sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

3D projection mapping in the city centre of Amsterdam for H&M



 
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O Governo inclui 88 nomes na “lista suja” do trabalho escravo

Do blog do Sakamoto

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou nesta sexta-feira (31) a atualização semestral do cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra escrava. Ao todo, 88 novos nomes foram inseridos e 14 retirados em definitivo após quitarem suas pendências com o poder público. A lista passa a contar com 220 empregadores. Entre os listados, há empresas do setor sucroalcooleiro e siderúrgico e uma libertação ocorrida em uma obra que estava relacionada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Essa é a última atualização realizada no governo Lula e a maior em número de entradas. Isso decorre do grande número de estabelecimentos inspecionados nos últimos três anos (350 em 2009; 301 em 2008; e 206 em 2007). Esse período entre a libertação e a entrada do empregador na “lista suja” ocorre devido ao processo administrativo dentro do MTE, que inclui o direito de defesa por parte do fiscalizado. Nesse intervalo de tempo, o número de pessoas libertadas, de acordo com o ministério, foi de 3.769 em 2009; 5.016 em 2008; e 5.999 em 2007.
A “lista suja” tem sido um dos principais instrumentos no combate a esse crime, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do nome do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista. Quem é nela inserido também é submetido a restrições comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
O nome de uma pessoa física ou jurídica é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente à fiscalização dos auditores do governo federal e lá permanece por, pelo menos, dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso contrário, permanece na lista.
Atividades econômicas presentes da “lista suja” vão desde a criação de gado bovino, passando pela produção de carvão vegetal para a siderurgia, de cana-de-açúcar, produção de soja, milho, cebola, frutas, erva-mate e pinhão-manso (usado no Brasil como matéria-prima para biodiesel). Café, algodão até extrativismo vegetal (eucalipto, pinus e látex) e mineral. Também estão presentes empreendimentos da área da construção civil e da siderurgia.
Empresas do setor sucroalcooleiro como a Elcana Goiás Usina de Álcool e a Usina Fortaleza de Açúcar entraram na lista pela primeira vez. A Energética do Cerrado Açúcar e Álcool retorna após a queda de uma liminar judicial que a mantinha fora da lista. As três são de Goiás, pólo de expansão da cana no país.
Destaque também para a inserção de construtoras – cada vez mais trabalhadores têm sido libertados na construção civil no país. Um exemplo é a Construtora Lima e Cerávolo, incluída por conta da libertação de 95 pessoas.
Fiscais do grupo móvel do governo federal encontraram, no final de agosto de 2009, os trabalhadores em condições análogas à de escravidão no desmate de áreas para a construção da Usina Hidrelétrica Salto do Rio Verdinho. A Lima & Cerávolo era prestadora de serviço terceirizado de “supressão vegetal” à Rio Verdinho Energia S/A (administrada pela Votorantim Energia). A obra no Sul de Goiás, entre os municípios de Caçu e Itarumã, faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
De acordo com a fiscalização, as vítimas foram aliciadas criminosamente por “gatos” (intermediários de mão-de-obra) no Norte do Mato Grosso e no Oeste de Minas Gerais, não recebiam salários regulares, eram submetidos a um sistema ilegal de endividamento, viviam em alojamentos impróprios e não tinham alimentação adequada. Dentro de uma única casa de fazenda desapropriada que submergirá com a barragem, 52 pessoas se apertavam. “Dormiam umas em cima das outras, em redes e beliches”, descreveu na época a auditora fiscal do trabalho Virna Damasceno, que coordenou a operação. Segundo os fiscais, o pagamento dos trabalhadores não passava de ficção: houve concessão de “adiantamentos” pontuais para compra de alimentos que foram contabilizados como dívidas que seriam descontadas no final da empreitada. Os “gatos” anunciavam que, ao término do serviço todos receberiam as quantias totais pendentes. Aqueles que decidissem ir embora antes da conclusão do trabalho, não ganhariam nada. Os dados das fiscalizações foram reunidos pela Repórter Brasil.
Por fim, um exemplo na área e produção e carvão é a inclusão da Rotavi Industrial, após a libertação e 174 pessoas de uma carvoaria em Jaborandi, na Bahia. Segundo informações do grupo móvel de fiscalização do governo federal, o carvão vegetal era utilizado na fabricação de liga-leve, produto usado na cadeia produtiva da indústria automobilística, e a Rotavi era a dona da propriedade, montou a estrutura das carvoarias e aproveitava integralmente a produção. Na época, a empresa informou que os trabalhadores da carvoaria não eram seus, mas de empresas terceirizadas que lhes prestavam serviço. De acordo com juízes do trabalho que atuam nessa área, de acordo com a lei, a empresa responde pelas condições trabalhistas encontradas. O Grupo Rotavi atua ainda nas áreas de transporte e mineração.
Os trabalhadores não tinham carteira assinada e não recebiam regularmente. Parte da alimentação era oferecida pelos empregadores, mas itens complementares eram vendidos – e depois descontados do “virtual pagamento” – a preços abusivos aos empregados. Dois “gatos” (aliciadores de mão-de-obra e intermediários da empreitada) atuavam na fazenda. Parte dos trabalhadores relatou que estava há três meses no local sem receber absolutamente nada.

