terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Para não esquecer jamais

 Sanguessugado do Abelha

Carta O Berro
Jarbas Pereira Marques, estudante e comerciário, nasceu no Recife, a 27 de agosto de 1948, filho de Antônio Pereira Marques e Rosália Pereira Marques. Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), usava o codinome de Sérgio. Foi preso dia 08 de janeiro de 1973, na Livraria Moderna, centro do Recife, onde trabalhava e foi trucidado, juntamente com outros cinco companheiros. O fato teria ocorrido na cidade de Paulista, Região Metropolitana do Recife e o episódio ficou conhecido como O Massacre da Chácara São Bento.
Inicialmente, a versão oficial informava que os militantes políticos Soledad Barrett Viedma, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, José Manoel da Silva, Pauline Reichstul e Jarbas Pereira Marques foram mortos durante uma suposta troca de tiros, na Chácara São Bento, onde a polícia descobrira “um aparelho terrorista”. Anos mais tarde, porém, essa versão era desmascarada e surgia a verdade: todos foram presos e torturados até a morte, provavelmente em lugares diferentes, tendo a chácara sido utilizada apenas para forjar o cenário do falso “tiroteio”.
De acordo com depoimentos de testemunhas reunidos no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos,queda (como se dizia à época) dos seis militantes foi o tristemente famoso Cabo Anselmo, ou José Anselmo dos Santos, um ex-marinheiro que militou nas organizações de esquerda, mas, na verdade, era um agente policial infiltrado. Jarbas e seus companheiros da VPR foram presos pela equipe do delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS/SP), Sérgio Fleury, deslocado a Pernambuco para “cumprir a missão”. E o grande responsável pela
Após o final do regime militar em meados dos anos 1980, os arquivos dos órgãos de repressão política do Governo foram abertos e vieram à tona relatórios oficiais que confirmariam a mentira do “tiroteio” na Chácara São Bento. Também nessa época, o Cabo Anselmo rompeu o silêncio em que se mantinha e concedeu entrevistas assumindo ser delator. Primeiro, disse que fora preso e obrigado a falar. Depois, teve o cinismo de afirmar: “salvei o Brasil do comunismo”. Logo ele, que foi o assassino do próprio filho, pois Soledad, sua companheira amorosa, estava grávida quando foi morta.
Nesse Capítulo 3 da série Os Pernambucanos Trucidados Pela Ditadura Militar de 1964, o pe-az mostra um pouco da história de Jarbas Pereira Marques. Com um perfil do militante. Um depoimento de Mércia Albuquerque, advogado de presos políticos, que acompanhou de perto a luta dos familiares na terrível busca pelo corpo do torturado. E o depoimento de Nadejda Marques, filha única de Jarbas que mora nos Estados Unidos e tinha apenas meses de idade quando seu pai foi assassinado. (Sobre Soledad Viedma, leia Soledad no Recife, romance de Urariano Mota, Boitempo Editorial, 2009).
Um telefonema, a visita de dois estranhos e o massacre
Jarbas Pereira Marques nasceu no dia 27 de agosto de 1948 em Recife/PE. Ingressou no Movimento Estudantil Secundarista quando ainda estudava no Colégio Porto Carreiro, em Recife. Foi preso pela primeira vez a 17 de agosto de 1968, quando distribuía panfletos convocando os estudantes a comparecerem ao congresso da UBES. A polícia invadiu sua casa e encontrou livros e manifestos considerados subversivos pelos órgãos de segurança de Pernambuco. Foi torturado e contraiu tuberculose pulmonar logo após sair da prisão.
Jarbas Pereira Marques casou-se a 17 de dezembro de 1970 com Tercia Maria Rodrigues Marques e, em seguida, viajaram para São Paulo, regressando no final de 1971. Juntamente com o Cabo Anselmo (conhecido por Daniel), Jarbas trabalhava pela articulação da VPR no Nordeste. No dia 08 de janeiro de 1973, quando estava trabalhando na Livraria Moderna, em Recife, recebeu um telefonema e deixou a livraria com “estranhos” que vieram lhe buscar, deixando um recado para sua esposa, no qual afirmava que não voltaria mais.
Jarbas já tinha fortes suspeitas do envolvimento do Cabo Anselmo com a equipe do Delegado Fleury e os órgãos de segurança de Pernambuco. E, segundo informes de seus familiares, Jarbas e a esposa já estavam se mobilizando para deixarem o Recife, o País ou entrarem para clandestinidade. Não houve tempo: no dia 11 de janeiro de 1973 os jornais do Recife noticiaram a morte de Jarbas e mais cinco membros da VPR, na Granja São Bento em Paulista-PE. Jarbas deixou uma filha, com 10 meses de idade e muita saudades na família e entre os inúmeros amigos que tinha..
