as mais fortes, e o país ocupa o 73º lugar na classificação das Nações Unidas, segundo o Indice de Desenvolvimento Humano (IDH) [8] . Mas isso vai mais longe ainda: se levarmos em consideração o endividamento para o pagamento de amortizações, serão então engolidos 48% do orçamento no serviço da dívida! O governo brasileiro dissimula esta verdade constrangedora e apresenta os números de tal forma que a emissão da dívida para a amortização não seja incluída no orçamento. Portanto, se quisermos alcançar justiça social, não podemos deixar de enfrentar a dívida. Se observarmos, por um lado, a evolução da alocação de recursos para o serviço da dívida e, por outro lado, para a educação, cultura, saúde, saneamento, segurança social, salário dos funcionários públicos que prestam serviços à população, etc, vemos que a cada ano aumenta o serviço da dívida em detrimento destes gastos vitais. O absurdo maior é que a dívida continua a crescer, como uma bola de neve, apesar das somas cada vez maiores destinadas ao seu reembolso. E o governo Lula não reverteu essa tendência, longe disso: o problema tornou-se ainda mais grave durante o seu mandato. É preciso assim, para enfrentar o problema, realizar uma auditoria, tal como previsto pela Constituição de 1989, e que até hoje não foi cumprida.
SJ: Com relação a isto, já mencionou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a dívida, que foi o resultado de uma grande batalha. Que conclusões tirou dessa experiência? Acha que a questão da luta contra o endividamento corre o risco de ser novamente enterrada ou existe ainda a possibilidade de que outros passos sejam dados na direção de uma verdadeira auditoria?
MLF: A CPI foi, de fato, o resultado de uma longa batalha. Conseguimos criar a CPI, mas não sem grandes dificuldades políticas: nem o governo de Lula, nem a oposição de direita queriam abordar o assunto. Apenas alguns raros parlamentares apoiaram realmente a CPI. Esta comissão foi importante, na medida em que introduziu o tema da dívida na pauta de debates e na agenda política. A cada semana, tivemos uma reunião pública da CPI com professores e especialistas convidados pela Comissão. Estas reuniões foram transmitidas pela televisão da Câmara dos Deputados e na web. Durante a Auditoria Cidadã da Dívida, começamos a receber mensagens de todo o país, com pedidos de explicações, esclarecimentos, entrevistas, etc. Houve um grande interesse, particularmente por parte dos estados brasileiros, devido ao fato de que, entre 1996 e 1998 (sob o governo de Fernando Henrique Cardoso), as dívidas de estados e municípios com o governo federal foram renegociadas. Após esta renegociação, as entidades federais e municipais viram-se pesada e injustamente endividadas, com as taxas de juros muito elevadas. O governo federal fez com que, de alguma maneira, os componentes da federação sofressem do mesmo mal sofridos por ele próprio a partir dos mercados financeiros. Após a conclusão da CPI, dois relatórios foram produzidos [10] . Um relatório oficial que, embora aponte para uma série de ilegitimidades e ilegalidades no seu diagnóstico, não faz as recomendações que teríamos o direito de esperar. O relatório reconhece que as taxas de juros vigentes no Brasil não são "civilizadas" e que são um dos fatores-chave no aumento da dívida, tanto do governo federal quanto dos estados e municípios do país; que a dívida interna aumentou para financiar a acumulação de reservas cambiais em dólares, resultando em um custo significativo para as finanças públicas; que o Senado Federal renunciou à sua competência ao permitir a emissão de títulos da dívida externa sem especificar suas características; que há uma falta de transparência na divulgação dos valores da dívida e que estão faltando certos documentos e informações solicitados pela CPI; que o total dos juros pagos anunciado pelo governo é inferior ao total dos juros efetivamente pagos, pois somente são tomados em consideração os juros que ultrapassam a taxa de inflação, ou seja, as taxas de juros chamadas "reais", sendo o restante dos juros contabilizados equivocadamente como se se tratasse da amortização do principal. O relatório oficial destaca, portanto, coisas graves, mas sem tirar daí as recomendações claras e decisivas que se impõem. O relatório nem sequer recomenda a realização de uma auditoria que, no entanto, é prevista nos termos da Constituição. Ele não considerou desejável a transmissão de informações ao Ministério Público para o aprofundamento das investigações. Graças à pressão de alguns setores da sociedade civil (sobretudo das entidades de servidores públicos), que foram ao encontro dos parlamentares, participando das reuniões públicas da CPI, agitando cartazes, etc, o relatório oficial foi aprovado por apenas oito votos. É o mesmo número de votos que aprovou o relatório paralelo elaborado pelo membro do PSOL – deputado federal Ivan Valente [11] , e que integrou ao seu relatório todas as oito análises técnicas que apresentei, na qualidade de assessora técnica da CPI. Este relatório alternativo tem, portanto, o mesmo peso político que o relatório oficial. O relatório de Ivan Valente revela muitos indícios de ilegalidades, todas devidamente documentadas, sendo os principais: o pagamento de juros sobre juros, dito "anatocismo", que foi considerado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil; os juros flutuantes da dívida externa, que podem ser considerados como ilegais, segundo a Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados de 1969; a ausência de contratos e outros documentos; a ausência de conciliação de cifras (por exemplo, falta de identificação das dívidas objeto de renegociações desde a década de 70); o caráter ilegal da livre circulação de capitais, que está na origem do aumento da dívida interna a partir de 1995; a violação dos direitos humanos garantidos pela Constituição, em função dos imensos recursos destinados ao pagamento da dívida; o conflito de interesses entre o Banco Central e o setor bancário privado e outros detentores de títulos da dívida, que se reúnem para definir as previsões de inflação e que determina, por sua vez, a taxa de juros. O relatório alternativo foi apresentado ao Ministério Público Federal e agora há uma pressão da sociedade civil para que um grupo de trabalho seja formado, a fim de que as investigações sejam mais aprofundadas. A CPI constituiu, portanto, uma etapa extremamente importante, uma vez que, além de reabrir o debate sobre a dívida, nos permitiu ter acesso a diversos documentos relevantes. Mas a luta não acabou. Continuamos a exigir o respeito à Constituição de 1988 através da realização de uma auditoria.