Buscado no Sakamoto



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A ARCA DE NOÉ E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


Há muito anos atrás (período do Regime Militar), circulou um artigo que tinha como título “A Arca de Noé”.
Nele era contada uma pequena estória. Nela o planeta passava por uma fase muito complicada e, para resolvê-la, um tal Noé resolveu construir uma grande arca de modo a colocar um casal de cada ser vivo e, quando o dilúvio chegasse, este grupo sobreviveria para repovoar o planeta.
A estória evolui com a intervenção de um grupo de “iniciados” que aceitaram a idéia, mas consideraram que este era um empreendimento de grande porte e, desta forma, não poderia ser simplesmente conduzido por tal Noé. Seria necessário estruturar um empreendimento que pudesse conduzir a complexidade da construção da arca. Mudaram, de imediato, o nome do projeto que passou a se chamar “Arca das Mudanças Climáticas”.
Os “iniciados” começaram a estruturação do empreendimento: eleição de presidente, diretorias, assessorias, núcleos de pesquisa, contratação de especialistas, secretárias, motoristas, sede própria e sedes descentralizadas em diferentes locais do planeta, enfim, o imprescindível para que um grande empreendimento pudesse ser desenvolvido sem risco.
As tarefas foram divididas em vários Grupos de Trabalho, com reuniões realizadas não nas regiões do planeta onde eram inevitáveis os primeiros efeitos do dilúvio, mas sim em lugares aprazíveis onde os grupos pudessem trabalhar em condições adequadas a importância do projeto.
Inevitável, estes grupos acabaram se dividindo entre “prós e contras” e cada um deles, sem se preocupar com o dilúvio a caminho, resolveram ignorar a variável tempo, consumindo o tempo disponível em apresentar estudos e pesquisas que reforçassem as suas posições. Isso demandou uma grande quantidade de recursos, que foram logo disponibilizados pelos países mais ricos do planeta.
Surgiram especialistas, políticos especialistas, agentes de financiamento especialistas, centros de pesquisa especializados, típicos do entorno de operação de um grande empreendimento.
Sendo muito especializadas, de imediato a sociedade foi relegada a um segundo plano, dado que, na visão do projeto, apenas um casal de humanos, decidido que seria escolhido entre a alta direção do “Arca das Mudanças Climáticas”. Na verdade, logo no início, as informações foram passadas a sociedade, mas em linguagem complicada que levou a um progressivo afastamento do tema, deixando aos “iniciados” a discussão e decisão sobre o assunto.
E o tempo foi passando. Países que tinham “madeira” para a construção da arca tentaram impor condições ao andamento do projeto, mas foram logo afastados pelos países que “detinham a tecnologia do corte da madeira”, de modo a, progressivamente, ir reduzindo o tamanho do grupo dos “iniciados”. Foram observadas denúncias (“Arcagate”), mas, para os “não iniciados”, acabou ficando a dúvida de quem realmente tinha à razão.
Concluindo, passado alguns anos veio o aviso que o dilúvio seria no dia seguinte.
No empreendimento “Arca das Mudanças Climáticas” um desespero total; perdidos entre muitas alternativas não tinham tido tempo para concluir a arca. Ou seja, era inevitável que o dilúvio seria plenamente fatal para todos do planeta.
Mas, do alto da torre de trinta andares construída para fazer funcionar o mega projeto, no dia seguinte, quando a água quase cobria o edifício, foi possível ver uma arca de madeira, com os “não iniciados” liderados por um tal Noé, passando ao largo.
Você já pensou em que grupo está?
Ainda há tempo para escolher o grupo certo.


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Do cárcere para a posse: amigas de cela

Presidente eleita convidou 11 ex-companheiras de cela para a posse
Um grupo de 11 antigas militantes de esquerda e ex-companheiras de cela de Dilma Rousseff na ditadura militar está entre os convidados especiais da presidente eleita e acompanhará sua posse no sábado, no Palácio do Planalto. Juntas com Dilma, elas estiveram presas na década de 70 na Torre das Donzelas, como era chamado o conjunto de celas femininas no alto do Presídio Tiradentes, em São Paulo. Para o local eram levados os presos políticos, depois de passarem por órgãos da repressão como o Dops e o DOI-Codi.
Entre as convidadas, que também estarão no coquetel no Itamaraty, está a economista Maria Lúcia Urban, que, na época, chegou grávida ao presídio e recebeu todos os cuidados de Dilma.
- A Maria Lúcia e a Dilma tinham uma relação muito forte, que se manteve – disse a socióloga Lenira Machado, outra integrante do grupo e responsável pelo convite da posse às outras colegas do Tiradentes.
Maria Lúcia hoje é diretora do Centro de Formação Estatística do Paraná. Lenira trabalha com projetos e programas do Ministério do Turismo.
Dilma ficou presa, foi condenada e passou três anos na cadeia. Antes de seguir para o Tiradentes, foi torturada durante 22 dias seguidos. A chegada da companheira à Presidência da República é motivo de orgulho para as colegas de militância política, ainda que atuassem em grupos de esquerda distintos e com pensamentos diferentes sobre como enfrentar o regime militar.
- Éramos de diferentes organizações, mas ocupávamos o mesmo espaço. Se não fosse a cadeia, jamais teríamos nos encontrado. Essa coisa nos unia – disse Rita Sipahi, que atuou na Ação Popular.
Dilma era da Var-Palmares. Rita é advogada e integra a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Os grupos de esquerda divergiam em especial sobre a adesão ou não à luta armada. Lenira e Dilma tinham uma posição idêntica e defendiam o confronto com os militares.
- Eu e ela concordávamos com a luta armada, embasada na formação de quadros. Não para ser uma simples aventura – disse Lenira, que foi torturada no DOI-Codi e, em 2008, reconheceu seu torturador e o denunciou publicamente.
Ela comemora a eleição de Dilma.
- Não tenho postura feminista, mas é uma vitória ter uma mulher presidente. E nem em sonho imaginava que alguém da luta armada chegaria um dia a esse posto – disse Lenira.
A jornalista Rose Nogueira, que também estará na festa da posse, ficou alguns meses no presídio e tem muitas lembranças de Dilma. Ela se recorda do apego da petista aos livros. De todos os tipos, de teorias da economia aos clássicos da literatura universal. Nos trabalhos manuais na cela, Dilma tinha predileção, segundo Rose, pelo crochê. Fazia bordados em pano.
- Naquela época, Dilma já tinha uma presença forte. Era naturalmente uma líder e muito solidária. Quando a vi num cargo importante no governo Lula, não tinha dúvida que chegaria a presidente do Brasil – disse Rose, que lembrou ainda do gosto de Dilma pela música.
- Ela gostava de cantar “Chico mineiro” – contou Rose, citando uma música caipira que fez sucesso com a dupla Tonico e Tinoco.
As outras colegas de cela que estarão na posse são: a arquiteta Maristela Scofield; a uruguaia Maria Cristina de Castro, que trabalha no Ministério das Minas e Energia; a psicóloga Lúcia Maria Salvia Coelho; a arquiteta Ivone Macedo; Francisca Eugênia Soares e as irmãs Iara de Seixas Benichio e Ieda de Seixas, de uma família que atuou na oposição aos militares.
Buscado no Com texto livre



