sexta-feira, 30 de julho de 2010

A América Latina é o lugar mais estimulante do mundo: Chomsky

A América Latina é hoje o lugar mais estimulante do mundo, diz Noam Chomsky. Há aqui uma resistência real ao império; não existem muitas regiões das quais se possa afirmar o mesmo.


Entrevistado por La Jornada, um dos intelectuais dissidentes mais relevantes do nosso tempo assinala que a esperança na mudança anunciada por Barack Obama é uma ilusão, já que são as instituições e não os indivíduos que determinam o rumo da política. No máximo, o que o mandatário representa é uma viragem da extrema-direita para o centro da política tradicional estadunidense.

Presente no México para celebrar os 25 anos de La Jornada, o autor de mais de cem livros, o linguista, crítico anti-imperialista, analista do papel desempenhado pelos meios de comunicação na fabricação do consenso, explica como a guerra às drogas se iniciou nos Estados Unidos como parte de uma ofensiva conservadora contra a revolução cultural e a oposição à invasão do Vietname.



Seguidamente, apresentamos a transcrição completa das suas declarações.

A América Latina é hoje o lugar mais estimulante do mundo. Pela primeira vez em 500 anos há movimentos para uma verdadeira independência e separação do mundo imperial; estão a integrar-se países que historicamente têm estado separados. Esta integração é um pré-requisito para a independência. Historicamente, os Estados Unidos derrocaram um governo após outro; agora já não podem fazê-lo.

O Brasil é um exemplo interessante. Em princípios dos anos 60, os programas de [João] Goulart não eram tão diferentes dos de [Luiz Inácio] Lula. Naquele caso, o governo de [John F.] Kennedy organizou um golpe de Estado militar. Assim, o Estado de segurança nacional propagou-se por toda a região como uma praga. Hoje em dia, Lula é o bom rapaz, a quem estão a tratar de cultivar, em reacção aos governos mais militantes na região. Nos Estados Unidos não são publicados os comentários de Lula favoráveis a [Hugo] Chávez ou a Evo Morales. São silenciados porque não são o modelo.

Há um movimento para a unificação regional: começam a formar-se instituições que, embora não funcionem de todo, começam a existir. É o caso do Mercosul e da Unasul.

Outro caso notável na região é o da Bolívia. Depois do referendo houve uma grande vitória, e também uma sublevação bastante violenta nas províncias da Meia Lua, onde estão os governadores tradicionais, brancos. Um par de dezenas de pessoas morreram. Houve uma reunião regional em Santiago do Chile onde se expressou um grande apoio a Morales e uma firme condenação da violência, e Morales respondeu com uma declaração importante. Disse que era a primeira vez na história da América Latina, desde a conquista europeia, em que os povos tinham tomado o destino dos seus países nas suas próprias mãos sem o controle de um poder estrangeiro, ou seja, Washington. Essa declaração não foi publicada nos Estados Unidos.

A América Central está traumatizada pelo terror reaganiano. Não é muito o que ali sucede. Os Estados Unidos continuam a tolerar o golpe militar nas Honduras, embora seja significativo que não o possam apoiar abertamente.

Outra mudança, ainda que atropelada, é a superação da verdadeira patologia da América Latina, provavelmente a região mais desigual do mundo. Trata-se de uma região muito rica, sempre governada por uma pequena elite europeizada, que não assume nenhuma responsabilidade para com o resto dos seus respectivos países. Pode constatar-se em coisas muito simples, como o fluxo internacional de capital e bens. Na América Latina, a fuga de capitais é quase igual à da dívida. O contraste com a Ásia oriental é muito impactante. Aquela região, muito mais pobre, teve muito mais desenvolvimento económico substantivo, e os ricos estão sob controle. Não há fuga de capitais; na Coreia do Sul, por exemplo, castiga-se com a pena de morte. O desenvolvimento económico lá é relativamente igualitário.

CONTROLE DEBILITADO

Havia duas formas tradicionais com as quais os Estados Unidos controlava a América Latina. Uma era o uso da violência; a outra, o estrangulamento económico. Ambas foram debilitadas.

Os controles económicos são agora mais débeis. Vários países libertaram-se do Fundo Monetário Internacional através da colaboração. Também foram diversificadas acções entre o sul, no que a relação do Brasil com a África do Sul e a China entrou como factor. Puderam enfrentar alguns problemas internos sem a poderosa intervenção dos Estados Unidos.

A violência não acabou. Houve três golpes de estado no que vai deste século. O venezuelano, abertamente apoiado pelos Estados Unidos, foi revertido, e agora Washington tem que recorrer a outros meios para subverter o governo, entre eles ataques mediáticos e apoio a grupos dissidentes. O segundo foi no Haiti, onde França e os Estados Unidos retiraram o governo e enviaram o presidente para a África do Sul. O terceiro é o das Honduras, que é um caso misto. A Organização de Estados Americanos assumiu uma postura firme e a Casa Branca teve que segui-la, e proceder muito lentamente. O FMI acaba de outorgar um enorme empréstimo às Honduras, que substitui a redução de assistência estadunidense. No passado, estes eram assuntos rotineiros. Agora, essas medidas (a violência e o estrangulamento económico) foram debilitadas.

Os Estados Unidos estão a reagir e têm dado passos para remilitarizar a região. A Quarta Frota, dedicada à América Latina, tinha sido desmantelada nos anos 50, mas está a ser reabilitada, e as bases militares na Colômbia são um assunto importante.

A ILUSÃO DE OBAMA

A eleição de Barack Obama gerou grandes expectativas de mudança para a América Latina. Mas são só ilusões.

Sim, há uma mudança, mas a viragem é porque o governo de Bush foi tão ao extremo do espectro político estadunidense que quase qualquer um se teria movido para o centro. Aliás, o próprio Bush, no seu segundo mandato, foi menos extremista. Desfez-se de alguns dos seus colaboradores mais arrogantes e as suas políticas foram mais moderadamente centristas. E Obama, de forma previsível, continua com esta tendência.

Virou para a posição tradicional. Mas qual é essa tradição? Kennedy, por exemplo, foi um dos presidentes mais violentos do pós-guerra. Woodrow Wilson foi o maior intervencionista do século XX. O centro não é pacifista nem tolerante. De facto, Wilson foi quem se apoderou da Venezuela, expulsando os ingleses, porque tinha sido descoberto petróleo. Apoiou um ditador brutal. E dali continuou com o Haiti e a República Dominicana. Enviou os marines e praticamente destruiu o Haiti. Nesses países deixou guardas nacionais e ditadores brutais. Kennedy fez o mesmo. Obama é um regresso ao centro.

É o mesmo com o tema de Cuba, onde durante mais de meio século os Estados Unidos se envolveram numa guerra, desde que a ilha ganhou a sua independência. No princípio, esta guerra foi bastante violenta, especialmente com Kennedy, quando houve terrorismo e estrangulamento económico, ao qual se opõe a maioria da população estadunidense. Durante décadas, quase dois terços da população esteve a favor da normalização das relações, mas isso não está na agenda política.