SJ: Dilma Roussef, do PT (Partido dos Trabalhadores), sucederá a Lula a partir de janeiro de 2011. O balanço do governo Lula é pelo menos decepcionante: nenhum progresso na reforma agrária, busca de um modelo extrativista e agro-exportador destrutivo para a natureza, de uma política fundamentalmente pró-capitalista, para não mencionar o imperialismo brasileiro na América Latina ou na África. Dilma vai seguir os passos de Lula?
MLF: Durante a campanha, Dilma disse que iria continuar a política de Lula, e suas declarações sobre a política econômica e monetária são consistentes com o regime de cumprimento das metas de inflação. É uma forma de tranquilizar os mercados em relação à continuidade do endividamento, pois o sistema de metas de inflação é a garantia de que o Banco Central compre o excedente de dinheiro em circulação para conter a inflação. Um controle dos capitais que entram no país poderia ser criado para limitar a inflação, mas não é esse o caminho escolhido. Permite-se a entrada de capitais especulativos, seja qual for a quantidade, e depois compra-se o excedente transformando-o em reservas de um lado e de outro em dívida interna. É realmente lamentável, porque as coisas poderiam ter mudado no governo Lula, que se beneficiou do apoio popular e teve o mandato para fazê-lo. Mas Lula tem seguido a política de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Infelizmente, acho que Dilma vai fazer o mesmo. Mas ela não tem o mesmo carisma que Lula, por isso tenho mais esperanças nas atividades dos movimentos sociais que foram extremamente enfraquecidos durante a era Lula. Acho que os movimentos sociais serão mais ativos e menos complacentes do que o foram com Lula. Daí a esperança por uma luta mais intensa, de uma pressão maior em favor de uma mudança progressiva.
08/Fevereiro/2011
Notas
[1] Ver por exemplo o Power Point em inglês realizado para IX Seminário internacional sobre o direito e a dívida, no Senado belga: www.cadtm.org/9th-CADTM-International-Seminar
[2] A partir de Novembro de 2008 o Equador suspendeu o pagamento sobre grande parte da sua dívida comercial, constituída por títulos (títulos Global 2012 e 2030), cuja auditoria havia provado que estava pejada de fraudes e de numerosas irregularidades. Em Junho de 2009, os detentores de 91% dos títulos em causa aceitaram a proposta de recompra dos mesmos a 35% do seu valor nominal. Isto representa par o governo uma economia de 300 milhões de dólares por ano ao longo de 20 anos. Ver www.cadtm.org/Les-experiences-en-cours-au
[3] Pelo artigo IV dos seus estatutos, o FMI efectua consultas periódicas com os países membros, analise a sua política económica e faz-lhes recomendações.
[4] Nos acordos efectuados com os países membros que solicitam seu apoio financeiro, o FMI geralmente exige a realização de excedentes orçamentais primários, ou seja, que o orçamento, antes do pagamento dos juros da dívida, seja excedentário, mesmo se isso implicar cortes claros nas despesas sociais.
[5] Em Janeiro de 2010 o Brasil e o FMI assinaram um acordo pelo qual o Brasil se compromete a emprestar até 10 mil milhões de dólares através da compra de obrigações emitidas pelo Fundo. Ver o comunicado de imprensa do FMI: www.imf.org/external/np/sec/pr/2010/pr1014
[6] Para mais pormenores sobre este mecanismo, ver Éric Toussaint, Banque du Sud et nouvelle crise internationale. Paris/Liège : Syllepse/CADTM, 2008, capítulo 1, p. 38-39 e "Banque du Sud, contexte international et alternatives", www.cadtm.org/Banque-du-Sud-contexte,1998 http://www.cadtm.org/Banque-du-Sud-...
[7] O serviço da dívida, ou seja, as quantias consagradas ao seu reembolso, compreende por um lado o reembolso do capital emprestado (diz-se amortização) e, por outro, o pagamento dos juros.
[8] O IDH é um índice composto que faz a síntese dos indicadores de esperança de vida, de nível de instrução e de rendimento.
[9] O artigo 26 do Acto sobre as disposições da Constituição de 1988, adoptado após duas décadas de ditadura, dispõe que: "Num prazo de um ano a contar da promulgação da presente Constituição, o Congresso da Nação promoverá, através de uma comissão mista, a análise e a perícia dos actos e factos geradores do endividamento". Ele precisa que esta comissão terá o carácter legal de comissão de inquérito parlamentar associada ao Tribunal de Contas e que, em caso de irregularidade, o Congresso emitirá uma declaração de nulidade e a transmitirá ao Ministério Público.
[10] Para um balanço da CPI, ver igualmente "Brasil: que contribuições da Comissão de parlamentar de inquérito sobre a dívida?", por Virginie de Romanet: www.cadtm.org/Bresil-Quels-apports-de-la
[11 Ivan Valente do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) foi do deputado na origem da criação da CPI. Ver www.cadtm.org/Bresil-la-Commission-d-enquete
[NR] Um falso problema, como já foi mostrado numerosas vezes por resistir.info.
[*] Coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública (CAIC) no Equador em 2007-2008 e participou ativamente nos trabalhos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a dívida realizada no Brasil. A entrevista foi realizada durante a sua permanência na Bélgica. Ver também o seu Power Point (em inglês) apresentado no IX Seminário Internacional sobre o Direito e a dívida no Senado belga 