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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ilha das flores




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EUA: dos tempos de diversão à época do fascismo!

A Brave New Dystopia by Chris Hedges no TruthDig.com pelo Viomundo

As duas grandiosas visões sobre uma futura distopia foram as de George Orwell em 1984 e de Aldous Huxley em Brave New World. O debate entre aqueles que assistiram nossa decadência em direção ao totalitarismo corporativo era sobre quem, afinal, estava certo. Seria, como Orwell escreveu, dominado pela vigilância repressiva e pelo estado de segurança que usaria formas cruas e violentas de controle? Ou seria, como Huxley anteviu, um futuro em que abraçariamos nossa opressão embalados pelo entretenimento e pelo espetáculo, cativados pela tecnologia e seduzidos pelo consumismo desenfreado? No fim, Orwell e Huxley estavam ambos certos. Huxley viu o primeiro estágio de nossa escravidão. Orwell anteviu o segundo.
Temos sido gradualmente desempoderados por um estado corporativo que, como Huxley anteviu, nos seduziu e manipulou através da gratificação dos sentidos, dos bens de produção em massa, do crédito sem limite, do teatro político e do divertimento. Enquanto estávamos entretidos, as leis que uma vez mantiveram o poder corporativo predatório em cheque foram desmanteladas, as que um dia nos protegeram foram reescritas e nós fomos empobrecidos. Agora que o crédito está acabando, os bons empregos para a classe trabalhadora se foram para sempre e os bens produzidos em massa se tornaram inacessíveis, nos sentimos transportados do Brave New World para 1984. O estado, atulhado em déficits maciços, em guerras sem fim e em golpes corporativos, caminha em direção à falência.
[...]
Orwell nos alertou sobre um mundo em que os livros eram banidos. Huxley nos alertou sobre um mundo em que ninguém queria ler livros. Orwell nos alertou sobre um estado de guerra e medo permanentes. Huxley nos alertou sobre uma cultura de prazeres do corpo. Orwell nos alertou sobre um estado em que toda conversa e pensamento eram monitorados e no qual a dissidência era punida brutalmente. Huxley nos alertou sobre um estado no qual a população, preocupada com trivialidades e fofocas, não se importava mais com a verdade e a informação. Orwell nos viu amedrontados até a submissão. Mas Huxley, estamos descobrindo, era meramente o prelúdio de Orwell. Huxley entendeu o processo pelo qual seríamos cúmplices de nossa própria escravidão. Orwell entendeu a escravidão. Agora que o golpe corporativo foi dado, estamos nus e indefesos. Estamos começando a entender, como Karl Marx sabia, que o capitalismo sem limites e desregulamentado é uma força bruta e revolucionária que explora os seres humanos e o mundo natural até a exaustão e o colapso.
O partido busca todo o poder pelo poder”, Orwell escreveu em 1984. “Não estamos interessados no bem dos outros; estamos interessados somente no poder. Não queremos riqueza ou luxo, vida longa ou felicidade; apenas poder, poder puro. O que poder puro significa você ainda vai entender. Nós somos diferentes das oligarquias do passado, já que sabemos o que estamos fazendo. Todos os outros, mesmo os que se pareciam conosco, eram covardes e hipócritas. Os nazistas alemães e os comunistas russos chegaram perto pelos seus métodos, mas eles nunca tiveram a coragem de reconhecer seus próprios motivos. Eles fizeram de conta, ou talvez tenham acreditado, que tomaram o poder sem querer e por um tempo limitado, e que logo adiante havia um paraíso em que os seres humanos seriam livres e iguais. Não somos assim. Sabemos que ninguém toma o poder com a intenção de entregá-lo. Poder não é um meio; é um fim. Ninguém promove uma ditadura com o objetivo de assegurar a revolução; se faz a revolução para assegurar a ditadura. O objeto da perseguição é perseguir. O objeto de torturar é a tortura. O objeto do poder é o poder”.
O filósofo político Sheldon Wolin usa o termo “totalitarismo invertido” no livro “Democracia Ltda.” para descrever nosso sistema político. É um termo que não faria sentido para Huxley. No totalitarismo invertido, as sofisticadas tecnologias de controle corporativo, intimidação e manipulação de massas, que superam em muito as empregadas por estados totalitários prévios, são eficazmente mascaradas pelo brilho, barulho e abundância da sociedade de consumo. Participação política e liberdades civis são gradualmente solapadas. O estado corporativo, escondido sob a fumaça da indústria de relações públicas, da indústria do entretenimento e do materialismo da sociedade de consumo, nos devora de dentro para fora. Não deve nada a nós ou à Nação. Faz a festa em nossa carcaça.
O estado corporativo não encontra a sua expressão em um líder demagogo ou carismático. É definido pelo anonimato e pela ausência de rosto de uma corporação. As corporações, que contratam porta-vozes atraentes como Barack Obama, controlam o uso da ciência, da tecnologia, da educação e dos meios de comunicação de massa. Elas controlam as mensagens do cinema e da televisão. E, como no Brave New World, elas usam as ferramentas da comunicação para aumentar a tirania. Nosso sistema de comunicação de massas, como Wolin escreveu, “bloqueia, elimina o que quer que proponha qualificação, ambiguidade ou diálogo, qualquer coisa que esfraqueça ou complique a força holística de sua criação, a sua completa capacidade de influenciar”.
O resultado é um sistema monocromático de informação. Cortejadores das celebridades, mascarados de jornalistas, experts e especialistas, identificam nossos problemas e pacientemente explicam seus parâmetros. Todos os que argumentam fora dos parâmetros são desprezados como chatos irrelevantes, extremistas ou membros da extrema esquerda. Críticos sociais prescientes, como Ralph Nader e Noam Chomsky, são banidos. Opiniões aceitáveis cabem, mas apenas de A a B. A cultura, sob a tutela dos cortesãos corporativos, se torna, como Huxley notou, um mundo de conformismo festivo, de otimismo sem fim e fatal.