As manobras de Obama foram para o centro; suspendeu algumas das medidas mais extremas do modelo de Bush, e até foi apoiado por boa parte da comunidade cubano-estadunidense. Moveu-se um pouco para o centro, mas deixou muito claro que não haverá mudanças.

AS “REFORMAS” DE OBAMA

O mesmo sucede na política interna. Os assessores de Obama durante a campanha foram muito cuidadosos em não o deixar comprometer-se com nada. As palavras de ordem foram «a esperança» e «a mudança, uma mudança em que acreditar». Qualquer agência de publicidade sensata teria feito com que essas fossem as palavras de ordem, pois 80 por cento do país pensava que este seguia pelo carril errado. McCain dizia coisas parecidas, mas Obama era mais agradável, mais fácil de vender como produto. As campanhas são apenas assuntos de mercadotecnia, assim se entendem a si mesmas. Estavam a vender a “marca Obama” em oposição à “marca McCain”. É dramático ver essas ilusões, tanto fora como dentro dos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, quase todas as promessas feitas no âmbito da reforma laboral, de saúde, de energéticos, ficaram quase anuladas. Por exemplo, o sistema de saúde é uma catástrofe. Trata-se provavelmente do único país no mundo no qual não há uma garantia básica de cuidados médicos. Os custos são astronómicos, quase o dobro de qualquer outro país industrializado. Qualquer pessoa que tenha a cabeça no lugar sabe que é a consequência de se tratar de um sistema de saúde privado. As empresas não procuram saúde, estão aí para obter lucros.

Trata-se de um sistema altamente burocratizado, com muita supervisão, altíssimos custos administrativos, onde as companhias de seguros têm formas sofisticadas de evadir o pagamento das apólices, mas não há nada na agenda de Obama para fazer algo a esse respeito. Houve algumas propostas light, como por exemplo “a opção pública”, mas ficou anulada. Se lermos a imprensa de negócios, descobrimos que a manchete da Business Week reportava que as seguradoras celebravam a sua vitória.

Foram realizadas campanhas com muito êxito contra esta reforma, organizadas pelos meios de comunicação e pela indústria para mobilizar segmentos extremistas da população. Trata-se de um país no qual é fácil mobilizar as pessoas com o medo, e inculcar-lhes todo o tipo de ideias loucas, como que Obama lhe vai matar a avó. Assim conseguiram reverter propostas legislativas já por si débeis. Se na verdade tivesse havido um verdadeiro compromisso no Congresso e na Casa Branca, isto não teria singrado, mas os políticos estavam mais ou menos de acordo.

Obama acaba de fazer um acordo secreto com as companhias farmacêuticas para lhes assegurar que não haverá esforços governamentais para regular o preço dos medicamentos. Os Estados Unidos são o único país no mundo ocidental que não permite que o governo use o seu poder de compra para negociar o preço dos medicamentos. 85 por cento da população opõe-se, mas isso não implica diferença alguma, até que todos vejam que não são os únicos que se opõem a estas medidas.

A indústria petrolífera anunciou que vai utilizar as mesmas tácticas para derrotar qualquer projecto legislativo de reforma energética. Se os Estados Unidos não implantarem controles firmes sobre as emissões de dióxido de carbono, o aquecimento global destruirá a civilização moderna.

O diário Financial Times assinalou com razão que, se havia uma esperança de que Obama pudesse ter mudado as coisas, agora seria surpreendente que cumprisse de facto com o mínimo das suas promessas. A razão é que não queria mudar tanto as coisas. Trata-se de uma criatura daqueles que financiaram a sua campanha: as instituições financeiras, as energéticas, as empresas. Tem a aparência de bom tipo, seria um bom acompanhante de jantar, mas isso não permite mudar a política; afecta-a um pouco. Sim, há mudança, mas é um pouco mais suave. A política provém das instituições, não é feita por indivíduos. As instituições são muito estáveis e muito poderosas. Evidentemente, encontram a forma de enfrentar o que acontece.

MAIS DO MESMO

Os meios de comunicação estão um pouco surpreendidos de que se esteja a regressar onde sempre se esteve. Relatam-no, é difícil não o fazer, mas o facto é que as instituições financeiras gabam-se de que tudo está a ficar como antes. Ganharam. A Goldman Sachs nem sequer tenta ocultar que, depois de ter afundado a economia, está a entregar suculentos prémios aos seus executivos. Creio que no trimestre passado acabou de anunciar os ganhos mais altos da sua história. Se fossem um pouquinho mais inteligentes, tentá-lo-iam ocultar.

Isto deve-se ao facto de que Obama está a responder àqueles que apoiaram a sua campanha: o sector financeiro. Basta olhar para aqueles que escolheu para a sua equipa económica. O seu primeiro assessor foi Robert Rubin, o responsável pela derrogação de uma lei que regulava o sector financeiro, o que beneficiou muito a Goldman Sachs; além disso, tornou-se no director do Citigroup, fez uma fortuna e saiu justamente a tempo. Larry Summers, que foi a principal figura responsável por travar toda a regulação dos instrumentos financeiros exóticos, é agora o principal assessor económico da Casa Branca. E Timothy Geithner, que como presidente da Reserva Federal de Nova Iorque supervisionava o que acontecia, é secretário do Tesouro.

Numa reportagem recente foram examinados alguns dos principais assessores económicos de Obama. Concluiu-se que grande parte deles não deveriam estar na equipa de assessoria, mas a enfrentar acções legais, porque estiveram envolvidos em má gestão na contabilidade e noutros assuntos que detonaram a crise.

Por quanto tempo se podem manter as ilusões? Os bancos estão agora melhor que antes. Primeiro receberam um enorme resgate do governo e dos contribuintes, e utilizaram-no para se fortalecerem. São maiores que nunca; absorveram os fracos. Ou seja, está a assentar-se a base para a próxima crise. Os grandes bancos estão beneficiar de uma apólice de seguros do governo, que se chama “demasiado grande para falir”. Se se é um banco enorme ou uma casa de investimentos importante, é-se demasiado importante para fracassar. Se se é a Goldman Sachs ou o Citigroup, não se pode fracassar porque isso derrubaria toda a economia. Por isso, podem fazer empréstimos arriscados, para ganhar muito dinheiro, e, se alguma coisa falhar, o governo resgata-os.

A GUERRA CONTRA O NARCO

A guerra contra a droga, que dilacera vários países da América Latina, entre os quais se encontra o México, tem velhos antecedentes. Revitalizada por Nixon, foi um esforço para superar os efeitos da guerra do Vietname nos Estados Unidos.