Buscado no Gilson Sampaio

Modernização capitalista e reforma agrária

Por Joaquim Aragão

 
Temos de analisar a reforma agrária não apenas como uma questão de justiça social e sim de urgência nacional. O solo brasileiro é a grande riqueza nacional, e esse recurso é pessimamente utilizado; pior, ele está sendo devastado. Basta sobrevoar os estados do Sul e do Sudeste (nem precisamos ir às fronteiras agrícolas) para ver o quanto a terra é mal utilizada e maltratada. Muita terra devastada e abandonada. Cada vez mais novos desertos...Como nosso país é feio, visto de cima! Não precisa nem viajar sobre a Europa, onde a disparidade é gritante; até nos outros países da América do Sul o solo é melhor aproveitado!
O nosso modelo latifundiário, além de não agregar valor e estar dominado pelo capital estrangeiro (pel menos nas partes mais agregadoras de valor), se esgotou em termos de produtividade. Temos de dar um choque de produtividade no nosso maior recurso.
Assim, a reforma agrária tem de ser desenhada como uma políticia estratégica, para fazer o nosso solo render mais, dados, claro, os limites ambientais existentes (preservação dos mananciais de água, da qualidade do solo e dos recursos naturais). A lógica industrial de grande produção não pode ser transferida automaticamente para o campo: a experiência negativa da agricultura socialista, que se apoiou na grande produção industrializada, é prova disso!
Para boa parte dos produtos, a escala de ótima de produção dos empreendimentos é menor do que nas industrias de transformação, e cabe muito bem na agricultura familiar. Na Europa, a agricultura familiar é a grande força produtiva e política (o que não impedem que eles estejam ligados e sendo brutalmente explorados pelos setores industriais de insumo e comerciais...).E como ela é moderna e produtiva (basta ver as feiras agrícolas e de alimentos)!
Assim sendo, a reforma agrária deve visar, antes de mais nada, a profusão de uma moderna agricultura familiar, não apenas redistribuindo e aproveitando melhor o patrimonio do solo, mas também apoiando o empreendedorismo desses agricultores. Claro, protegendo-os devidamente da superexploração selvagem do agrobusiness, sem deixar de integrá-los, de forma intensamente regulada, a esse business.
Claro, isso vai provocar uma revolta dos latifundiários. Mas aí o governo tem de ser firme, com as seguintes medidas:
a) aumentar as exigências para que os imóveis rurais sejam considerados como produtivos.
b) recentralizar e aumentar os impostos sobre a propriedade rural; aplicar tributação punitiva para propriedades avaliadas como improdutivas;
c) possibilitar que dívidas agrícolas sejam quitadas mediante devolução de terras, pelo menos parcial;
d) incentivar, junto ao agrobusiness, o apoio à agricultura familiar;
e) reforçar os programas de qualificação agrícola, inclusive a melhoria radical do ensino fundamental em ambiente rural.
f) apoio à construção e ao financiamento habitacional rural, no contexto de um programa de urbanização agrícola, que contenha as demais infra-estruturas urbanas para a população agrícola.
g) legalização das terras griladas sómente com disponibilização de boa parte delas para a reforma agrária e preservação ambiental, e pagamento de uma indenização razoável à sociedade. O projeto de Lei atualmente em tramitação tem de ser retirado da pauta.
h) racionalização do uso dos recursos hídricos, preservação do solo e das paisagens naturais, e adoção obrigatória de projetos de paisagens rurais no planejamento regional.
i) Políticas de combate á pobreza rural que partam da eliminação das relações de dependência e exploração a que estão submetidas as popuções rurais: além de bolsas, democratizar o direito ao acesso aos recursos hídricos e energéticos; ao solo, ao financiamento, à educação e à saúde.
Essas medidas têm de ser compreendidas não como "revolução socialista", e sim como modernização da nossa economia capitalista, atualmente atrasada e dependente, para que o campo possa ser melhor utilizado enquanto patrimônio nacional. O combate à inflação, a redução das fragilidades macroeconômicas, tudo isso passa por esse tipo de reforma agrária.
O contribuinte urbano não pode continuar a financiar a agricultura improdutiva com empréstimos e infra-estruturas sem que o atual agrobusiness (que de moderno só tem o nome)  faça a sua parte.

(Comentário ao post MST se reúne com Anastasia)


Buscado no EngajArte

Assim não, companheiro Chavez

Carlos Aznaréz

 
A decisão do governo venezuelano de entregar às autoridades do criminoso regime colombiano o jornalista Joaquín Pérez Becerra, director da agência ANNCOL, é um gesto que suscita as maiores preocupações. Em primeiro lugar pela ameaça que assim passa a pesar sobre a sua integridade física e a sua vida às mãos de um regime para o qual o assassínio de opositores é prática corrente. Em segundo lugar pela atitude política que esta entrega manifesta. Todos aqueles que têm visto no processo bolivariano da Venezuela razões de esperança num contributo para a emancipação nacional e anti-imperialista dos povos latino-americanos só podem encarar com profunda apreensão este gesto. Não pode bater-se coerentemente pela emancipação do seu povo quem pactue desta forma com regimes que exercem a mais bárbara opressão sobre os seus próprios povos.