Nós nos ocupamos comprando produtos que prometem mudar nossas vidas, tornar-nos mais bonitos, confiantes e bem sucedidos — enquanto perdemos direitos, dinheiro e influência. Todas as mensagens que recebemos pelos meios de comunicação , seja no noticiário noturno ou nos programas como “Oprah”, nos prometem um amanhã mais feliz e brilhante. E isso, como Wolin apontou, é “a mesma ideologia que convida os executivos de corporações a exagerar lucros e esconder prejuízos, sempre com um rosto feliz”. Estamos hipnotizados, Wolin escreve, “pelo contínuo avanço tecnológico” que encoraja “fantasias elaboradas de poder individual, juventude eterna, beleza através de cirurgia, ações medidas em nanosegundos: uma cultura dos sonhos, de cada vez maior controle e possibilidade, cujos integrantes estão sujeitos à fantasia porque a grande maioria tem imaginação, mas pouco conhecimento científico”.
Nossa base manufatureira foi desmantelada. Especuladores e golpistas atacaram o Tesouro dos Estados Unidos e roubaram bilhões de pequenos acionistas que tinham poupado para a aposentadoria ou o estudo. As liberdades civis, inclusive o habeas corpus e a proteção contra a escuta telefônica sem mandado, foram enfraquecidas. Serviços básicos, inclusive de educação pública e saúde, foram entregues a corporações para explorar em busca do lucro. As poucas vozes dissidentes, que se recusam a se engajar no papo feliz das corporações, são desprezadas como freaks.
[...]
A fachada está desabando. Quanto mais gente se der conta de que fomos usados e roubados, mais rapidamente nos moveremos do Brave New World de Huxley para o 1984 de Orwell. O público, a certa altura, terá de enfrentar algumas verdades doloridas. Os empregos com bons salários não vão voltar. Os maiores déficits da história humana significam que estamos presos num sistema escravocrata de dívida que será usado pelo estado corporativo para erradicar os últimos vestígios de proteção social dos cidadãos, inclusive a Previdência Social.
O estado passou de uma democracia capitalista para o neo-feudalismo. E quando essas verdades se tornarem aparentes, a raiva vai substituir o conformismo feliz imposto pelas corporações. O vazio de nossos bolsões pós-industriais, onde 40 milhões de norte-americanos vivem em estado de pobreza e dezenas de milhões na categoria chamada “perto da pobreza”, junto com a falta de crédito para salvar as famílias do despejo, das hipotecas e da falência por causa dos gastos médicos, significam que o totalitarismo invertido não vai mais funcionar.
Nós crescentemente vivemos na Oceania de Orwell, não mais no Estado Mundial de Huxley. Osama bin Laden faz o papel de Emmanuel Goldstein em 1984. Goldstein, na novela, é a face pública do terror. Suas maquinações diabólicas e seus atos de violência clandestina dominam o noticiário noturno. A imagem de Goldstein aparece diariamente nas telas de TV da Oceania como parte do ritual diário da nação, os “Dois Minutos de Ódio”. E, sem a intervenção do estado, Goldstein, assim como bin Laden, vai te matar. Todos os excessos são justificáveis na luta titânica contra o diabo personificado.
A tortura psicológica do cabo Bradley Manning — que está preso há sete meses sem condenação por qualquer crime — espelha o dissidente Winston Smith de 1984. Manning é um “detido de segurança máxima” na cadeia da base dos Fuzileiros Navais de Quantico, na Virginia. Eles passa 23 das 24 horas do dia sozinho. Não pode se exercitar. Não pode usar travesseiro ou roupa de cama. Médicos do Exército enchem Manning de antidepressivos. As formas cruas de tortura da Gestapo foram substituídas pelas técnicas refinadas de Orwell, desenvolvidas por psicólogos do governo, para tornar dissidentes como Manning em vegetais. Quebramos almas e corpos. É mais eficaz. Agora todos podemos ir ao temido quarto 101 de Orwell para nos tornarmos obedientes e mansos.
Essas “medidas administrativas especiais” são regularmente impostas em nossos dissidentes, inclusive em Syed Fahad Hasmi, que ficou preso sob condições similares durante três anos antes do julgamento. As técnicas feriram psicologicamente milhares de detidos em nossas cadeias secretas em todo o mundo. Elas são o exemplo da forma de controle em nossas prisões de segurança máxima, onde o estado corporativo promove a guerra contra nossa sub-classe política – os afro-americanos. É o presságio da mudança de Huxley para Orwell.
Nunca mais você será capaz de ter um sentimento humano”, o torturador de Winston Smith diz a ele em 1984.”Tudo estará morto dentro de você. Nunca mais você será capaz de amar, de ter amigos, do prazer de viver, do riso, da curiosidade, da coragem ou integridade. Você será raso. Vamos te apertar até esvaziá-lo e vamos encher você de nós”.
O laço está apertando. A era do divertimento está sendo substituída pela era da repressão. Dezenas de milhões de cidadãos tiveram seus dados de e-mail e de telefone entregues ao governo. Somos a cidadania mais monitorada e espionada da história humana. Muitos de nós temos nossa rotina diária registrada por câmeras de segurança. Nossos hábitos ficam gravados na internet. Nossas fichas são geradas eletronicamente. Nossos corpos são revistados em aeroportos e filmados por scanners. Anúncios públicos, selos de inspeção e posters no transporte público constantemente pedem que relatemos atividade suspeita. O inimigo está em toda parte.
Aqueles que não cumprem com os ditames da guerra contra o terror, uma guerra que, como Orwell notou, não tem fim, são silenciados brutalmente. Medidas draconianas de segurança foram usadas contra protestos no G-20 em Pittsburgh e Toronto de forma desproporcional às manifestações de rua. Mas elas mandaram uma mensagem clara — NÃO TENTE PROTESTAR. A investigação do FBI contra ativistas palestinos e que se opõem à guerra, que em setembro resultou em buscas em casas de Minneapolis e Chicago, é uma demonstração do que espera aqueles que desafiam o Newspeak oficial. Os agentes — ou a Polícia do Pensamento — apreenderam telefones, computadores, documentos e outros bens pessoais. Intimações para aparecer no tribunal já foram enviadas a 26 pessoas. As intimações citam leis federais que proíbem “dar apoio material ou recursos para organizações terroristas estrangeiras”. O Terror, mesmo para aqueles que não tem nada a ver com terror, se torna o instrumento usado pelo Big Brother para nos proteger de nós mesmos.
Você está começando a entender o mundo que estamos criando?”, Orwell escreveu. “É exatamente o oposto daquelas Utopias estúpidas que os velhos reformistas imaginaram. Um mundo de medo, traição e tormento, um mundo em que se atropela e se é atropelado, um mundo que, ao se sofisticar, vai se tornar cada vez mais cruel”.




