quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Tributação e desigualdade, no Diplô

Escrito por Raphael


O Le Monde Diplomatique deste mês tem vários artigos excelentes (comme d'habitude). Além da baita entrevista com Marco Aurélio Garcia, chamou minha atenção o texto de Fátima Gondim e Marcelo Lettieri, ambos auditores da Receita, "Tributação e Desigualdade". Pode ser chato para muitos, mas o tema é importantíssimo para todos. Vamos lá.

Quando flamenguistas e vascaínos concordam que os tributos são muito elevados no Brasil, eles também dizem que é preciso fazer uma reforma tributária. O que em geral não se discute é a forma de arrecadação desses tributos. E esse é o ponto fundamental. Coisa que gente do "Cansei" deixa passar batida (aliás, que tal fundarmos o "Pensei"?).

A forma de arrecadação diz respeito à quem paga e como paga. Segundo Gondim e Lettieri,

A partir da segunda metade da década de 1960 e até o final da de 1980, promovemos a instituição e expansão da tributação sobre o valor agregado (principalmente via ICMS), reduzimos os tributos sobre comércio exterior, fortalecemos a administração tributária, mas deixamos a redução das desigualdades sociais em plano secundário.
Pois bem, e o que acontece nos anos 90? Seguimos a "receita" neoliberal. Daí foi uma beleza. Se alguém já leu aquele artiguinho do John Williamson sobre o Consenso de Washington, vai encontrar lá no item 3 da receita de bolo o que se espera da reforma tributária neoliberal: aumento da base tributária. Em língua de gente, isso quer dizer que para atrair o grande capital internacional e ainda assim garantir a arrecadação (lembre-se da responsabilidade fiscal e do superávit) deve-se tributar mais atividades econômicas, sem necessariamente aumentar as alíquotas. Para não chatear os caras que iriam investir no Brasil, o governo deu uma colher de chá.
Vejamos as benesses para o "andar de cima", já no início do primeiro governo FHC: redução da alíquota do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas - IRPJ, das instituições financeiras, de 25% para 15%; redução do adicional do IRPJ de 12% e 18% para 10%; redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, de 30% para 8%, posteriormente elevada para 9%; redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL ao permitir a dedução dos juros sobre capital próprio; isenção do imposto de renda sobre remessa de lucros e dividendos ao exterior, dentre outros. Além disso, a liberalização financeira internacional abriu novas oportunidades para a fuga de capitais e evasão fiscal por parte das elites, acentuando a desigualdade.
Por outro lado, a conta para o "andar de baixo" foi a seguinte:
O governo federal lançou o pacote fiscal, incluindo medidas para aumentar a arrecadação e assegurar o superávit primário, em 1999, de R$ 312 bilhões (3,1% do PIB): majoração da alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, de 2% para 3%; ampliação da base de incidência do PIS/Pasep e da Cofins; elevação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF (atualmente extinta), de 0,20% para 0,38%. Tudo incidindo sobre o consumo!
Quando se fala em tributar o consumo, lembre o seguinte. O rico compra um quilo de açúcar e paga o mesmo ICMS que o pobre. Por isso, o impacto é muito diferente sobre um e outro. Em 1996, a carga tributária indireta (isto é, sobre o consumo, e não a renda) sobre as famílias com renda de até 2 salários mínimos era de 26% de sua renda familiar. Em 2002, esse valor foi para 46%! Ou seja: o pobre deixava em 2002 quase metade da sua renda em impostos sobre consumo. Para famílias com renda superior a 30 salários, a carga era de 7,3% em 1996 e chegou a 16% em 2002. E para quem vai a grana? O artigo no Diplô traz alguns números. O pagamento de juros da dívida pública recebeu, em 2008, somente do governo federal, 3,8% do PIB, enquanto o Bolsa Família custou apenas 0,4% do PIB!

Dos tributos sobre consumo, achava a CPMF menos problemática porque incidia sobre movimentação financeira. Mas foi justamente ela a cair. É preciso repensar todo o sistema. Se os três candidatos com maior votação concordam com a santíssima trindade do câmbio, responsabilidade e metas de inflação, nós eleitores poderíamos saber ao menos como eles se posicionam em relação aos impostos. O pior é que a campanha eleitoral deixou isso de fora. Ainda estou para ver algum(a) candidato(a) assumindo o compromisso de desfazer esse nó e alterar o sistema tributário. Fazendo uma breve busca nos programas disponíveis na internet, apenas o de Marina menciona, ainda que de forma bem superficial, uma proposta de justiça tributária. 


Reduzir a desigualdade, esse deve ser o nosso lema. 




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