terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Comissão da Verdade: A verdade vem aí.

Paulo Sergio Pinheiro, da Comissão da Verdade, concedeu a seguinte entrevista a Sonia Racy:

- O que a Comissão da Verdade vai poder ou não?
- A Comissão da Verdade não poderá responsabilizar criminalmente nenhum torturador. A rigor, o Brasil não seguirá o caminho da Argentina, do Chile ou do Peru, países onde vários generais e agentes do Estado, que torturaram e mataram, estão em cana. A Lei de Anistia impede.

- Quais seriam, então, os limites dessa revisão?
- Reconstituir efetivamente o que ocorreu. É preciso saber a verdade sobre os crimes cometidos pelos agentes do Estado. O que aconteceu com os dissidentes estamos cansados de saber.

- Quais garantias a sociedade tem de que um ciclo de vinganças não se iniciará?
- Isso é paranoia imobilizadora. Ódio você não enterra com desconhecimento. A verdade é que esses torturadores são poucas centenas, um bandinho de criminosos nas Forças Armadas, na Polícia Militar e na Civil. A maioria esmagadora não está manchada de sangue. Não é possível que eles permaneçam com as suas promoções e pensões e tudo continue escondido. O cientista político italiano Norberto Bobbio diz que a luz do sol contribui para a melhoria das relações da sociedade.

- Sabe dizer se há pesquisas que vão neste sentido?
- Sim. As pesquisas mostram que nos países onde houve comissões da verdade as democracias tornaram-se muito mais eficientes, os crimes contra os direitos humanos diminuíram e se tortura muito menos. No Brasil, os torturadores atuais continuam torturando, apesar de ser crime. Eles acham que está tudo numa boa, que não acontecerá nada.

- E quais serão os poderes da comissão?
- No projeto, ela tem acesso a qualquer arquivo que exista. E só tem graça se for assim. Também tem a faculdade de convocar quem quiser, não pode obrigar, mas pode tornar público que as pessoas estão se recusando a vir. E a comissão não é obrigada a publicar tudo que descobrir. Uma opção, por exemplo, é fazer uma lista de nomes de torturadores e dar para a presidenta da República e para o ministro da Defesa.

- Acha que é mais justo divulgar o nome dos generais ou é mais prudente guardar?
- Não sei. No caso brasileiro, quem torturava era gente miúda, não era general. Era tarefa delegada para a tropa. O Chile nunca publicou os nomes, a Argentina publicou. A comissão pode decidir que os nomes não sejam publicados nos casos mais revoltantes, por exemplo.

- Quais serão os líderes da Comissão da Verdade?
- A líder é a presidente da República. Compete a ela escolher sete membros. Tem gente nervosa porque não haverá representantes das Forças Armadas. Isso é bobagem porque nas 40 comissões da verdade que já houve no mundo, desde a década de 80, não teve representante nem das Forças Armadas, nem das vítimas. E também não pode ter dos partidos. Não dá para generais ou soldados ficarem reclamando da presidente, que é inclusive a comandante em chefe das Forças Armadas. Seria falha grave de hierarquia.

- O general José Elito declarou que os desaparecidos políticos durante a ditadura não são motivo de vergonha para o País. Deveria ser demitido?
- Eu não sou a chefe dele. O que aconteceu é que quando você é nomeado ministro, e isso também ocorreu comigo, você fica muito exuberante, falando demais. Ele falou um pouquinho demais. As Forças Armadas brasileiras não compartilham dessa preocupação, elas têm sido um exemplo de respeito à legalidade institucional.

- Por que existe resistência à abertura dos arquivos?
- Talvez oficiais da reserva tenham solidariedade, talvez exista esse sentimento no ar, pelo que ouvi falar. Mas as Forças Armadas têm estado mudas, como devem estar, e totalmente respeitosas à presidente da República.

- No discurso de posse, Dilma homenageou os que tombaram, os companheiros de luta.
- Achei correto ela se solidarizar. Houve centenas de jovens que foram torturados e sequestrados pela ditadura. Ela não tem nada a esconder, quem tem o que esconder são os torturadores.

- Então, a anistia foi um erro?
- Para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos as autoanistias presenteadas pelos regimes sucessores das ditaduras não são válidas. A anistia é problemática. Os crimes do Estado não podem ser anistiados. Essa é a tese básica do direito internacional. Aqui no Brasil isso está resolvido pelo Supremo. É coisa julgada, não me cabe ficar discutindo, sendo eu membro brasileiro da Comissão Interamericana, pois a corte deu sentença recentemente condenando a anistia brasileira.

- Você acha que para o governo Dilma é politicamente conveniente reabrir esse tema?
- Acho que conveniência não é a palavra adequada. A tarefa da presidente está facilitada não só pela sua biografia, mas pelos passos que deram os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula. São 16 anos de ações acumuladas para nos aproximarmos da Comissão da Verdade. Eu não vejo nenhuma crise política, ninguém tem que chiar. O Nelson Jobim aprovou todo o projeto. O Estado brasileiro tem essa obrigação perante a comunidade internacional.

- Você acha que por Dilma ter sido guerrilheira complica ou facilita as investigações dos crimes da ditadura?
- É claro que o fato de a presidente ter tido essa experiência concreta é um fator importante na sua memória, na sua personalidade. Mas em termos da situação política é irrelevante. Está zerado para quem participou da luta armada e para os torturadores, conforme a Lei de Anistia, confirmada pela decisão do Supremo no ano passado.

- Ela pode ser encarada como revanchista e não a líder suprema do País?
- Isso é conversa para boi dormir. Um presidente da República não pode pretender fazer revanche. Os familiares querem a verdade dos fatos, não revanche. Eles não puderam enterrar os seus parentes.

- E quais seriam os prejuízos de não se instituir a comissão?
- Vamos continuar na rabeira, com esse débito absurdo com os familiares dos desaparecidos, o que é incompatível com a democracia. É constrangedor o Brasil, uma potência emergente global, ainda ter que ficar fazendo de conta que não houve tortura, de que ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Isso pega mal na comunidade internacional. Nós, que afirmamos ser essa democracia vibrante, na verdade somos ainda subdesenvolvidos em termos da verdade histórica.



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