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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

QUANDO ESTIVER DESANIMADO...LEMBRE-SE DO PORCO !!!

Buscado no blog da Sublime afeição
Conheça o Sublime afeição e seu amor aos animais.
Um bom Ano Novo a todos.
Um fazendeiro colecionava cavalos e só faltava uma determinada raça.
Um dia ele descobriu que seu vizinho tinha esse determinado cavalo.
Assim ele, atazanou seu vizinho até conseguir comprá-lo.

Um mês depois o cavalo adoeceu, e ele chamou o veterinário que disse :
- Bem, seu cavalo está com uma virose, é preciso tomar este medicamento durante 3 dias. No 3º dia eu retornarei e caso ele não esteja melhor será necessário sacrificá-lo.

Nesse momento, o porco escutava a conversa.

No dia seguinte, deram o medicamento e foram embora.
O porco se aproximou do cavalo e disse :
- Força amigo, levanta daí senão será sacrificado !!!

No segundo dia, deram o medicamento e foram embora.
O porco se aproximou novamente e disse :
- Vamos lá amigão, levanta senão voce vai morrer ! Vamos lá, eu te ajudo a levantar. Upa!,Um,dois,três...

No terceiro dia, deram o medicamento e o veterinário disse :
- Infelizmente vamos ter que sacrificá-lo amanhã, pois a virose pode contaminar os outros cavalos.
Quando foram embora, o porco se aproximou do cavalo e disse :
- Cara, é agora ou nunca ! Levanta logo, upa! Coragem ! Vamos, vamos ! Upa! Isso, devagar ! Ótimo, vamos, um, dois, três, legal, legal, agora mais depressa, vai...fantastico ! corre, corre mais ! Voce venceu campeão !!!
Então de repente o dono chegou, viu o cavalo correndo no campo e gritou :
- Milagre !!! O cavalo melhorou, isso merece uma festa !
Vamos matar o porco !




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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

MÍDIA - O precursor do WikiLeaks.

Daniel Ellsberg:

Precursor do WikiLeaks e inimigo da teoria económica neoliberal.

por Yanis Varoufakis [*]

Não é a primeira vez que milhares de documentos classificados foram "libertados", revelando a um público espantado como o seu governo travou uma guerra deliberada de desinformação contra si a fim de dobrar a sua vontade quanto a uma guerra inútil: uma guerra em cujo altar o público enganado é solicitado ritualmente a sacrificar os seus filhos, maridos, esposas, amigos. Esta não é a primeira vez que o establishment uniu-se na sua condenação do corajoso "denunciante" por "colocar as vidas de soldados e mulheres em risco". Não é sequer a primeira vez em que o portador de verdades odiosas foi denegrido, perseguido, aprisionado.