(Texto Grupo Tortura Nunca Mais)
Conheci meu pai através de fotografias em preto e branco
Nadejda Marques é economista, consultora e membro-fundadora do Centro de Justiça Global. Filha única de Jarbas Pereira Marques (preso, torturado e morto no Recife em 1973), a partir dos 09 meses de idade ela viveu, com a mãe, refugiada em vários países: Chile, Cuba, Suécia. Ainda criança, voltou ao Brasil, onde estudou e concluiu o curso de Economia. Desde 2003 mora nos Estados Unidos, onde é pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard. Escreveu um livro, Born Subversive: A Memoir of Survival, ainda não traduzido para o português, em que narra parte da sua história de vida. O depoimento a seguir foi concedido por ela, via Internet, ao jornalista Marcos Cirano, em setembro de 2010.
“Meu pai foi morto quando eu tinha 9 meses. Fui forçada a me separar da minha mãe quando ainda amamentava. Depois, nos reencontramos. Minha mãe é a personagem mais importante da minha estória até agora. Ela é a heroína, a inspiração e o exemplo de vida. Tento viver meus dias sempre buscando mostrar que a luta deles por justiça e dignidade não foi em vão.
Conheci meu pai através de algumas poucas fotografias em preto e branco. Tinha uma foto dele na livraria em que trabalhava. Uma foto com seu time de futebol na escola e uma foto comigo ao colo. Quando olhava as fotografias tentava encontrar um traço em comum. Diziam que eu tinha os olhos do meu pai e eu acreditava.
A minha lembrança mais antiga era de quando tinha cinco anos. Naquela época fotografia era uma coisa rara e cara. Guardei essas fotografias como um tesouro. Sempre soube que meu pai fora assassinado e os detalhes se revelavam aos poucos, ao passar dos anos. Talvez a minha compreensão dos fatos ia melhorando ao passar dos anos.
Cresci como refugiada até os oito anos, sabendo que era diferente, que pertencia a uma terra diferente, um país que, na minha cabeça, matara meu pai. Foi muito difícil para mim voltar ao Brasil.
Antes de completar quinze anos vi as fotos do meu pai torturado e morto. Os detalhes que eu há anos conhecia eram ainda uma abstração, mas as fotos eram viscerais. Essas fotos me afetaram profundamente. Algumas delas estão disponíveis na internet. Passei dias sem dormir e ainda hoje ao me lembrar delas fico com os olhos cheios de lágrimas.
Tenho uma filha de dez anos. Escrevi um livro para ela que conta essa história. Aos poucos vou apresentando a ela capítulos de nós. Espero que um dia ela possa conhecer e compreender a nossa história, mas também quero protegê-la. A tortura e a violência deixam cicatrizes em muitas gerações e crianças são especialmente suceptíveis a essa dor”
A mutilação era impressionante, que em um caixão normal não coube o corpo de Jarbas
Mércia Albuquerque (23/02/1934 – 29/01/2003) foi uma advogada de presos políticos em Pernambuco, tendo iniciado essa atuação em 1964, quando ainda era estagiária (formou-se pela Faculdade de Direito do Recife) e participou da defesa de Gregório Bezerra, líder comunista preso e arrastado com uma corda ao pescoço, pelas ruas do bairro de Casa Forte, na capital pernambucana. Por sua atuação na defesa dos presos políticos, foi presa doze vezes,  enquanto perdurou a ditadura militar brasileira. Durante vários anos, organizou um diário em que relatava o sofrimento dos seus clientes, amigos e familiares. Este texto é parte de depoimento prestado por ela a 07 de fevereiro de 1996, na Secretaria de Justiça do Estado de Pernambuco, na presença do Secretário de Justiça do Governo de Pernambuco, Roberto Franca.
“Eu Mércia de Albuquerque Ferreira, casada, advogada, com identidade n.º 388.849-SSS/PE, residente à Rua Sete de Setembro n.º 197/52 - Boa Vista, Recife-PE, declaro que: Jarbas Pereira Marques não era um desocupado como na época se dizia. Ele trabalhou na Livraria Ramiro Costa, foi admitido em 02.12.71, como auxiliar de balcão. Depois trabalhou na Livro Sete Ltda, como balconista. Depois trabalhou na Livraria Moderna, da Rede de Cassimiro Fernandes, em 1973, onde foi preso.