A guerra foi um factor que levou a uma importante revolução cultural nos anos 60, a qual civilizou o país: direitos da mulher, direitos civis. Ou seja, democratizou o território, aterrorizando as elites. A última coisa que desejavam era a democracia, os direitos da população, etc., de modo que lançaram uma enorme contra-ofensiva. Parte dela foi a guerra contra as drogas.

Esta foi projectada para transladar a concepção da guerra do Vietname, do que nós estávamos a fazer aos vietnamitas, para o que eles nos estavam a fazer a nós. O grande tema no final dos anos 60 nos meios de comunicação, incluindo os liberais, foi que a guerra do Vietname foi uma guerra contra o Estados Unidos. Os vietnamitas estavam a destruir o nosso país com drogas. Foi um mito fabricado pelos meios de comunicação nos filmes e na imprensa. Inventou-se a história de um exército cheio de soldados viciados em drogas que, ao regressar, se transformariam em delinquentes e aterrorizariam as nossas cidades. Sim, havia uso de drogas entre os militares, mas não era muito diferente do que existia noutros sectores da sociedade. Foi um mito fabricado. Disso se tratava a guerra contra as drogas. Assim foi mudada a concepção da guerra do Vietname para uma na qual nós éramos as vítimas.

Isso encaixou muito bem nas campanhas a favor da lei e da ordem. Dizia-se que as nossas cidades se dilaceravam com o movimento antibélico e os rebeldes culturais, e que por isso tínhamos que impor a lei e a ordem. Aí cabia a guerra contra a droga.

Reagan ampliou-a de forma significativa. Nos primeiros anos da sua administração intensificou-se a campanha, acusando os comunistas de promover o consumo de drogas.

A princípios dos anos 80, os funcionários que levavam a sério a guerra contra as drogas descobriram um aumento significativo e inexplicável de fundos em bancos do sul da Flórida. Lançaram uma campanha para detê-lo. A Casa Branca interveio e suspendeu a campanha. Quem o fez foi George Bush pai, nesse tempo encarregado da guerra contra as drogas. Foi quando a taxa de encarceramento aumentou de forma significativa, em grande parte com presos negros. Agora, o número de prisioneiros per capita é o mais alto do mundo. No entanto, a taxa de criminalidade é quase igual à de outros países. Trata-se de um controle sobre parte da população. Trata-se de um assunto de classe.

A guerra contra as drogas, como outras políticas, promovidas tanto por liberais como por conservadores, é uma tentativa para controlar a democratização de forças sociais.

Há alguns dias, o Departamento de Estado de Obama emitiu o seu certificado de cooperação na luta contra as drogas. Os três países que foram “descertificados” são Mianmar, uma ditadura militar – não importa, é apoiada por empresas petrolíferas ocidentais –, a Venezuela e a Bolívia, que são inimigos dos Estados Unidos. Nem o México, nem a Colômbia, nem os Estados Unidos, em todos os quais há narcotráfico.

UM LUGAR INTERESSANTE

O elemento central do neoliberalismo é a liberalização dos mercados financeiros, o que torna vulneráveis os países que têm investidores estrangeiros. Se um país não pode controlar a sua moeda e a fuga de capitais, está sob controle dos investidores estrangeiros. Podem destruir uma economia se não lhes agradar o que este país faz. Essa é outra forma de controlar povos e forças sociais, como os movimentos operários. São reacções naturais de um empresariado muito concentrado, com grande consciência de classe. Claro que há resistência, mas fragmentada e pouco organizada, e por isso podem continuar a promover políticas às quais se opõe a maioria da população. Por vezes, isto chega ao extremo.

O sector financeiro está como antes; as seguradoras de saúde ganharam com a reforma sanitária, as empresas energéticas ganharão com a reforma energética, os sindicatos perderam com a reforma laboral e, evidentemente, a população dos Estados Unidos e a do mundo perdem porque por si só a destruição da economia é grave. Se o meio ambiente for destruído, aqueles que deveras sofrerão são os pobres. Os ricos sobreviverão aos efeitos do aquecimento global.

Por isso a América Latina é um dos lugares verdadeiramente interessantes. É um dos locais nos quais há verdadeira resistência a tudo isto. Até onde chegará? Não se sabe. Não me surpreenderia que haja uma viragem à direita nas próximas eleições na América do Sul. Ainda assim, conseguiu-se um avanço que assenta as bases para algo mais. Não há muitos lugares no mundo dos quais se possa dizer o mesmo.


Fonte: Publicado no dia 21 de Setembro de 2009 em La Jornada


Copiado do blog Mundonasminhasmãos



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Feminicídio: do privado ao público; do ‘passional’ à associação criminosa