Nesse sentido, nada mudou. Excepto, naturalmente, que, na era da Internet, o WikiLeaks pode inundar o mundo, por meio de uns poucos toques de teclas, com os documentos classificados sacados dos seus cofres bem guardados num minúsculo dispositivo USB. Velocidade e volume contam. No entanto, esta geração de buscadores da verdade, corajosamente a combater pelo direito a saber, ainda deve aos seus antecessores um preito de gratidão por lhes abrir o caminho numa época em que dar fuga à informação significava árduo trabalho físico (noites infindáveis em fotocopiadoras) o que os expunha a riscos muito maiores.

O mais celebrado antecessor do WikiLeaks é, naturalmente, nada menos do que um economista educado em Harvard, Daniel Ellsberg. A sua história é de uma coragem, honestidade intelectual e brilho científico incomuns, pela qual, talvez sem ele próprio saber, deparou-se com um resultado analítico e empírico que deveria ter posto um travão aos trabalhos da teoria económica neoliberal.

A história recordará Ellsberg como uma figura do establishment, o cientista Guerreiro Frio e estrategista político cuja consciência se ergueu contra os seus próprios esforços e que executou um acto notável de resistência: um acto que efectivamente minou a argumentação moral e militar para continuar a Guerra do Vietname. Quase toda gente recorda os infames Pentagon Papers que Ellsberg passou à imprensa, revelando a verdade de que a carnificina chamada Guerra do Vietname era não só uma guerra invencível como também que, notavelmente, os que tinham o poder tinham conhecimento disso há anos e mesmo assim continuavam a enviar jovens soldados à Indochina para matarem e serem mortos. Entretanto, o que é menos sabido é que Ellsberg também costumava, de forma sub-reptícia, minar as falsidades estabelecidas em outro campo de batalha crucial.

O experimento subversivo

Ellsberg principiou a sua carreira como um cientista da RAND que passava o tempo a estudar a teoria da decisão: modelos matemáticos cujo objectivo é estabelecer as regras das escolhas racionais face à incerteza. O Pentágono preocupava-se com estes modelos pois queria ajuda sobre quando atacar, como atacar preventivamente um inimigo, como planear ataques nucleares, etc. Naquele tempo, alguns dos melhores e mais dotados trabalhavam na RAND ou em torno dela sobre estes modelos matemáticos, com John von Neumann como líder natural do conjunto.

A importância destes modelos não pode ser exagerada. O seu principal artifício era converter matematicamente opções incertas em outras bem definidas. A ideia original (devida primariamente a von Neumann e posteriormente a Leo Savage) era simples: considerar toda opção disponível para o decisor (exemplo: posicionar um submarino nuclear ao largo de Vladivostok ou reduzir o preço do seu produto para minar seu competidores); calcular os valores esperados de cada opção, uma vez consideradas todas as probabilidades relevantes; escolher então a opção com o maior valor esperado.

Perguntou alguma vez onde os engenheiros financeiros que nos deram os agora famosos derivativos tóxicos obtiveram tanta confiança para calcular números exóticos, como Valor em risco (Value at Risk, VAR), os quais tranquilizavam os administradores de riscos dos bancos e levava-os à aceitação imbecil dos riscos absurdos (mas supostamente "sem riscos") que os seus rapazes estavam a assumir? A resposta: estes mesmos modelos matemáticos elaborados na RAND e outras entidades tais como as unidades de investigação da Guerra-fria na década de 1950. Todas estas pessoas incrivelmente inteligentes acreditavam piamente que a sua abordagem matemática do valor esperado era o caminho para avançar. Todas excepto uma: Daniel Ellsberg, que logo, desde o princípio e com absoluta honestidade intelectual, revelou a loucura absoluta de toda a abordagem. Para demonstrá-lo, concebeu um experimento brilhante.

Suponha que uma urna contenha 90 bolas e dizem-lhe (a) que 30 são vermelhas e (b) que as restantes 60 bolas são uma mistura desconhecida de negras e amarelas (Importante: não lhe dizem quantas destas 60 negras ou amarelas são realmente negras ou amarelas. Na verdade, podem ser todas amarelas, todas negras ou qualquer combinação de negras e amarelas). Uma bola é seleccionada aleatoriamente e dão-lhe a seguinte escolha. A Opção I lhe dará US$100 se for retirada uma bola vermelha e nada se for negra ou amarela. A Opção II lhe dará US$100 se for retirada uma bola negra e nada se for uma vermelha ou amarela. Aqui está um resumo das opções:



Vermelho Negro Amarelo
Opção I $100 0 0
Opção II 0 $100 0

Anote a sua escolha e considere então duas outras opções baseadas igualmente na retirada aleatória desta urna (depois de as bolas terem sido recolocadas de modo a que a urna contenha as mesmas bolas como antes:



Vermelho Negro Amarelo
Opção III $100 0 $100
Opção IV 0 $100 $100

Qual opção escolheria agora?

O experimento, no qual Ellsberg pediu a centenas de pessoas inteligentes para efectuarem estas escolhas, revelou que a maior parte das pessoas seleccionou as Opções I e IV. Ellsberg destacou então que estes resultados não podiam sem enquadrados com a abordagem matemática (descrita acima) preferida pelos seus colegas da RAND. Por que?

