quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Juiz que prendeu Pinochet compara ação da direita na Espanha e no Brasil

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Rio de Janeiro – Mundialmente conhecido após ter colocado o ex-ditador chileno Augusto Pinochet atrás das grades em 1998 o juiz espanhol Baltasar Garzón comparou a postura reacionária da direita na Espanha e no Brasil. Atualmente perseguido em seu próprio país por tentar investigar os crimes cometidos pela ditadura de Francisco Franco (1939-1976), ele citou os ataques sofritos pelo terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), elaborado pelo governo federal, como exemplo da reação conservadora.
Baltasar Garzón concedeu nesta quarta-feira (13) uma palestra na sede da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), em um evento que contou também com a participação do governador eleito do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, do ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e do presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, entre outras autoridades.
“Na Espanha estamos vivendo uma situação similar a que aqui no Brasil se está vivendo em torno da interpretação de determinadas normas da Lei de Anistia”, afirmou Garzón, após defender que todos os países nessa situação realizem investigações. “Memória, verdade e justiça são três conceitos que devem seguir indissoluvelmente unidos. Inadmissível é o esquecimento imposto, é apagar oficialmente a memória. Este foi o caminho escolhido por alguns países, mas os temas não-resolvidos voltaram a aparecer. Quando uma ferida não é limpa adequadamente, como acontece em casos de falsa reconciliação, ela vira uma gangrena e provoca danos maiores”, disse.
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Ao combater os crimes militares em outros países – ele também comandou ações contra lideranças da ditadura na Guatemala e na Argentina pelo assassinato de cidadãos espanhóis – Garzón era tratado como um popstar pela mídia espanhola. Isso durou até que o juiz decidisse reabrir algumas investigações sobre as execuções, sequestros e desaparecimentos provocados pelo franquismo durante e após a Guerra Civil Espanhola. Essa decisão desencadeou uma onda de reações furiosa nos setores mais conservadores da sociedade espanhola, chegando ao ponto de Garzón ter se tornado réu em um processo movido por setores do PP, partido de direita de oposição ao governo.

Encontro com Lula

Após a palestra na OAB-RJ, Baltasar Garzón seguiu para Brasília, onde foi recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No Rio, Tarso Genro disse ao juiz espanhol que a democracia brasileira passou por uma transição incompleta e “sofre a contenção de forças políticas conservadoras e de personalidades e grupos que vivem ainda nos porões”. O ex-ministro da Justiça acrescentou que alguns países na mesma situação que o Brasil “vivem um bloqueio histórico de transição de uma democracia formal, de uma democracia política duramente conquistada, para uma democracia substantiva que, para se consolidar, precisa olhar para o seu passado e conhecê-lo”.
Tarso afirmou que, no que se refere às questões relacionadas à Lei de Anistia, “duas grandes teses foram acolhidas por grande parte da mídia brasileira”. A primeira tese, segundo ele, dizia que o governo queria uma revisão da lei para punir os torturadores. “Essa foi a mentira mais sórdida divulgada pela grande mídia. Nunca se pediu nenhuma nova Lei de Anistia. O que se pedia era a interpretação do âmbito de aplicação da Lei de Anistia aqui no Brasil, o que, aliás, o Supremo Tribunal Federal acabou fazendo de uma maneira totalmente negativa. A decisão do Supremo, com todo o respeito aos seus juízes, envergonha a Justiça brasileira”, criticou.
A segunda tese, segundo o governador eleito do Rio Grande do Sul, pregava que o governo estaria promovendo um ataque às Forças Armadas: “Tentaram colocar quem exigia uma interpretação da Lei de Anistia para punir pessoas que torturaram e mataram indivíduos indefesos na posição de quem estaria agredindo a instituição das Forças Armadas. Tentaram nos colocar em uma posição de constrangimento perante as corporações de nossas Forças Armadas que têm hoje um papel funcional de alta respeitabilidade e de acolhimento às nossas instituições. Essa foi a segunda movimentação sórdida feita pela maior parte da imprensa”.

"Fundamentalismo medieval"

Paulo Vannuchi citou as recentes tentativas de golpe no Equador e na Bolívia e afirmou que a reação da direita espanhola às investigações propostas por Garzón “tem paralelo com esse momento de fundamentalismo regressivo medieval no processo eleitoral brasileiro”. O ministro disse ainda que “a ação do Alto Judiciário espanhol contra Baltasar Garzón é uma tentativa intolerável de vingar Pinochet”.
Vannuchi afirmou que a presença de Garzón no Brasil traz “encorajamento e inspiração para as nossas lutas”. O ministro afirmou estar “sobrevivendo a todo o linchamento a que se tentou expor o PNDH 3 pela razão de ali estar contida a proposta de se criar uma Comissão Nacional da Verdade”. Essa, segundo Vannuchi, foi a grande diferença entre o plano de direitos humanos elaborado pelo governo Lula e as edições anteriores elaboradas pelo governo FHC: “Os outros temas de um modo de outro já estavam presentes nas versões anteriores do plano, de 1996 e de 2002”.

Solidariedade

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, entregou uma placa em homenagem a Garzón e anunciou que a entidade fará uma campanha de solidariedade ao juiz espanhol. Na quinta-feira (14), o deputado estadual Alessandro Molon (PT) apresentará na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) uma moção de apoio a Garzón. Convidado para compor a mesa da palestra, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Mauricio Azedo, afirmou que a entidade também se juntará ao movimento de solidariedade ao juiz.
Garzón afirmou não saber explicar a reação irada de parte da sociedade espanhola a sua tentativa de investigar os crimes da ditadura de Franco: “Eu fiz na Espanha a mesma coisa que havia feito em casos similares no Chile, na Argentina, na Guatemala e em Guantánamo. Apliquei os princípios de legalidade local em um contexto integrado com a legislação internacional e as resoluções dos tribunais internacionais. Não fiz nem mais nem menos, mas a reação foi negativa, ao contrário das vezes anteriores”, disse.
Segundo Garzón, isso ocorreu porque três conhecidas organizações da extrema-direita espanhola começaram a aparecer como responsáveis por alguns crimes: “Para mim é muito difícil explicar, a partir do conceito de independência judicial, que se possa produzir uma situação assim como a minha. Porém, tenho que assumir minha crença na Justiça e nos princípios de igualdade perante a lei. A única coisa que peço é que me julguem o quanto antes, mas não sei se vou conseguir”.




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