Esta segunda-feira, 25 de Abril, passará para a história das lutas revolucionárias como o dia em que atiraram ao lixo os princípios mais elementares de solidariedade internacionalista. Não é possível permanecer calado, nem fingir que não vemos quando um irmão, um colega, um companheiro, um revolucionário, é enviado à tortura e ao cárcere na Colômbia, por culpa de acordos espúrios (quase sempre económicos, porque o maldito dinheiro, você sabe, cheira à enxofre, companheiro Chávez).
O que, por lógica, não poderia acontecer, aconteceu: Joaquín Pérez, excelente jornalista da agência alternativa ANNCOL, que nutre o profissionalismo daqueles que praticam o jornalismo sem vendê-lo e nem alugá-lo, foi deportado pelo governo revolucionário, para que o governo fascista de Juan Manuel dos Santos o julgue e o maltrate.
Isto, companheiro Chávez, sua (nossa) admirada Cuba não teria feito e nos consta que não o fez em seus 52 anos de existência rebelde. Jamais teria cedido um milímetro (sempre esteve sendo pressionada, tanto como agora) pelos inimigos dos povos latino-americanos. No entanto, não podemos dizer o mesmo de seu governo, apesar de, você bem sabe, termos colocado nossa cabeça a prémio para respaldar-lhe à frente de seu povo. Não somos daqueles que se emudecem quando percebem que algo anda mal, porém também não somos do tipo que colocam paus na roda, tampouco fazemos o jogo do inimigo, conspirando ao primeiro erro de um processo revolucionário. Por conta do ocorrido (que não foi uma coisa pequena), dizemos a você, companheiro Chávez: lamentavelmente, este erro grave deixará sequelas.
É claro que já existiam antecedentes em seu governo. Foram eles que nos advertiram sobre o equivocado caminho trilhado, principalmente no que se refere à solidariedade internacionalista. Primeiro, no começo de seu governo, um companheiro basco, que se encontrava legalmente refugiado na Venezuela, foi expulso. Em seguida, começou o romance com Santos e foram enviados para a Colômbia, da pior maneira possível, vários companheiros do ELN e das FARC. É preciso recordar que o internacionalista basco também foi expulso sem nenhuma razão, mesmo sabendo-se que, na Espanha, (a do Rei que o insultou com aquele bordão “Por que não se cala?”, e de Zapatero) se violam todos os direitos humanos de bascos e bascas. E agora, a cereja do bolo, em função do acordado na reunião com Santos.
Nos dá raiva escrever esta nota. Nunca pensamos ter que escrevê-la, mas nos ensinaram na política da rua, essa que se pratica nos bairros, nas fábricas, nas comunidades, que o pior que pode ocorrer a um homem ou uma mulher é não se sensibilizar frente a injustiça ou, em nome das benditas “políticas de Estado”, buscar argumentos para, finalmente, abrir mão de valores, de forma submissa, perante os inimigos de nossos povos.
Companheiro Chávez, nós que apoiamos sua revolução desde fins de 1998, que nos mobilizamos no exterior para defendê-la quando o fascista Carmona tentou frustrá-la ou quando a oligarquia petroleira tentou o mesmo em 2002, nós que defendemos a ALBA e tudo o que isso significa, perguntamos a você: temos que ter cuidado ao viajar para a Venezuela para que não nos acusem de terroristas?
Nós que não calamos e nem deixamos de defender os que lutam no mundo contra o fascismo e o imperialismo, por isso respaldamos os lutadores independentistas bascos, os combatentes das FARC e do ELN e todos os que, como eles, dão suas vidas pela liberdade e pela soberania, nos perguntamos: seremos os próximos expulsos, extraditados, entregues aos inimigos da Revolução Bolivariana?
Hoje, nos sentimos feridos, doloridos, desconcertados, porém alertas. Sabemos que nos covis dos inimigos, dos nossos e dos seus, companheiro Chávez, ocorre uma fenomenal festa. Imaginamos a senhora Clinton, o Obama, a oligarquia colombiana, os escritores de “El Tiempo” ou “El Expectador” e toda essa máfia de assassinos, torturadores e gestores da destruição de povos inteiros, rirem e dizerem – desta vez, com razão – que obtiveram uma vitória contra a solidariedade, povo a povo.
Repetimos, companheiro Chávez: humilde, mas revolucionariamente, você se equivocou. Infelizmente, este erro não tem desculpa, não possui maneira alguma de minimizar o que foi feito ao companheiro Pérez Becerra. Só nos resta pedir que reflicta por um momento, que pense em como se sentia quando esteve algemado, juntamente com seu Movimento Bolivariano Revolucionário, em 2000. Como seria seu destino ante uma circunstância parecida? Assim, seguramente você compreenderá a decepção descomunal gerada pela atitude tomada por seu governo.
Novamente, a partir da Argentina, voltamos a pedir que a solidariedade seja defendida com todas as forças. É por isso que abraçamos o companheiro Joaquín Pérez Becerra e exigimos sua liberdade imediata. Antes, perdemos a batalha, fazendo o mesmo pedido ao governo revolucionário da Venezuela. Agora, exigimos o pronto atendimento de nossa reivindicação ao governo contra-revolucionário da Colômbia e conclamamos a todos que redobrem sua mobilização até alcançá-la.