Maria Dolores de Brito Mota *  

Adital -
O assassinato de mulheres por questões de gênero, o feminicídio, é um crime cada vez mais reconhecido e há muito denunciado. Mas, a sua reprodução histórica apresenta mudanças que não podemos deixar despercebidas. Essas mudanças indicam mecanismos de atualização cotidiana da violência praticada contra as mulheres no contexto de relações desiguais de gênero que persistem, ainda que já exista uma consciência mundial e nacional contrária a tal desigualdade. No Brasil, apesar da Lei Maria da Penha, instrumento de criminalização dessa violência contra a mulher os crimes contra mulheres se sucedem de forma mais evidente. Temos assistido nos últimos anos a mídia nacional, particularmente a mídia televisiva, apresentar casos de assassinatos de mulheres por seus ex-companheiros ou companheiros de relacionamento amoroso, que chamam a atenção por sua visibilidade, brutalidade e, em certo sentido, por uma inevitabilidade. Assim o foram os fatos que circunstanciaram as mortes de Maria Islaine de Morais, 31 anos (20/01/2010); Eloá Cristina Pimentel, 15 anos (16/10/2008), Mercia Nakashima, 28 anos (23/05/2010) e Elisa Samudio, 25 anos (desaparecida desde 4/06/2010): todos contendo elementos que indicam a emergência de novos procedimentos no processo do feminicídio do qual foram vítimas.
Identifico como novos procedimentos que indicam mudanças nas circunstâncias dos feminicídios: 1) a realização desses crimes em lugares públicos, sob as vistas de testemunhas, bem como, 2) a formação de associações criminosas para a sua efetivação. Do privado ao público - a espetacularização do ódio ao feminino
Em se tratando de assassinato de mulher por seus parceiros ou ex-parceiros afetivos e sexuais, o mais comum, tradicional, é aparecer o cadáver da mulher e depois a investigação identificar o feminicida. Eliane de Gramont, assassinada em 30 de março de 1981, aos 26 anos, enquanto cantava no Café Belle Époque, em São Paulo, por seu ex-marido, o também cantor Lindomar Castilho que desferiu cinco tiros em suas costas, deve ter sido o primeiro feminicídio famoso cometido publicamente.
Em Fortaleza, no dia 4 de julho de 2006, o ex-marido de Célia Marilac de Oliveira, 46 anos, assassinaria a ex-mulher à facada na fila de banco de um Shopping Center do Centro da cidade. Mais recentemente, em 2008, assistimos por 59 horas através das redes nacionais de televisão o drama de Eloá, do inicio do sequestro até a sua morte por seu ex-namorado. E as câmeras de um circuito interno de um salão de beleza gravaram a cena do feminicídio de sua funcionária, Maria Islaine (que estava sob medidas protetivas da Lei Maria da Penha), por seu ex-marido que lhe desferiu nove tiros.
Podemos nos perguntar: "O que significa a procura de exposição ao público destes crimes por parte do assassino?". O fato do feminicida não se preocupar em ocultar e, mais ainda, seu querer dar publicidade à sua ação criminosa, revela a vontade de afirmação pública da força e domínio do macho em ‘retomar’ um espaço de poder que ele tradicionalmente demarcava como próprio e que as atitudes de ‘sua’ mulher estão ameaçando. É como se, em sua pretensa hegemonia nas relações de gênero, ele dissesse, em voz bem alta: "Aqui quem manda sou eu".
Uma segunda consideração nos sugere que a procura da telinha da TV para fazer conhecer suas ações criminosas contra a mulher, se torna para o macho uma forma de angariar consensos dos demais machos do seu bando. Mas os novos palanques dos crimes de gênero só fazem ligar os holofotes sobre a crise da hegemonia de uma categoria social em sua guerra contra a afirmação humanizante do feminino nas relações de gênero e na sociedade.
Da reação individual à associação criminosa
Os casos mais recentes de feminicídio que ainda estão na mídia, também chamam a atenção pelo fato de envolverem uma associação criminosa para matar as mulheres. Misael Bispo, que contratou um amigo, vigilante, para ajudá-lo a matar Mércia Nakashima. E Bruno, que mobilizou aproximadamente 10 pessoas no assassinato de Elisa Samudio. Um problema que normalmente é vivido individualmente pelo homem, torna-se uma questão para um crime coletivo, por formação de quadrilha. Em um caso, no de Mércia, embora haja indícios de um contrato financeiro, evidencia-se a relação de amizade e lealdade do ajudante com o feminicida; fato que no caso de Bruno essa relação entre todos os participantes é indubitável, envolvendo não somente amigos homens, mas também mulheres, namoradas atuais e ex.
O feminicídio vai ganhando a característica de "pistolagem", de encomenda, no qual técnicas profissionais de matar e esconder (desintegrar) o corpo tornam-se ingredientes de práticas de matar mulheres, intensificando a crueldade e o ódio na busca de destruição do feminino e de seus significados. A punição pela não sujeição dessas duas mulheres aos seus parceiros foi brutal: uma por não querê-lo e a outra por confrontá-lo e expô-lo publicamente. A arrogância dos seus feminicidas transparece até na atitude de confrontarem o país negando o que está evidente, mas que ainda necessita de fundamento técnico e jurídico para a imputação de culpa e punição.
A espetacularização e a associação criminosa para a efetuação de feminicídios parecem expressar novas formas de sujeição e de violência contra as mulheres, desenvolvidas como reação patriarcal aos avanços na conquista de direitos humanos e da emancipação das mulheres pelas lutas feministas.


* Socióloga, Profª da UFC, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família, NEGIF
Fonte Adital


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Plebiscito pelo limite da terra

