terça-feira, 30 de novembro de 2010

“A América Latina enfrenta estado de emergência ambiental”

Por Milagros Salazar


Especialista uruguaio alerta sobre a extração acelerada de recursos naturais na América Latina sem preocupação com os danos ambientais, sob o pretexto de que a riqueza gerada sustenta programas sociais.

5 de julho, LIMA (Tierramérica).- A economia latino-americana baseada na exploração de recursos não cria bem-estar e resulta insustentável diante da ameaça da mudança climática, segundo o uruguaio Eduardo Gudynas, principal pesquisador do Centro Latino-Americano de Ecologia Social. Gudynas, que esteve em Lima para um painel com a Rede Peruana por uma Globalização com Igualdade, é um dos colaboradores do novo informe Perspectivas do Meio Ambiente da América Latina e do Caribe (GEO-ALC), elaborado pelo Programa das Nações Unidas (Pnuma), que será apresentado oficialmente este ano.
TERRAMÉRICA: O senhor afirma que na América Latina há um desequilíbrio entre a exploração dos recursos e a proteção da natureza. Qual a gravidade do problema?
EG: A América Latina enfrenta um estado de emergência ambiental, porque o ritmo para estabelecer novas áreas protegidas e fixar os controles ambientais, por exemplo no setor industrial, é muito mais lento do que o aumento dos impactos negativos da extração de recursos.
TERRAMÉRICA: Com a mudança climática, o risco é maior?
EG: Muito maior, não apenas pela vulnerabilidade dos países em desenvolvimento, mas porque não é abordada a responsabilidade da América Latina. Sempre fica em segundo plano que a principal fonte de emissões de gases-estufa na região é o desmatamento, seguido da modificação do uso do solo e da agricultura. Assim, discutir sobre mudança climática é falar de desenvolvimento rural, políticas agropecuárias e posse da terra. Entretanto, interesses econômicos e políticos impedem que assim seja feito. É mais simples falar de troca de lâmpadas do que destes grandes temas. Nos círculos internacionais, o foco é mantido na responsabilidade histórica das emissões dos países do Norte e deles é exigida compensação, e não acontecem ações na região para enfrentar a mudança climática e preservar o patrimônio ecológico.
TERRAMÉRICA: Como chegamos a este grau?
EG: Historicamente, o caminho do desenvolvimento para a América do Sul sempre foi a apropriação e a extração de recursos naturais. A atenção estava em como tornar isso mais eficiente e foi desperdiçada a possibilidade de diversificar as economias nos anos de preços altos dos produtos básicos. Dessa forma, foi acentuada a “primarização” da economia à custa do dano ambiental, inclusive em países com uma indústria relevante como o Brasil.
TERRAMÉRICA: Quais os “pacientes” da região em pior estado?
EG: O Brasil está em situação crítica por sua apropriação quase absoluta dos recursos e pelos impactos. Em seguida, as nações andinas, como o Peru (com grandes projetos de mineração) e o Equador (pela exploração de petróleo). O Brasil já é um grande país minerador, principalmente de ferro e alumínio, e tem uma política para aumentar esta produção com tributação baixa, a fim de continuar atraindo investimento estrangeiro. O mais preocupante é que, com essa estratégia, é flexibilizada a lei ambiental. Também pela busca por “energia barata” com complexos hidrelétricos na Amazônia.
TERRAMÉRICA: O extrativismo é ruim em si mesmo ou o problema é que não se faz bem as contas, deixando de incluir o custo dos danos ambientais e sociais?
EG: Não é ruim, mas existe um superconsumo global de matérias-primas. É preciso contabilizar o impacto econômico do dano social e ambiental para avaliar os custos do processo produtivo, levando em conta sua contribuição para a mudança climática. Porém, essas avaliações não são feitas, pois, do contrário, estes projetos não seriam aprovados. Os impactos nas áreas de onde são extraídos os recursos passam despercebidos e isso explica o motivo de ocorrerem conflitos. Provoca-se o paradoxo do bem-estar macroeconômico acima do dano local.
TERRAMÉRICA: Isto ocorre tanto em países governados por partidos de centro ou de direita quanto onde a esquerda é maioria?
EG: Sim. Embora haja diferenças substanciais sobre o papel do Estado no setor extrativista. Em países governados pela esquerda, como Brasil e Bolívia, parte da riqueza gerada é utilizada por esse setor em programas sociais, como legitimação política para continuar explorando os recursos. A esta altura, o extrativismo, além de ser um problema político, é cultural. Está profundamente arraigada a ideia de que a mineração e o petróleo são fontes de riqueza e que devem ser aproveitadas o quanto antes. Os governos de esquerda utilizam essa ideia para dizer que eles são mais eficientes no uso de recursos da Terra. Sendo um problema cultural, é reproduzido em diferentes correntes políticas.
TERRAMÉRICA: Então, como podem ser geradas outras alternativas para um desenvolvimento sustentável?
EG: Esse é o problema. Como a ideia do extrativismo está tão enraizada, outras alternativas são vistas com desconfiança ou rejeição. E esta situação é grave porque setores como o do petróleo vão desaparecer. A sobrevivência está em um caminho “pós-extrativista”.
TERRAMÉRICA: Qual o papel da integração nesse caminho?
EG: Um papel fundamental. Para sair desta estratégia, é preciso uma coordenação econômica e social com os países vizinhos, inclusive se essas alternativas não servirem para anular toda a indústria de mineração ou petroleira, mas para reformulá-la.
TERRAMÉRICA: Como negociar a integração com o Brasil sem sair perdendo? O acordo energético desse país com o Peru tem vícios de desigualdade.
EG: Um objetivo primordial é reduzir as assimetrias entre as nações. Que o menor se aproxime do nível de desenvolvimento relativo do maior. O Peru não deveria apenas vender energia elétrica ao Brasil e ficar com os danos ambientais e sociais, mas também comprar seus automóveis. É preciso buscar outras formas para que o vizinho progrida.
* O autor é correspondente da IPS.



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