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza

Buscado no  Odiario.Inf

Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho, para romper com passado de exclusão


Altamiro da Silva e sua esposa voltaram a estudar “depois de velhos”, como ele mesmo diz. Vivem no assentamento 17 de abril. Altamiro veio de Goiás para trabalhar no garimpo do sul do Pará, mas chegou tarde para a extração manual, atividade já enfraquecida, então. Foi quando decidiu entrar no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Isso foi há 16 anos.

Ele e a esposa, ambos com mais de 40 anos de idade, estão matriculados agora no ensino fundamental pelo EJA, o programa federal de alfabetização voltado para jovens e adultos.  “Essa camisa aqui é o uniforme da escola. Está vendo o meu nome?”, mostra Altamiro.

A filha deles, Gislane, tem 18 anos. A primeira sala de aula em que entrou foi na escola Oziel Alves Pereira, orgulho do assentamento, onde estudou até o terceiro colegial. Os atuais professores do ensino fundamental e muitos do ensino médio se formaram e hoje dão aulas na Oziel.

Ela atende a mais de mil alunos em três turnos, do maternal ao terceiro colegial. A escola leva o nome de um jovem militante que, já no hospital, foi espancado até a morte, no dia do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.

Hoje, Gislane é professora e trabalha no programa estadual de alfabetização “Sim, eu posso”, também voltado para jovens e adultos. O programa tem 14 professores no assentamento, cada um com cerca de 10 alunos, número máximo por turma. As professoras dão aula em suas próprias casas, mas se for preciso vão até onde os alunos vivem. Gislane viu seis de seus alunos serem certificados este ano.

Ao longo de mais de uma década de militância, o pai dela, Altamiro, ocupou inúmeros cargos dentro do movimento e hoje é fiscal da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento 17 de Abril (ASPCTRA)

O lote de terra que ele ocupa é tido como exemplo de plantio orgânico bem sucedido. Altamiro orgulha-se particularmente do cultivo de cacau, que em 2010 rendeu duas toneladas e meia – mais do que qualquer outro produtor do município.

Muitos dos assentados passam por um processo de formação do MST. Mas, para Altamiro, foi na experiência cotidiana que aprendeu o que sabe: “Já vi muita miséria. Aprendi simplesmente porque colono não pode errar, se não a família toda sofre. É como na escola: quem tira nota baixa não passa de ano”.

Altamiro gosta de se explicar fazendo comparações. Em relação à terra, parece ser ela sua suprema companheira: “ É igual com mulher: no começo você fica deslumbrado, mas depois que se acostuma com ela, já quer trocar. Não pode ser assim, tem que tratar bem a terra, cuidar dela, que a relação dura para sempre”. Quando perguntado se aplica agrotóxicos em seu lote, responde com ternura: “Imagina, você ter uma planta bem linda e alegre, depois você vai jogar veneno nela?”



Segundo Luis Lima, presidente da ASPCTRA, a escola adota o método Paulo Freire, que associa a aprendizagem às questões concretas do cotidiano. Os programas para adultos são sempre divididos em módulos: o estudante passa 45 dias na escola e, em seguida, 60 dias no trabalho prático do campo, para que não se desligue de sua realidade.

Diversas citações de Freire estão pintadas nas paredes da Oziel Alves Pereira.

A escola é reconhecida como uma das melhores da região. É uma construção espaçosa e arejada, de 12 salas de aula equipadas com ar-condicionado, auditório para 100 pessoas, laboratório de química, salas de informática, de vídeo e biblioteca. Os equipamentos doados ao laboratório de química ainda estão encaixotados, já que os professores do próprio assentamento ainda não estão capacitados para utilizá-los: “Já pedimos à Universidade Federal do Pará (UFPA) que mande alguém para dar assistência aos professores. Tem produto químico que já está até vencido”, explica a coordenadora Risângela Almeida.

O objetivo da escola é montar um programa pedagógico que contemple a realidade do campo. Na biblioteca estão guardados dezenas de livros didáticos que foram doados pela Secretaria Estadual de Educação mas que, segundo a coordenadora, são inadequados para qualquer escola fora do Sudeste: “Os jovens estão saindo do campo para trabalhar em qualquer subemprego na Vale do Rio Doce. Queremos formá-los para que criem vínculos com o campo e com sua história”.

Risângela vivia em Brasília quando foi visitar a irmã no assentamento e decidiu que queria viver ali. “No começo é difícil, mas depois a gente vai pegando amor pelas coisas daqui, pelas pessoas. É assim que tem de ser”. Ela já tinha prestado o vestibular várias vezes quando conseguiu entrar no curso de Letras da UFPA através de um convênio entre a universidade e o MST. Durante o dia assistia às aulas e, à tarde, voltava para o assentamento.

Risângela reclama da falta de autonomia em relação à Secretaria de Educação, que é quem financiou a construção da escola. Os trinta professores são selecionados pelo município de Eldorado dos Carajás: “Conseguimos ao menos que a Secretaria desse prioridade a professores do assentamento. Não queremos gente de fora”.

A coordenadora ressalta a importância do currículo de português. Acredita que os alunos devam aprender a ler e a escrever com fluência antes de estudarem a gramática: “Temos de dar o que eles realmente precisam. Discutimos e interpretamos muitos textos na sala de aula”. Uma vez por ano, é organizada a “Noite com poesias”. Na quadra da escola, todos os alunos, do maternal ao colegial, declamam poesias de autoria própria ou de poetas consagrados, como Cecília Meirelles, Vinícius de Morais e até Charles Trocate, militante do MST e autor de três livros de poesia.