Entrevista - 
Gilberto Portes fala sobre o plebiscito pelo limite da terra


Karol Assunção *
Entre os dias 1º e 7 de setembro, brasileiros e brasileiras terão a oportunidade de expressar a opinião sobre o limite da propriedade de terra no país através de um Plebiscito Popular. Antes de ser uma consulta, o Plebiscito pretende ser parte de um processo de debate sobre a questão da concentração de terras no Brasil. Isso é o que apresenta Gilberto Portes, coordenador do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), em entrevista à ADITAL. Portes destaca que a concentração de terras no país é uma questão estrutural que tem suas origens no período colonial. "Desde as sesmarias até hoje esta estrutura fundiária não foi alterada", afirma. Para isso, a ideia do Plebiscito é propor ao Legislativo a inclusão de um inciso na Constituição Federal que limite a propriedade em 35 módulos fiscais. Ademais, a Campanha pelo Limite da Propriedade de Terra pretende pautar a reforma agrária na agenda política e social. O ano também não poderia ser melhor. A consulta popular acontece justamente um mês antes das eleições, oportunidade que afirma que não deixará passar em branco. "Precisamos colocar este debate a agenda destes candidatos", comenta. Confira, a seguir, a entrevista completa que o advogado e coordenador do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo concedeu, por e-mail, à ADITAL. Adital  - Em setembro ocorre o Plebiscito sobre o limite de propriedade de terra. Essa não é primeira vez que a população tem a chance de emitir sua opinião (basta lembrar consultas anteriores, como Alca, Dívida externa e Vale). O que Consultas como essas significam para o País? Gilberto Portes - É importante destacar que todas as consultas ou plebiscitos realizados em nosso país têm um caráter simbólico de pressão e têm dado muito resultado político para a sociedade brasileira. No caso deste, do limite da propriedade da terra, há uma grande diferença. Neste estamos tratando de uma questão de caráter estrutural da qual suas raízes persistem a de mais de 500 anos. O latifúndio em nosso país e sua relação se dá em todas as esferas do poder e na própria sociedade. Então o debate da temática, o processo de conscientização da sociedade é mais difícil que os outros porque este plebiscito é resultado de um processo, de uma campanha que não esgotará na Semana da Pátria em setembro. Por isso que a importância deste plebiscito é muito grande para o país, ele resgata todo um debate de projeto popular baseado em outros princípios e objetivos da qual as entidades se lançaram para uma construção que está sendo feita de baixo para cima, compreendendo que não basta você fazer lutas pontuais ou jornadas para melhorar as condições de vida do povo, mas é necessário você ir à raiz do problema, matar o "câncer" pela raiz que o latifúndio e suas ramificações representam. Adital - O Plebiscito mexe numa questão central para a resolução de vários problemas brasileiros e acontece num momento importante, às vésperas de uma eleição presidencial. Há esperança de que esse tema possa ser tratado junto aos (às) candidatos (as)? De que forma este plebiscito pode reverberar nas campanhas? Gilberto Portes - Sim! Esta é a nossa expectativa. Estamos trabalhando para isso e vamos, a partir das iniciativas concretas das entidades nos estados, envolver os candidatos/as no debate da Reforma Agrária por dois motivos fundamentais: um, a eleição faz parte da agenda da sociedade e de uma forma ou de outra as pessoas participam deste processo. Segundo: se nós não mobilizar os temas de relevância de interesse da sociedade fica em um plano secundário dos candidatos/as. Veja qual é o projeto de governo de cada candidato? Qual deles explícita a Reforma Agrária como elemento central para o desenvolvimento econômico e social de nosso país? Precisamos colocar este debate na agenda destes candidatos. Nas atividades/mobilizações concretas que faremos no mês de agosto simultaneamente em todos os estados e regiões do país vamos colocar este debate em pauta. Adital - Entrar no quesito da Reforma Agrária é também observar que até agora, de fato, ela não aconteceu. Quais seriam os motivos para que a RA não fosse efetivada até então? Gilberto Portes - Neste ponto reportamos a história do país. Veja as bases estruturais pela qual se deu a formação do estado brasileiro tanto no campo econômico/político e jurídico. Foi pela lógica do latifúndio, da propriedade privada, desde as sesmarias até hoje esta estrutura fundiária não foi alterada. Somente tivemos leis que colocam a propriedade da terra como um bem social, ou seja, sujeita uma função social no estatuto jurídico de nosso país. Foi com a publicação do Estatuto da Terra em 1964 que a mesma foi recepcionada em nossa Constituição de 1988. Porém, do ponto de vista das medidas para efetivar a reforma agrária, os sucessivos governos, incluindo o governo atual, não tiveram coragem de enfrentar esta realidade perversa e estabelecer limites ao latifúndio. Com esta análise podemos destacar alguns motivos: a) O poder econômico/político e jurídico do país alicerçou-se com base no latifúndio na propriedade privada. b) O modelo agrícola de produção  sempre esteve sob controle dos grandes proprietários de terra e empresas transnacionais, que exploram os trabalhadores agrícolas e têm o domínio sobre produção, comércio, insumos e sementes. Por fim, o desenvolvimento construído em nosso país foi pela espoliação. A colonização brasileira e todo o processo que a ela seguiu, até hoje, se assentam sobre a espoliação dos povos existentes e sobre a concentração da propriedade. Por outro lado, a luta pela sobrevivência dos que nela vivem testemunha uma batalha desigual entre os que idolatram a expansão patrimonial e os grupos sociais que vivem da terra e com ela convive. Adital - Sabe-se que há uma forte pressão de ruralistas que tentam barrar ações que melhorem a distribuição de terras no país. Até que ponto essa movimentação é um entrave para certas conquistas na questão agrária? Gilberto Portes - No Brasil, pelas suas próprias características históricas, sempre vai haver esta ofensiva do latifúndio para impedir as ações que venham ao encontro dos interesses da maioria do povo, porém é uma minoria atrasada que representa 1% da população no campo. Embora ela tenha seus laços com o núcleo central do poder, nós, a sociedade, somos a maioria e é este o desafio de irmos organizando e concretizando a sociedade de que sem democratização da terra não vai haver desenvolvimento com distribuição de riqueza e cidadania plena. E é neste contexto que nossa luta está sendo vitoriosa.  Adital - Dentro de todo esse contexto qual é a grande proposta apresentada pelo Plebiscito? Gilberto Portes - Primeiro queremos inserir um inciso V no artigo 186 da Constituição Federal, estabelecendo que para cumprir a função social a propriedade rural terá um limite de 35 módulos fiscais, como forma de garantir a democratização do acesso à terra e a soberania territorial e alimentar. Segundo, o plebiscito neste contexto, além de ser um processo pedagógico da qual a sociedade debate problemas de relevância nacional, que é o caso da concentração da terra, aproveitamos para colocar a reforma agrária no centro do debate político da sociedade e dos candidatos tanto a presidente da república como aos governos estaduais pelo fato de que se depender da vontade política dos principais candidatos a reforma agrária será ignorada como está sendo. Terceiro, com este processo de mobilização popular acreditamos que aprofundaremos politicamente nas organizações da qual coordenam o plebiscito uma maior unidade política para continuar lutando pelo fim do latifúndio.   Adital - As mobilizações pela campanha e plebiscito já acontecem em várias cidades brasileiras. Há como fazer uma avaliação de como estão estes preparativos, de como está o envolvimento dos (as) cidadãos (as)? Gilberto Portes - Nossa avaliação é positiva. Realizamos uma plenária nacional agora em 15 a 17 de julho com 90 participantes de 26 estados que já têm comitês estaduais funcionando. Como o plebiscito não é uma iniciativa só do fórum da reforma agrária, mas também do grito dos excluídos, da Assembleia popular das igrejas (CNBB/CONIC), o envolvimento de todos e todas estes em um processo crescente. Acreditamos que até meados de agosto estaremos em todas as regiões do país já com os comitês de base preparados para a realização do plebiscito. 
* Jornalista da Adital
Fonte: Adital

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Tese de participação dos EUA no golpe ganha força

Ex-candidato à presidência afirma que governo atual é dirigido por Washington

Renato Godoy de Toledo

do enviado a Tegucigalpa (Honduras)

Os EUA tentam vender a imagem de que Honduras vive um governo de conciliação, onde não há violação aos direitos humanos e a resistência praticamente não existe. Essa é a visão de Carlos H. Reyes, sindicalista hondurenho e ex-candidato à presidência da República de Honduras, em 2009. Atendendo aos movimentos sociais, Reyes foi um dos candidatos que desistiu do pleito e engrossou o boicote ao processo eleitoral.

Para o sindicalista, o governo de Honduras, desde o golpe de junho de 2009, tem suas ações baseadas nos interesses de Washington, basicamente. “O embaixador dos EUA aqui [Hugo Llorens] é quem dirige o governo. Eles tentam unificar o Partido Liberal para dividir a resistência e continuam aumentando o poder das Forças Armadas, dando- lhes mais armas e dinheiro. Além disso, há dois meses instalaram a segunda base militar no país, em meio a uma zona indígena onde há petróleo e água”, aponta.

Sob essa constatação, Reyes afirma que o golpe em seu país é parte de uma estratégia dos EUA de retomar o controle sobre a América Central.

Zelaya acusa
No aniversário do golpe de Estado em Honduras, o presidente deposto Manuel Zelaya afirmou que as ações que o tiraram do poder foram orquestradas pelos EUA. O país administrado por Barack Obama, inicialmente, mostrou-se contrário ao golpe, mas foi uma das poucas nações a reconhecer as eleições de novembro de 2009. “Tudo indica que o golpe foi orquestrado na base militar de Palmerola, pelo Comando Sul dos EUA, e executado torpemente por maus hondurenhos. O tempo e o apoio público que os EUA terminaram dando ao golpe e àqueles que o executaram confirmam sua participação”, afirma a carta enviada por Zelaya, desde seu exílio na República Dominicana.

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Mark Toner, limitou-se a dizer que a declaração do ex-presidente é “ridícula”.





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quarta-feira, 28 de julho de 2010

POR QUE VOTAR EM DILMA?

"Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha .

Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas.

Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.

Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos.

Passo a analisar os dez mais freqüentes.


1. “ALTERNÂNCIA NO PODER É BOM”.

Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.


2. “NÃO HÁ MAIS DIFERENÇA ENTRE DIREITA E ESQUERDA”.

Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias.
O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra.
Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.