Recordar que os matemáticos da RAND assumiam que, quando apresentados com opções incertas, a pessoa racional assinalaria um valor numérico específico a cada uma e então escolheria a opção com o valor mais alto. Nesta interpretação, quando uma pessoa escolhe a Opção I em detrimento da Opção II, ela está a revelar uma expectativa de que deve haver mais bolas vermelhas na urna do que negras (uma vez que o número de bolas amarelas não tem consequência, uma vez que ela nada ganhará na outra opção se uma amarela for retirada da urna). Contudo, quando a mesma pessoa prefere a Opção IV à Opção III, ela revela exactamente o oposto: que pensa haver mais bolas negras do que vermelhas na urna. (Por que de outro modo daria uma avaliação mais alta à Opção IV do que à Opção III?). Mas isto não pode ser "racional". Não há, na verdade, qualquer meio para que alguém possa racionalizar uma crença de que há mais bolas vermelhas do que negras quando escolhendo entre as Opções I e II e, ao mesmo tempo, pensar que há mais bolas negras do que vermelhas quando escolhendo entre as Opções III e IV. Afinal de contas, trata-se da mesma urna que contem as mesmas bolas.

Então, o que está a acontecer aqui? A explicação simples de Ellsberg é que as pessoas não actuam como os seus colegas da RAND esperavam. Que elas não olham para as suas várias opções de risco, atribuem-lhe diferente valores numéricos esperados e então tratam de escolher a que tem o valor mais alto. As pessoas reais, pensava Ellsberg, interessam-se por algo que os cientistas da RAND desprezam: nós não gostamos de ambiguidade! Para ver o que isto significa, recorde, ao escolher entre as Opções I e II, a pessoa que opta por I sabe a probabilidade exacta de ganhar US$100: é 1 em 3 (uma vez que lhe foi dito inequivocamente que 30 das noventa bolas na urna são vermelhas). Em contraste, se escolhesse a Opção II, a probabilidade de vencer seria desconhecida para ela (uma vez que a proporção de bolas negras é desconhecida). Agora olhe as Opções III e IV. Mais uma vez, ao escolher a Opção IV, a pessoa sabe a probabilidade exacta de vencer: 2 em 3 (uma vez que 60 das bolas não são vermelhas). Em contraste, a probabilidade de ganhar US$100 ao escolher a Opção III é ambígua (pois a proporção de bolas vermelhas e amarelas é desconhecida). Por outras palavras, as escolhas de I e IV podem ser explicadas pela aversão à ambiguidade e preferência por opções que venham com informação precisa e objectiva acerca da probabilidade de ganhar ou perder. Esta espécie de preferência viola a lógica dos cientistas da RAND mas não pode de modo algum ser ignorada.

Este experimento, cujos resultados Ellberg publicou em 1961, [1] passou a ser conhecido como o Paradoxo de Ellsberg . A sua importância é que reflecte um problema mais profundo de toda a teoria económica neoliberal: o tipo de teoria que, especialmente após o fim de Bretton Woods, apossou-se não só da academia como também do sector financeiro e da elaboração da política económica nos governos. O seu princípio básico era, e continua a ser, que coisas incertas podem ser tratadas como se fossem seguras, desde que os riscos tenham sido factorados probabilisticamente! Risco sem risco, por outras palavras. Será que isto o recorda de alguma coisa? Como as classificações AAA dos derivativos que explodiram em 2008?

Ellsberg lançou a advertência urgente de que avaliações de probabilidade captam de forma inadequada o modo como a incerteza entra na tomada de decisão. Embora ele não o tenha dito no momento da publicação do artigo, o experimento acima deveria fazer soar campainhas de alarme todas as vezes que fosse proposto um modelo neoliberal. Se a contribuição científica de Ellsberg não tivesse sido ignorado pela profissão das ciências económicas, os últimos trinta anos ou pouco mais poderiam ter sido diferentes. Infelizmente, resultados científicos como esse de Daniel Ellsberg podem ser seguramente ignorados quando a pista do dinheiro aponta uma direcção diferente.

A grande fuga

Possivelmente devido ao seu profundo envolvimento na RAND e no complexo militar-industrial do qual a RAND era uma parte importante, Ellsberg tornou-se profundamente envolvido na política do governo dos EUA, a saber, a corrida às armas nucleares, a Crise Cubana dos Mísseis, a Guerra do Vietname, etc. Devido às suas credenciais inquestionáveis como empregado da RAND e como um Guerreiro Frio, ele tinha acesso aos chamados Pentagon Papers: um vasto conjunto de documentos altamente classificados que provavam para além de qualquer dúvida que toda a administração dos EUA já sabia que a guerra não podia ser vencida e que as baixas seriam enormes.

Chocado com o que lia, Ellsberg começou a comparecer a reuniões anti-Guerra do Vietname. Em 1969, numa destas reuniões, encontrou um soldado que estava determinado a tomar posição contra a continuação dessa guerra estúpida mesmo que tivesse de ir para a prisão. Ter contacto pessoal com um objector de consciência de carne e osso, um homem pronto para arriscar tudo a fim de fazer a coisa certa, provocou a epifania de Ellsberg a qual o estimulou a tornar-se o mais famoso dissidente do governo dos EUA.

Com a assistência de outro empregado da RAND, ele passou noites incontáveis a fotocopiar documentos, um por um. Depois de terem fracassado as suas tentativas de interessar legisladores quanto ao seu conteúdo, ele passou-as para o New York Times e o Washington Post. Os primeiros extractos explosivos foram publicados em Junho de 1971. A seguir Ellsberg foi despedido do seu emprego e em 1973 foi sujeito a um julgamento sob acusações que o teriam feito passar mais de 110 anos na prisão. Contudo, a notoriedade do seu caso, a defesa rigorosa por advogados qualificados e a evidência clara de subterfúgio do governo (incluindo uma campanha encoberta para difamar e mesmo insultar Ellsberg) levaram finalmente à sua absolvição. Até hoje o establishment americano, incluindo a RAND, não o esqueceu.