Um exemplo sempre citado no assentamento é o de Leonildo, que entrou na escola sem saber ler ou escrever. Agora, com mais de sessenta anos, está na oitava série. Durante a semana de atividades para relembrar o massacre de 17 de abril, ele subiu no palanque da praça central do assentamento para declamar um poema em formato de cordel que ele mesmo escreveu.

Charles Trocate entrou no MST aos 16 anos de idade. Passou nove meses em um programa de estudos. “É aí que se consolidaram em mim preocupações mais gerais, o hábito da leitura, a profunda fé no trabalho coletivo e as primeiras formulações poéticas”, conta.

Hoje ele é da coordenação nacional do movimento. Um poeta reconhecido: “Falam que meus poemas são difíceis, mas eu não sei escrever de outro jeito. Com 16 anos entrei para a escola do movimento e ficava lendo Marx, Gramsci… Imagina só o jeito que eu saía falando das aulas!”, explica. A poesia do uruguaio Mario Benedetti foi uma de suas primeiras leituras. “O poeta se constrói ao construir. Não fica satisfeito até conseguir criar uma grande metáfora. Lia [Walt] Whitman, que me ensinou o poema-conceito; Drummond, que é a base da nossa educação sentimental; Maiakovski, que fala do trabalho na arte”.  Tanto aprecia Maiakovski que está aprendendo russo para traduzir um de seus poemas para o português.

Expulso da escola depois de um ano, Charles nunca mais retornou ao sistema de ensino convencional.  Quando menino, trabalhou no garimpo por dois anos. Como não era permitida a entrada de mulheres, nem de bebida, os garimpeiros iam à chamada “Cidade do Trinta”, atual Curianópolis, onde Charles passou a vender cuscuz às prostitutas na porta de boates. Trabalhou de bananeiro a engraxate. Foi alfabetizado pela irmã mais velha, que o ensinava a ler placas: “A gente morava na beira do rio, então descíamos para lavar as placas e aprender as letras. Até hoje tenho mania de ler todas as placas que vejo”.

Charles já publicou três livros de poesia pela editora Expressão Popular. No ano passado, foi convidado para fazer parte do Academia de Letras do Sul e Sudeste paraense: “Houve quem se opôs à minha aceitação porque sou do MST”.

Apreciador e estudioso de música, ele também coordena um grupo composto por jovens assentados e inspira-se em compositores consagrados: “Minha mãe colocou o disco do Bob Dylan para tocar quando eu tinha dois anos de idade. Desde então, sou marxista e poeta”, conta aos risos.

Atualmente, está escrevendo um texto sobre a relação entre a arte e o movimento político: “Não acredito em arte camponesa porque não acredito na arte operária. Arte é catarse, emancipa o homem e não pode estar presa a uma classe social”, defende Charles.

Clique aqui para ler o primeiro artigo da série, que fala sobre as sequelas físicas e psicológicas do massacre


 

Buscado no MST

Os gastos das lobbies

O que é uma lobby?


Vamos ver o omnipresente Wikipedia:
Lobby (do inglês lobby, ante-sala, corredor) é o nome que se dá à atividade de pressão, muitas vezes individual, ostensiva ou velada, de se interferir nas decisões do poder público, em especial do Legislativo, em favor de interesses privados.
A palavra lobby tem origem inglesa e significa salão, hall, corredor. Segundo alguns estudiosos, o fato de várias articulações políticas acontecerem nas ante-salas (lobby) de hotéis e congressos, fez nascer a expressão “lobbying” (lobismo) para designar as tentativas de influenciar decisões importantes tomadas pelo poder público, sobretudo aquelas relacionadas a questões legislativas, de acordo com interesses privados de alguns grupos ou setores inteiros da sociedade.

Enquanto nos Estados Unidos o lobby é uma atividade considerada como parte do processo político (ser lobista é uma profissão reconhecida e a atividade em si é regulamentada por leis), em outros países como o Brasil, a atividade é informal e não regulamentada, o que pode dar margem a interpretações de corrupção.

Então, a lobby parece algo que existe numa zona cinzenta, entre a legalidade o crime.

Na minha óptica, é uma forma de pressão que tende a condicionar as escolhas dum parlamento, e como tal não deveria ser permitida por várias razões, as primeira das quais são
1. o facto do Parlamento legislar não com base no bem comum mas nos desejos de poucos
2. o lobismo favorece a corrupção e quem afirmar o contrário vive no País das Maravilhas. 

Mas esta é uma opinião pessoal, pois como vimos há Países (os EUA, por exemplo) onde a lobby é reconhecida.

O Time publica um interessante gráfico que reporto a seguir. Mostra quanto gastaram as lobbies em 2000 e 2010.

Para apreciar os dados é preciso pensar da seguinte forma: como as empresas privadas não operam segundo os princípios da Cruz Vermelha, é claro que ao gastarem X esperam obter X+Y.
E como de facto continuam a gastar (e mais do que antes) é óbvio que conseguiram o tal X+Y.
E que X+Y não foi obtido em nome do bem estar dos muitos, mas em nome do bem estar das empresas.

Acho não ser preciso qualquer comentário.



Fontes: Wikipedia, Time
 

sexta-feira, 29 de abril de 2011

BEBÊ ROUBADO NA DITADURA: FOI CRIADA PELO ASSASSINO DE SEU PAI

Do Site Fazendo Média










Victoria Montenegro: "Para mim a subversão estava se vingando deles que haviam sido soldados". Foto: Reprodução.