3. “DILMA NÃO É SIMPÁTICA”.

Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.


4. “DILMA NÃO TEM EXPERIÊNCIA”.

Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.


5. “DILMA FOI TERRORISTA”.

Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.


6. “AS COISAS BOAS DO GOVERNO PETISTA COMEÇARAM NO GOVERNO TUCANO”.

Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.


7. “SERRA VAI MORALIZAR A POLÍTICA”.

Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista - no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC - foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido como “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.


8. “O PT APÓIA AS FARC”.

Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?


9. “O PT CENSURA A IMPRENSA”.

Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.


10. “OS JORNAIS, A TELEVISÃO E AS REVISTAS FALAM MUITO MAL DA DILMA E MUITO BEM DO SERRA”.

Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele."


AUTOR: Jorge Alberto Furtado, 51 anos, repórter, apresentador, editor, roteirista e produtor. Já recebeu 13 premiações dentre os quais, o Prêmio Cinema Brasil, em 2003, de melhor diretor e de melhor roteiro original do longa O homem que copiava.


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Brasil não pode ser “ilha de prosperidade” na América do Sul

O coordenador do programa de governo da candidata Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia, defendeu uma política externa que privilegie o diálogo e não o conflito com os países da América do Sul. Durante a campanha eleitoral, a oposição vem fazendo muitas críticas aos paraguaios e bolivianos.
Em resposta às críticas sobre as negociações do governo brasileiro com o Paraguai, em torno da energia produzida pela usina de Itaipu, e com a Bolívia, que vende gás natural ao Brasil, Garcia afirmou que o Brasil jamais alcançará o desenvolvimento se estiver cercado de países com problemas econômicos e sociais.
"Seria uma visão tacanha. Não podemos ser uma ilha de prosperidade em meio a um oceano de desigualdade”, afirmou. “A solidariedade também é um valor importante na diplomacia.”
Além disso, segundo Marco Aurélio Garcia, o desenvolvimento dos países vizinhos tem impacto na economia brasileira. “Estamos construindo um grande mercado consumidor na América do Sul, que beneficiará também a economia brasileira. Mas não queremos que seja um benefício mesquinho, só em proveito nosso”, afirmou.

Fonte: Dilma 13


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Indenização para filhos de mulheres vítimas de violência


A Câmara analisa o Projeto de Lei 7441/10, da deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que obriga o Poder Público a indenizar os dependentes das pessoas que morrerem em decorrência de violência sexual e doméstica, nos casos de omissão ou negligência do Estado, comprovada por processo administrativo.
Segundo o projeto, os filhos menores de 18 anos ou incapazes das vítimas receberão indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, acrescida de pensão mensal de R$ 510, corrigidos anualmente, para cobertura de danos materiais. Também poderão receber o pagamento o enteado e o menor de idade tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.
A pensão será paga até o beneficiário completar 18 anos. Para receber o benefício, o dependente, por meio de seu responsável, deverá entrar na Justiça e conseguir uma decisão que comprove a omissão do Estado.
A deputada Jô Moraes explica que a omissão pode ocorrer, por exemplo, quando o Estado não toma nenhuma providência diante de denúncias de ameaças recebidas por uma mulher de seu companheiro ou ex-companheiro. "Nesses casos, o Estado pode decretar a prisão preventiva do agressor ou recolher sua arma", diz.
Jô Moraes acredita que a medida fará justiça às famílias "destruídas pela morte de um de seus entes queridos". Segundo ela, o pagamento de indenização e pensão é mais um instrumento legal no combate à violência contra a mulher no Brasil, além da Lei Maria da Penha (11.340/06) e da Lei 10.778/03, que estabelece a notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher atendida em serviços públicos ou privados de saúde.
Tramitação
O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Veja a íntegra da proposta: PL-7441/2010
Ver online : Agência Câmara




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Imperiais segredos




Fonte: IN GO (H) D WE TRU$ T
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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Deus e o destino não são responsáveis pela pobreza, diz Dilma

Ao se reunir no último sábado (24) com evangélicos em Brasília, a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, pediu o apoio dos religiosos para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, se eleita.
A candidata disse que Deus e o destino não podem ser responsabilizados pela pobreza e os infortúnios. Segundo ela, “a mão imperfeita” das pessoas que conduz mal as políticas públicas.

“A pobreza não é resultado do destino. Não foi Deus que construiu um país tão desigual. Foi a mão imperfeita de homens e mulheres. Isso acontece quando nos afastamos dos desígnios de Deus”, afirmou Dilma, na sede nacional das Assembleias de Deus no Brasil. “Está nas escrituras, o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem no dia seguinte.”

Acompanhada pelo candidato a vice-presidente na chapa PT-PMDB, deputado federal Michel Temer (PMDB), do chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, parlamentares, candidatos nas próximas eleições e líderes evangélicos, Dilma fez um discurso de pouco mais de 20 minutos citando várias passagens bíblicas.

Segundo a candidata, o objetivo dela, se eleita, é dar continuidade a vários projetos iniciados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Eleita, vou dar continuidade ao projeto do presidente Lula e aprofundar [em várias áreas]”, afirmou Dilma. “O povo evangélico deste país também é o povo do governo Lula.”

Para Dilma, os programas sociais devem considerar o apoio à solidez familiar e também às questões relativas aos jovens, às crianças, aos idosos e aos deficientes.

Segundo ela, para assumir um cargo de comando e por em prática as metas definidas é preciso lembrar do pedido do rei Salomão – que governou Israel por 40 anos e foi considerado um dos mais sábios. “Quero ter sabedoria e discernimento nesta caminhada”, disse ela.

O presidente das Assembleias de Deus do país, deputado e pastor Manoel Ferreira (PTB-RJ), defendeu a candidatura de Dilma. Segundo ele, o Brasil está no rumo certo e por isso não há razão para mudar a orientação política. “Temos aqui a timoneira [Dilma]. Estamos no rumo certo, então por que mudar?”, afirmou.

Fonte: Agência Brasil
Copiado do Vermelho



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O Brasil nuclear

Desde então a pesquisa, apesar de alguns temporários retrocessos, não parou.

Qual a situação actual? O Brasil actua com o próprio conhecimento nuclear na área civil? Ou já estará na posse de bombas? E quais são as perspectivas?


Neste artigo de Limes o ponto da situação.

 O Brasil, o Irão, os EUA e a AIEA
Nos últimos anos, o mundo público assistiu com alguma surpresa ao activismo do governo Lula na arena internacional, tendente a prosseguir sem complexos um processo de política estrangeira soberana e de interesses autónomos de poder regional e global player. As principais questões decorrem dalgumas posições do Brasil em termos de segurança nuclear global, mas vamos com alguma ordem.