Três dias antes da prisão de Jarbas, ele procurou-me à noite e entregou fotografias da família e uma fotografia que dizia ser o Cabo Anselmo; Carteira do Trabalho; Certidão de Casamento; Certidão de Nascimento e Certificado de Reservista. Disse que estava para ser preso e me disse que Fleury se encontrava no Recife, com a sua equipe, e que o Cabo Anselmo usava os nomes de Daniel, Jadiel, Américo Balduíno, era companheiro de Soledad, mas ele já havia descoberto que esta pessoa era infiltrada na organização.
Daí porque ele estava muito assustado. Porque ele já havia conversado com Ayberé Ferreira de Sá, e este fora preso; conversado com Martinho Leal Campos, e este fora preso. E com José de Moura e Fontes, que fora preso também, e com outras pessoas que ele não citou os nomes na hora. Disse que ele estava vivendo momentos de muita angústia e amargura, porque ele não tinha pessoalmente nada a ver com estas prisões.
Jarbas era um tipo romântico, ingênuo, e eu conversei com ele, disse que fugisse, ao que ele se negou dizendo que isso não faria. Pela segurança da filha e da esposa. Eu pedi que ele deixasse a criança sob meus cuidados. Ele me falou que não ia levar Tércia Rodrigues para uma aventura, porque ela era uma pessoa frágil e seria também assassinada. Aí era pior porque a menina ficaria órfã.
Quando foi no dia 08.01.1973, a mãe dele chegou muito aflita, ao anoitecer, e me disse que ele teria sido retirado por dois homens da Livraria - a Livraria ficava situada na Rua Ubaldo Gomes de Matos, 115. Ela ficou toda a noite na minha casa, em estado de ansiedade muito grande. No outro dia pela manhã mandei uma pessoa, uma amiga minha, ir até a Livraria, no sentido de comprar um livro do curso primário. A pessoa comprou e lá obteve a mesma informação: que ele teria saído com dois homens.
À tarde eu voltei para trocar o livro, dizendo que a pessoa teria levado da primeira série, mas o livro era da segunda. E perguntei ao balconista por Jarbas. Ele repetiu a história. Eu botei o retrato que eu tinha em mãos sobre o balcão e perguntei: foi este o homem? Porque se foi este o homem, eu acho que não há problemas, me parece que é parente dele. O rapaz me respondeu: foi este o homem e não tinha cara de amigo!
Eu voltei e comecei a busca. Não estou assim muito segura se foi no dia 09 ou no dia 10 que tomei conhecimento que seis corpos se encontravam no necrotério, que nessa época funcionava em frente ao Cemitério de Santo Amaro, na praça. Consegui a licença para entrar e, ao entrar, encontrei seis corpos realmente: Em um barril estava Soledad Barrett Viedma: ela estava despida, tinha muito sangue nas coxas, nas pernas e no fundo do barril se encontrava também um feto.
Eu fique horrorizada. Como Soledad estava em pé, com os braços ao lado do corpo, eu tirei a minha anágua e coloquei no pescoço dela - era uma mulher muito bonita. E estava também deitada numa mesa a Pauline. Eu então a cobri com uma toalha que tinha na entrada do necrotério. Uma toalha de mão, mas era grande, eu botei por cima do corpo dela.
Jarbas, que eu conhecia muito, estava também numa mesa, estava com uma zorba azul clara e tinha uma perfuração de bala na testa e uma no peito e uma mancha profunda no pescoço, de um lado só, como se fosse corda, e com os olhos muito abertos e a língua fora da boca. Me deixou assim muito chocada.
Os outros corpos jaziam -um estava de bermuda que eu não conhecia, outro estava de zorba e outro despido -, estavam pelo chão.Todos os corpos estavam muito massacrados. Pauline tinha a boca arrebentada, tinha marcas pela testa, pela cabeça e o corpo muito marcado.
Então eu, ao sair dali, fiquei pensando como daria essa notícia a dona Rosália (mãe de Jarbas) que ainda se encontrava em minha casa, justamente com Tércia e a filha de Jarbas que tinha apenas dez meses. Eu, ao chegar em casa, providenciei um chá para dona Rosália e, depois de muito tempo, muita conversa, ela disse: "Minha filha, meu filho foi assassinado com um tiro na cabeça, não foi?" Fique surpresa e disse: foi, contei como estava o problema e voltei com ela ao necrotério. Ela viu o corpo do filho na situação que se encontrava.