Me chamaram María Sol Tetzlaff Eduartes, nascida em 28 de maio de 1976 em Boulogne, San Isidro (cidade da província de Buenos Aires), como filha do coronel Herman Antonio Tetzlaff e de sua esposa, María del Carmen Eduartes. Eu nunca tive dúvidas de que não era María Sol, me diziam que era filha deles”, explicou Victoria Montenegro, respondendo indagação feita pelo “fiscal” (procurador/promotor) Martín Niklison – “A senhora viveu com outra identidade durante muitos anos?” – em audiência num Tribunal Federal de Buenos Aires, no último dia 25, em julgamento sobre o roubo de bebês de presos políticos desaparecidos no período da ditadura (1976-1983).
(Na verdade, Victoria nasceu em 31 de janeiro de 1976. Seus pais eram Hilda Ramona Torres e Roque Orlando Montenegro, dois militantes da Juventude Peronista (JP) e em seguida do Exército Revolucionário do Povo (ERP). Treze dias depois do seu nascimento, um grupo da repressão entrou na casa onde viviam, em Boulogne. Herman Tetzlaff era o chefe do grupo, um militar que ocupou destacados cargos nas forças repressivas. Se apropriou de Victoria seis meses depois da invasão de sua casa, em cuja operação ele mesmo assassinou seu pai, conforme confessou mais tarde).
- Que versão lhe deram? – continua o procurador.
- Eu sempre tive dúvidas, mas sobre o horário em que havia nascido. O que perguntava à minha apropriadora era a hora: sabia que 29 de maio era o Dia do Exército. Me diziam que dia 28 Herman teve um desfile militar em San Isidro, ela se sentiu mal e eu nasci na Clínica do Sol.
- Quando apareceram as dúvidas de que não seria filha deles?

- Quando tinha nove anos, calculo, chamam Herman a uma Vara Criminal de Morón. Um dia eu o acompanho. Entro com ele no gabinete do juiz e o juiz pergunta se não era melhor que eu esperasse fora. Ele disse que não. O juiz tira do arquivo um processo e lhe diz que as “velhas” (“abuelas” e “madres”, avós e mães da Praça de Maio) já estavam começando a incomodar. Que ficasse tranqüilo, que o encarregado de tudo era outro colega, mas que tomasse conhecimento do que estava ocorrendo.
Isso aconteceu em torno de 1989, então ela devia ter cerca de 13 anos. Victoria não se lembra do nome do juiz, mas sabe que nesse momento começou o processo contra o coronel Herman Tetzlaff.
Pensava que os desaparecidos eram mentira, uma invenção das ‘Abuelas’”
- Até então o que eu sabia era que na Argentina houve uma guerra, nesse momento eu considerava Herman como meu pai, para mim a subversão estava se vingando deles que haviam sido soldados; que os desaparecidos eram mentira. Pensava que não eram pessoas físicas, e sim uma invenção das ‘Abuelas’ (Avós da Praça de Maio)”.
Toda vez que aparecia na TV alguma informação que não batia com a versão sustentada na família, Tetzlaff sentava-se com ela para doutriná-la. Lhe dizia que a primeira coisa que a subversão fazia era atacar a família, a célula vital de uma sociedade sã. Que as “Abuelas” disseminavam as dúvidas para criar medo.
- Por isso, para mim, tudo eram mentiras: eu era filha dele e estava convencida de que tudo era uma invenção.
Tetzlaff era enorme: media dois metros e pesava 145 quilos. Era louro como sua mulher, descendentes de alemães. Viviam rodeados de policiais e de militares. Falava da causa:
- A causa não sei o que era exatamente, mas era uma bandeira celeste e branca (cores da bandeira argentina); eles eram os bons, havia uma causa nacional; era o cheiro de couro, as botas, a família cristã, a missa, jantar fora porque Mary (apelido da esposa) não cozinhava, para mim essa era a família: os restaurantes cheios e Herman que terminava as conversas com a 45 encima da mesa dizendo: ‘Eu tenho sempre razão, e mais ainda quando não a tenho’.
Quando Victoria completou 15 anos, Tetzlaff foi detido pela primeira vez:
- Herman estava muito nervoso. Um dia me chama e me comunica que já havia um processo a cargo de (o juiz Roberto) Marquevich, que era um juiz montonero, que as “Abuelas” estavam pelo meio, que o mais provável era que me tirassem sangue para comparar com o Banco Genético que na realidade era manejado pelas “Abuelas”.
Foi então advertida pelo suposto pai que iam dizer que ela era…
- …filha da subversão, assim é que com certeza depois venham e te tiram de casa. Enquanto isso, eu dizia que não: que aconteça o que acontecer, ia ficar com ele; ele me agradeceu e me disse que não esperava outra coisa de mim.
Me tomou um terror, porque era filha da subversão”
O resultado do exame de DNA deu o esperado: ela não era filha do coronel e sua mulher.
- Me disseram que em 99% eu não era filha deles, mas eu disse que ficava com esse 1%, porque sim era filha deles. Lhes dizia que eram todos uns subversivos, porque pensava que era filha deles.
Tetzlaff, que já morreu, desta vez ficou preso somente três meses. A Justiça pediu nova mostra de sangue para tentar identificar seus pais. Ela se negou e a questão chegou até a Corte Suprema, que respaldou sua recusa. Victoria levou a sentença da Corte Suprema ao coronel:
- Me lembro que Herman me esperava num restaurante próximo, e eu fui lá e levei a sentença. Me felicitou: ‘Muito bem, minha filha’, me disse. Dei a ele e me lembro que quando me sentei creio que foi o início do momento de começar a tomar conhecimento da outra história. Pensei: agora me deu um sinal se quero saber de algo”.
Finalmente, o desfecho: os avanços tecnológicos fizeram com que não fosse mais necessária nova mostra de sangue. O juiz Marquevich a chamou para dizer-lhe qual era sua verdadeira família.
- Me tomou um terror, porque era filha da subversão, esse foi o primeiro medo.
Hoje parece perfeitamente integrada à sua nova vida
Atualmente, Victoria Montenegro, 35 anos, casada, três filhos, lamenta não ter conhecido seus avós e uma tia (além dos pais, evidentemente), mas parece perfeitamente integrada à sua nova vida, inclusive dentro do espaço político e ideológico da democracia, talvez até da esquerda. Tive esta impressão ao vê-la e ouvi-la no programa “6, 7, 8” de Visión 7, TV Pública (estatal) da Argentina, na terça-feira, dia 26, no mesmo dia em que o excelente jornal argentino Página/12publicou reportagem de capa com ela. Esta minha matéria é baseada nesta reportagem, da qual, além das declarações entre aspas de Victoria, me apossei até de pequenos trechos do texto de Alejandra Dandan, que assina a reportagem.
O destaque principal da matéria de Página/12, no entanto, não é o drama enfrentado por Victoria na descoberta de sua verdadeira família. De fato, um drama já meio corriqueiro num país em que se estima a existência de 500 recém-nascidos roubados pelos repressores da ditadura (103 já tiveram sua verdadeira identidade restituída). O enfoque principal da reportagem foi a denúncia feita por Victoria sobre a cumplicidade do procurador Juan Martín Romero Victorica com Tetzlaff, tema de nova matéria de capa do jornal no dia seguinte. Romero Victorica continua tendo posição de destaque no Poder Judiciário e o assunto deve render, no cenário de avanço da sociedade argentina no sentido de apertar o cerco contra os cúmplices civis da ditadura.
Buscado no Boilerdo

* Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.

Só combater a pobreza é pouco para debelar o racismo

Fatima Oliveira *

Pobreza é uma coisa e racismo é outra coisa

O Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), produziu dois relatórios sobre a situação dos negros (Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2007-2008 e o de 2009-2010) - obrigatórios para o movimento balizar suas reivindicações e para orientar a ação de governos que não professam a fé bandida do racismo.

O Relatório Anual pinça as desigualdades raciais; procede a mensuração delas via indicadores econômicos, sociais e demográficos; e sistematiza avanços e recuos da equidade racial em seus múltiplos aspectos. O Laeser mantém o Fichário das Desigualdades Raciais: indicadores sociais e demográficos segundo o recorte racial/étnico, que, junto com o Relatório Anual, são guias indispensáveis para a elaboração e execução de políticas públicas, pois retratam o miserê vivenciado pelos negros na vida social e política.

No relatório de 2007-2008 destaco a conclusão que revela de modo inequívoco o quanto a ideologia racista está entranhada, de cabo a rabo, na amostra dos tribunais de Justiça estudados (85 casos em 13 tribunais, de 1º.1.2005 a 31.12.2006): "Nos acórdãos provenientes de decisões de primeiro grau, de natureza civil ou penal, 40% dos processos foram julgados como de mérito improcedente: o juiz analisou a questão e concluiu que a vítima não tinha razão. Em 5,9% dos casos, o processo foi julgado improcedente sem mérito. Isso implica que o magistrado não analisou a matéria de direito e de fato, permitindo que a vítima possa propor nova ação".

"Os processos julgados procedentes corresponderam a 35,3% dos casos e a procedência, em parte, correspondeu a 14,1%, juntos totalizando 49,4% dos casos. As vítimas, para o período estudado, ganharam mais que perderam nos processos de primeiro grau. Nos tribunais de segunda instância, as vítimas ganharam em 32,9% dos casos, enquanto os réus venceram em 57,7%: na fase de segundo grau, os réus vêm levando vantagem, tendo alteradas as decisões de primeiro grau, vencidas, na maioria, pelas vítimas" (www.laeser.ie.ufrj.br/relatorios_gerais.asp).

Parece difícil, mas é simples. A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) deve ousar agir junto aos tribunais visando elevar a consciência antirracista de seus integrantes.

Sem atacar de frente e a fundo os padrões culturais que alimentam o racismo, a luta será inglória.

Para o pesquisador Marcelo Paixão, em entrevista à "Afropress", "algumas políticas que vieram da Constituição significaram avanços" para a população negra. E cita o SUS: 80% dos negros se internam pelo SUS; os indicadores de universalização da cobertura da rede de ensino, entre 7 e 14 anos; e o Bolsa Família: a maioria dos beneficiários é negra.

"Para cada um desses indicadores, há tantos vetores que servem como contraponto que cada um deles fica colocado sob uma perspectiva que acaba não sendo muito otimista".

O relatório do Laeser de 2009-2010, cotejado com o momento bom da economia nacional, evidencia que uma política de combate à pobreza é necessária para extirpar a miséria e minorar a pobreza entre os negros, mas é insuficiente para conferir cidadania plena, caso não inclua ações antirracistas, pois pobreza é uma coisa e racismo é outra. Embora possam estar juntas, possuem dinâmicas diferentes.

O resto é balela. Bem sabe a ministra Luiza Bairros.




* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.
* Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.
Buscado no Vermelho