Em 2004, devido a uma inspecção de rotina, houve uma crise com a Agência Internacional Energia Atómica (AIEA), com causa na recusa em permitir o pleno acesso às instalações dos técnicos da Agência nas instalações nucleares em Resende, Estado do Rio de Janeiro. As autoridades brasileiras não permitiram a inspecção dos equipamentos de centrifugação para proteger segredos tecnológicos em matéria de levitação electromagnética. Depois de meses de negociações, foi encontrado um compromisso amplamente favorável ao Brasil: a AIEA teria controlado a composição dos gases em entrada e saída das centrífugas, mas não as centrifugas. O então secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell, justificou esta fraqueza declarando ter a "certeza" de que o Brasil não tinha planos para desenvolver armas nucleares e dois anos depois a sucessora, Condoleezza Rice, confirmou que não estava incomodada com a hipótese do Brasil tentar obter armas nucleares.


Angra 1
Ao longo dos últimos dez anos, o Brasil resistiu à pressão internacional para assinar o Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que permitiria inspecções sem aviso prévio por parte da AIEA num grande número de instalações. Nos últimos meses, multiplicaram-se as posições dos altos funcionários do governo que justificam como inadequada a adesão do Brasil. O primeiro deles é o Ministro Chefe da Secretaria dos Assuntos Estratégicos (órgão consultivo directamente dependente do Presidente da República), Samuel Pinheiro Guimarães, para o qual o TNP, do qual o Brasil é signatário desde 1997, é um tratado injusto pois focaliza os poderes em quem já tem armas nucleares e a "aceitação do regime de inspecção equivaleria a um crime contra a nação". Nenhuma surpresa, então, para a recusa da proposta duma moratória sobre novas instalações de enriquecimento.


Nos últimos meses o Brasil tornou-se protagonista, juntamente com a Turquia, da famosa tentativa diplomática para encontrar uma solução para o caso do Irão. Com esta acto, o País ficou realmente colocado em oposição dialéctica às tentativas do presidente Obama para um consenso global em torno da tese do Ocidente de bloquear os avanços nucleares iranianos. Nesta Primavera, o governo dos EUA tem feito um esforço considerável em reforçar a cooperação para combater a proliferação e para segurança de todos os materiais nucleares. Quis colocar a questão no quadro multilateral do direito decorrente do TNP e também assumiu compromissos importantes, como a redução de ogivas nucleares (o Tratado Russo-Americano de Praga) e uma nova doutrina nuclear, limitativa do número de casos em que seria possível a utilização da atómica. O acordo entre o Brasil, a Turquia e o Irão tem tido para muitos o sabor do desafio para a política das potências ocidentais, que têm, de facto, contestado o acordo como insuficiente e decidiram impor sanções ao Irão.


Outras questões em seguida, colocadas pela posição arriscada de defender o Irão e votar contra as mesmas sanções no Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil tem um dos assentos em rotatividade.


Angra 2
O governo Lula tem reavivado a partir de 2006 o programa de energia nuclear, que estava em estagnação desde 1985, com a decisão de investir 8,4 bilhões de Dólares para concluir a construção da central Angra 3 (suspensa por duas longas décadas) e a previsão de 4 - 8 novas centrais nucleares (até 10 GW de potência total) em 2020 e mais 40 estações em 2060. É preciso realçar a determinação dum rumo nacional, que torna o País totalmente independente, tanto tecnologicamente bem como para a capacidade industrial, no inteiro ciclo de produção de combustível nuclear. Esta atitude é severamente criticada por diversos observadores internacionais, que vêem motivações não económicas mas estratégicas ou militares. Além disso, a vocação de "auto-suficiência" é intrínseca ao programa de desenvolvimento, iniciado em 2007, duma frota de submarinos nucleares que serão lançados a partir de 2020.


Numa recente entrevista à BBC, o ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, em resposta à explicita pergunta, declarou: "renunciar à produção de artefactos militares, mas não podemos renunciar ao conhecimento científico", confirmando que isso inclui o "conhecimento da fabricação da bomba atómica". Mais: na revista Isto é Dinheiro, o Vice-Presidente da República, José Alencar, afirmou a importância das armas nucleares como armas de dissuasão para um País com 15 mil quilómetros de fronteiras e uma plataforma continental rica em petróleo (pré-sal) de quatro milhões de km2.

     O programa nuclear brasileiro
O programa brasileiro (clicar para ampliar)


Nos anos '50, o Brasil e os Estados Unidos iniciaram um acordo de cooperação nuclear no âmbito do Programma Atoms for Peace: O Brasil recebeu dois reactores de investigação e, em 1971, o seu primeiro reactor de potência, Angra 1, da Westinghouse Electric . O governo brasileiro decidiu investir no início dos anos '70 para dar ao País a plena capacidade no ciclo do combustível nuclear, na produção de reactores de pesquisa e de potência,  e no reprocessamento de combustível nuclear exausto. O primeiro objectivo foi aumentar a oferta de energia, utilizando as grandes reservas minerais de urânio e tório.  O acordo multi-bilionário de cooperação no sector com a Alemanha, lançado em 1975, previa a realização de oito reactores em 15 anos assim como a transferência do completo ciclo industrial do combustível com a tecnologia de enriquecimento por ultra-centrifugação.


Naquela época, o Brasil não era signatário do TNP e o negócio foi fortemente contestado pelos Estados Unidos: a transferência de tecnologia no Brasil foi impedido pela pressão dos EUA e promissora tecnologia de enriquecimento por ultra-centrifugação foi substituída com a jet-nozzle, que não teria abandonado o nível de protótipo. Houve assim um desperdício de aprox. 100 milhões de Dólares da época para uma instalação de enriquecimento com esta tecnologia não é competitiva e o atraso na inauguração da segunda central, Angra 2.


Também por causa dessa experiência, os governos militares decidiram lançar um outro programa nuclear não dependente da tecnologia estrangeira ou limitado por garantias internacionais: o chamado "programa paralelo", caracterizado por um forte sigilo. Embora houvesse facções militares interessadas em adquirir armas nucleares, o programa operou principalmente com objectivos civis. Envolveu três Forças Armadas brasileiras, bem como centros de pesquisa e industriais. O Exército tinha planos para um reactor de urânio natural moderado a grafite, a Força Aérea começou a pesquisa sobre um método de enriquecimento a laser. Mas foi o programa da Marinha, que adoptou a ultra-centrifugação, o mais bem-sucedido. Tinha identificado a necessidade de operar com submarinos nucleares, na convicção de ter toda a infraestrutura necessária: bases de apoio, produção e manutenção dos componentes principais, enquanto que a dependência do estrangeiro teria implicado vulnerabilidade logística. A partir do mesmo ano, um programa estritamente reservado as armas nucleares (com um site para testes de explosões nucleares no coração da Amazónia, que permaneceu secreto até 1986) foi prosseguido até a chegada dos governos civis em 1985.
Actualmente a Marinha gere o Centro Experimental de Aramar, no Estado de São Paulo, juntamente com A Comissão Nacional de Energia Nuclear Comissão (CNEN), e a Fabrica de Combustíveis Nucleares em Resende, Estado do Rio de Janeiro, juntamente com a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) a partir de 2000, desde quando foi transformada numa empresa comercial.
A Fábrica Combustíveis Nucleares em Resende
Aqui, em 1993, o urânio foi enriquecido pela primeira vez, assim o Brasil no clube muito restrito de Países que têm estruturas de centrífuga em escala comercial, dominando todas as fases da produção do combustível nuclear. Mas acima de tudo usando a tecnologia de levitação electromagnética em que o eixo centrífugo não é mecânico, mas precisamente, electromagnético, permitindo que o rotores (cilindros rotativos que estão no cerne destas máquinas) possam flutuar e girar sem atrito com menor consumo e maior eficiência e durabilidade. Tecnologia que os brasileiros dizem ser 100% local, constitui um sucesso para o País e que levou a outros avanços, como aços de alta resistência e válvulas especiais operando com substâncias corrosivas.