Então os corpos foram levados para a Várzea e, posteriormente, eu sei que Jarbas foi trazido para o Cemitério de Santo Amaro, e eu não tenho certeza, mas me parece que também as estrangeiras. Mas não estou bem a par disso, se elas foram removidas. Agora as pessoas que ali se encontravam sem vida eram a Soledad Barrett, a Pauline, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira, que foi preso na residência de Soledad e Manoel da Silva, que foi preso num Posto de Gasolina em Toritama.
A Soledad estava com os olhos muito abertos, com expressão muito grande de terror. A boca estava entreaberta e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade. Eu tenho a impressão que ela foi morta e ficou algum tempo deitada e a trouxeram, e o sangue, quando coagulou, ficou preso nas pernas, porque era uma quantidade grande. E o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali, ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror.
A Pauline, eu já falei o estado que se encontrava. E todos os corpos estavam muito estragados, marcas de pancadas, cortes. O que me impressionou foi porque aqueles corpos estavam desnudados e todos os corpos estavam inchados, uma coisa muito impressionante. Ao ponto que em um caixão normal não coube o corpo de Jarbas, tendo que ser feito, depois, um caixão especial para que ele fosse colocado.
Uma coisa que eu quero que fique esclarecida nessas minhas declarações é que eu recebi um telefonema de uma pessoa me falando que os corpos estavam no necrotério e, quando eu procurei, na época, informações no DOPS, a pessoa me informou que estava, e que pelo o que Jarbas me falou seriamente essas prisões foram feitas pelo Cabo Anselmo e por Fleury. Jarbas me disse que ele estava na época aqui em Recife - e pela violência da ação, pela barbaridade, pela crueldade, eu acredito que foi por Fleury. E Jarbas, quando me disse que Fleury estava aqui, ele tinha certeza e ele estava em pânico.
A esposa de Jarbas permaneceu na minha casa. Depois eu pedi a minha cabeleireira para cortar o cabelo dela curtinho - que o cabelo era grande e ela estava de trança, é possível até que eu tenha essa trança -, e ela foi maquiada, um vestido meu foi reformado para ela e ajudei-a a sair de Pernambuco, juntamente com a filha. E sei que ela foi para o sul, depois foi para o exterior. Eu sei que ela deixou a menina na casa da mãe dela, ela foi embora para o Rio e depois para o Chile, e depois para Cuba. A mãe dela levou a criança para companhia dela”.
Cabo Anselmo, agente policial infiltrato
José Anselmo dos Santos nasceu a 13 de fevereiro de 1942, na cidade de Itaporanga D’ajuda, Sergipe. Marinheiro de primeira classe, em abril de 1963 foi eleito o segundo presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), com sede no Rio de Janeiro. Foi nessa época que passou a ser chamado, pela imprensa, de Cabo Anselmo - isso porque os marinheiros de primeira classe têm duas fitas na farda.
Entre os dias 25 e 27 de março de 1964, a AMFNB, liderada por Anselmo, promoveu a chamada “revolta dos marinheiros”, ocasião em que os marinheiros rebelados ocuparam a sede do Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara. A rebelião provocou divisões e rupturas nas Forças Armadas e teria contribuído decisivamente para apressar o golpe militar daquele ano.
Após o golpe, Cabo Anselmo exilou-se numa embaixada, mas acabaria preso. Em 1966 fugiu da prisão, esteve em Cuba e outros países. Anos depois retornou ao Brasil e passou a atuar como militante de organizações de esquerda, sendo inclusive um dos chefes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) na qual também atuavam os seis militantes fuzilados em Pernambuco, dentre eles Soledad Viedma, sua jovem companheira que, segundo versões, estava grávida de quatro meses
Nunca ficou definitivamente esclarecido a partir de que momento o Cabo Anselmo passou a agir como agente policial infiltrado nas organizações de esquerda. Segmentos do Partido Comunista do Brasil (PCB) e do Grupo Tortura Nunca Mais afirmam que antes de 1964 Anselmo já era agente da CIA. Outros acreditam que o Cabo mudou de lado e se tornou o maior delator da esquerda armada apenas na década de 1970.
Um pouco do que se disse sobre o Cabo Anselmo:
1 - Líder da revolta dos marinheiros em 64, Anselmo atuou em várias organizações da esquerda armada, que ele próprio ajudou a destruir depois como informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo. Era protegido do delegado Sérgio Fleury, um dos nomes mais associados à tortura e morte no período. O ex-marujo saiu de cena em 73. (Folha SP, 31/7/09)
2- Em testemunho gravado dois anos antes de morrer, em 2003, Cecil Borer, ex-diretor do Dops da Guanabara. declarou à reportagem da Folha de S. Paulo que José Anselmo dos Santos não só atuava como colaborador do seu departamento no momento do golpe de Estado, como prestava o mesmo serviço ao Cenimar e à CIA.
3 - Cabo Anselmo frequentava o Dops de São Paulo, onde tinha um sócio, o delegado Josecyr Cuoco, com quem mantinha uma agência privada de informações que, com agentes infiltrados no movimento sindical e acesso aos relatórios dos alcaguetes do Dops, vendia informações para as multinacionais, especialmente do setor automobilístico, na época muito assustadas com o novo sindicalismo que nascia no ABC. ( Jornalista Antonio Carlos Fon ao no site do Luiz Nassif)
4 – Reportagem publicada pelo Jornal do Commercio, Recife 08 de fevereiro de 1995, sob o título Testemunhas confirmam ação do Cabo Anselmo na repressão - Depoimentos contestam versão oficial da morte de três militantes da VPR :
A participação do Cabo Anselmo – informante da polícia durante o regime militar – na prisão de sua companheira e militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) Soledad Barrett Viedma foi confirmada ontem, em dois depoimentos prestados ao Grupo Tortura Nunca Mais. Na presença do secretário Roberto Franca (Justiça), a ex-advogada de presos políticos, Mércia Albuquerque e a comerciante Sonja Maria Cavalcanti testemunharam pela primeira vez para contestar a versão oficial das mortes de Soledade, Pauline Reichstul e Jarbas Pereira Marques.
Sonja Maria reconheceu o Cabo Anselmo – em uma foto levada por Mércia – como sendo um dos homens que participaram da prisão de Soledad e Pauline. Ela contou que Soledad costumava ir a sua boutique, em Boa Viagem, deixar mercadorias para ser revendidas. No dia 8 de janeiro de 1973, Soledad e Pauline estavam na boutique quando cinco homens, se dizendo policiais, invadiram o local, bateram barbaramente em Pauline, enquanto Soledad, grávida do Cabo Anselmo, apenas indagava insistentemente “por que?”.
Depois, ainda segundo o relato de Sonja, as duas foram levadas em dois carros, um de placa 7831 (pertencente ao Incra) e o outro um volks particular, cuja placa não foi anotada. “Quase enlouqueço na época”, disse a comerciante que nunca teve militância política nem sabia do envolvimento das moças com a VPR. “Fui registrar queixa e me aconselharam a deixar as coisas pra lá. No dia seguinte é que vi a foto delas nos jornais e me dei conta da gravidade do caso”.
Relembrar a cena que presenciou no necrotério deixou Mércia Albuquerque, hoje com 61 anos e hipertensa, emocionada. Procurada por Rosália Marques, mãe de Jarbas Pereira Marques, desaparecido no dia 8 de janeiro de 73, Mércia conseguiu entrar no necrotério em frente ao Cemitério Santo Antônio, no dia 9. Ali reconheceu os corpos de Soledad, Pauline e Jarbas.
“Pauline estava nua, tinha uma perfuração no ombro e parecia ter sido muito torturada. Jarbas tinha perfurações na testa e no peito e marca de cordas no pescoço. Soledad, também nua, tinha ao seu redor muito sangue e aos seus pés um feto”, disse a advogada. Ela relembrou também uma conversa que teve com Jarbas três dias antes dele sumir. “Ele disse que a equipe de Fleury (Sérgio Paranhos Freury, do antigo Dops, em São Paulo) estava em Recife e que ia ser morto. Me entregou também a foto de Cabo Anselmo dizendo quem era ele e que usava os nomes de Daniel, Jardiel e Américo Balduíno”.
A versão policial afirmava que os militantes haviam sido mortos durante um estouro de um aparelho subversivo na Granja Timbi. Cabo Anselmo, agente infiltrado no grupo, teria sido o única a escapar com vida. No final dos depoimentos, as duas testemunhas receberam sete rosas do secretário Roberto Franca, exatamente 23 anos depois da data que a sentença contra os militantes foi tomada: 07 de janeiro de 73.

Buscado no Gilson Sampaio


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