Então os segredo tecnológicos têm fundamento contra os inspectores da AIEA também, os quais, por outro lado, não conseguem não observar que Resende pode potencialmente produzir urânio altamente enriquecido, suficiente para alimentar entre 26 e 31 ogivas nucleares por ano.

A procura e a oferta de material físsil: em busca da auto-suficiência (e além disso)


Apesar do Brasil dominar a tecnologia usada para produzir combustível nuclear, algumas etapas ainda são efectuados no exterior para alimentar as duas centrais de Angra 1 e 2. O País produz mineral de urânio, o "yellow cake", que envia ao estado bruto para o Canadá, onde é gaseificado e enriquecido antes de retornar ao Brasil e ser transformado em "pads", utilizadas para o funcionamento das centrais. Com o aumento da capacidade instalada desde os actuais 2 GW de Angra 1 e 2 para 3,4 GW em 2015, quando estará operacional Angra 3, e com as futuras centrais, haverá um problema de fornecimento de material físsil.
Além disso, é preciso alimentar o futuro reactor de investigação Hyper (Estado de São Paulo) com o qual o País será auto-suficiente na produção de isótopos radioactivos para diagnóstico e tratamentos médicos. A CNEN já cumpre uma demanda anual de 2 milhões de procedimentos médicos com radio-fármacos e outras aplicações tais como a irradiação de alimentos e o controle de pragas.


O Projecto Hyper, São Paulo
Ponto firme da política industrial do governo Lula é o desenvolvimento das indústrias a partir dos recursos disponíveis no País e evitar a exportação de matérias-primas ou semi-brutas: isto também aplica-se aos recursos energéticos. O governo quer usar as reservas nacionais de mineral de urânio como matéria-prima para próprias fábricas e, ao mesmo tempo gerir o processo de enriquecimento do urânio. Essas reservas são enormes, muito maiores da procura doméstica em qualquer cenário: 310 000 toneladas, as sextas no mundo, mas deverão chegar ao segundo ou primeiro lugar quando será mapeado todo o País.


Alguns observadores internacionais afirmam que, graças à actual maior oferta em relação à procura de serviços de enriquecimento, seria economicamente muito mais conveniente adquirir esses serviços no estrangeiro, dada o modesto (actual) demanda brasileira de material físsil.
O argumento poderia ser válido para uma economia europeia, onde não são previstos grandes aumentos da demanda energética, mas é muito fraco num País em desenvolvimento, onde é esperado um aumento na produção de electricidade de 68,7% (de 112 GW para 189 GW) ao longo dos próximos 10 anos. Também não considera a oportunidade de exportar material físsil e tecnologia: hoje cerca de 90 por cento das centrais nucleares do mundo dependem dos serviços de enriquecimento para o próprio combustível.


É um mercado global de 5 bilhões de Dólares anuais, em crescimento, em que o Brasil pretende participar no futuro com papel de protagonista: espera ser inserido no círculo restrito dos poucos Países exportadores de urânio enriquecido, serviços, equipamentos e fornecimentos centrais nucleares .


Implicações na política internacional


Como o governo brasileiro e boa parte do público entendem os equilíbrios geopolíticos relativos ao domínio da tecnologia nuclear? Há cinco potências mundiais (EUA, Reino Unido, Rússia, França e China) equipadas com armas nucleares, que asseguraram com os termos do TNP o direito de exercer qualquer investigação e o progresso e, por enquanto, trabalhando para concentrar o enriquecimento do urânio e limitar a produção e a pesquisa em outros Países.
O jogo é puramente industrial, com o desejo de impedir o surgimento de novos concorrentes e tentando fortalecer um oligopólio existente. Um punhado de outros Países (europeus e / ou ocidentais), com bom nível de domínio tecnológico e parceiros das potências, compartilham com estas as escolhas políticas e comerciais. Outros quatro poderes (Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte) estão fora do regime internacional do TNP, pois simplesmente não assinaram o Tratado (e têm pleno direito de fazê-lo do ponto de vista jurídico).


Este "regime assimétrico" seria particularmente prejudicial para os Países que cumprirem os seguintes requisitos: dominar o ciclo de enriquecimento, têm grandes reservas de mineral de urânio, não estão entre as potências nucleares do "oligopólio".


Apenas três Países no mundo satisfazem as duas primeiras condições: os EUA, a Rússia e o Brasil. Só o Brasil todas as três. Isso explica a crescente impaciência com o TNP e o protocolo de controlo mencionado, visto como instrumento disfarçado de revisão do TNP, podendo até mesmo implicar, segundo alguns, a centralização dos processos de enriquecimento em instalações internacionais.


Aceita-lo seria violar a "conditio sine qua non" ["condição irrenunciável", NDT] da adesão brasileira ao TNP: o direito de desenvolver tecnologias para uso pacífico da energia atómica. A ideia do governo Lula (recentemente exposta na Conferência de Washington sobre a Segurança Nuclear e no Summit do Grupo BRIC) é que este direito pertence à todos os Países em desenvolvimento, incluindo o Irão.


Outra "conditio sine qua non" (incluída na ratificação do TNP) é o desarmamento geral, já presente no texto do TNP (artigo VI) assinado em 1968, confirmado pela Quinta Conferência para a Revisão e Extensão do TNP (1995) onde o objectivo final do desarmamento é a "eliminação total das armas nucleares sob um efectivo controle internacional". Durante a VI Conferência (2000), o Brasil assumiu um papel de liderança da New Agenda Coalition (NAC), grupo de Países que pedia às potências nucleares para dar um novo impulso aos objectivos do TNP, o desarmamento nuclear completo em primeiro lugar.
Finalmente, afirma-se nos círculos governamentais e académicos, são as potências que têm arsenais nucleares a não cumprir a obrigações do tratado, criando um precedente para os Países que podem ter a tentação da arma nuclear.


Fonte: Limes
Tradução: Informação Incorrecta




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