Epílogo

No momento em que os nossos estados "liberais" emitiram o equivalente a uma fatwa contra Julian Assange por ajudar, através do WikiLeaks, a tornar públicas verdades vergonhosas, é importante para esta geração recordar os pioneiros, e aprender com eles, nesta luta inter-temporal contra a misantrópica indústria militar e do confusionismo económico.

[1] Ver Daniel Ellsberg (1961) "Risk, Ambiguity, and the Savage Axioms," Quarterly Journal of Economics, 75 (4): 643-669. Curiosamente, o seu resultado experimental está próximo da rejeição de John Maynard Keynes da noção de que, num mundo incerto, pessoas racionais comportam-se como se fossem maximizar alguma função bem definida envolvendo expectativas matemáticas.

[*] Professor de Teoria Económica e director do Departamento de Economia Política da Faculdade de Ciências Económicas da Universidade de Atenas. Seus livros incluem: The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy; (com S. Hargreaves-Heap) Game Theory: A Critical Text (Routledge, 2004); Foundations of Economics: A Beginner's Companion (Routledge, 1998); and Rational Conflict (Blackwell Publishers, 1991). O artigo acima resume argumentos apresentados no Capítulo 12 de Modern Political Economics: Making Sense of the Post-2008 World, de autoria de Yanis Varoufakis, Joseph Halevi, e Nicholas Theocarakis (a ser publicado em Março 2011 pela Routledge).

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/varoufakis161210.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.



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sábado, 25 de dezembro de 2010

J'Accuse: Suécia, Inglaterra e a Interpol insultam as vítimas de violação de todo o mundo

Como sei que o tratamento dado pela Interpol, Inglaterra e Suécia a Julian Assange é uma forma de fazer teatro? Porque sei o que acontece em acusações de violação contra homens que não andam a embaraçar governos poderosos. Por Naomi Wolf.


Naomi Wolf. Foto de Thomas Good / Next Left Notes

Julian Assange, o fundador da WikiLeaks esteve detido em isolamento na prisão de Wandsworth antes do interrogatório sobre acusações estatais de molestação sexual. Imensa gente tem opiniões sobre as acusações. Mas cada vez mais acredito que só aqueles de entre nós que passaram anos a trabalhar com sobreviventes de violação e agressão sexual por esse mundo fora e que conhecem a resposta legal padrão a acusações de crime sexuais, compreendem totalmente como esta situação é uma paródia contra aqueles que têm de conseguir viver com o modo como as acusações de crime sexual são vulgarmente tratadas - e como esta situação é um profundo e mesmo enojante insulto aos sobreviventes de violação e agressão sexual em todo o mundo.
O que quero dizer é isto: os homens praticamente nunca são tratados da maneira que Assange está a ser tratado face a acusações de crimes sexuais.
Comecei a trabalhar como advogada num centro inglês de vítimas de violência sexual nos meados dos meus 20 anos. Também trabalhei como advogada num abrigo para mulheres vítimas de violência nos EUA, onde a violência sexual fazia muitas vezes parte dos padrões de abuso. Passei desde então duas décadas a viajar pelo mundo fazendo relatos sobre sobreviventes de agressão sexual e entrevistando-as e aos seus advogados, em países tão diversos como Serra Leoa e Marrocos, Noruega e Holanda, Israel e Jordânia e os Territórios Ocupados, Bósnia e Croácia, Inglaterra, Irlanda e Estados Unidos.
Digo-vos isto na qualidade de pessoa que registou relatos em primeira mão. Dezenas de milhar de meninas adolescentes foram raptadas sob a mira de armas e mantidas como escravas sexuais na Serra Leoa durante a guerra civil naquele país. Foram atadas a árvores e a estacas no solo e violadas por dúzias de soldados uma a uma. Muitas delas tinham apenas doze ou treze anos. Os seus violadores estão em liberdade.
Encontrei uma menina de quinze anos que arriscou a vida para fugir ao seu captor a meio da noite, levando o bebé que resultou da sua violação por centenas de homens. Caminhou da Libéria até um campo de refugiados na Serra Leoa, descalça e perdendo sangue, vivendo de raízes no mato. O seu violador, cujo nome ela conhece, está em liberdade.

Generais a todos os níveis instigaram esta agressão sexual duma geração de meninas por todo o país. Os seus nomes são conhecidos. Estão em liberdade. Na Serra Leoa e no Congo, os violadores usaram muitas vezes objectos contundentes ou afiados para penetrar a vagina. Rasgões e lesões vaginais, chamados fístulas vaginais, proliferam, como qualquer trabalhador da saúde naquela região pode certificar, mas a assistência médica muitas vezes não está disponível. Portanto as mulheres que foram violadas deste modo frequentemente sofrem com corrimentos constantes e mal odorosos por infecções que podiam ser tratadas com um antibiótico de baixo custo – estivesse ele disponível. Por causa das suas lesões, são evitadas pelas comunidades e rejeitadas pelos maridos. Os violadores estão em liberdade.

Mulheres – e meninas – são drogadas, raptadas e traficadas às dezenas de milhar para a indústria sexual na Tailândia e pela Europa Oriental fora. São mantidas como prisioneiras virtuais por proxenetas. Se se entrevistar as mulheres que passam as suas vidas a tentar resgatá-las e reabilitá-las, elas atestam o facto de que esses raptores e violadores de mulheres são bem conhecidos das autoridades locais e até nacionais – mas esses homens nunca são alvo de acusações. Esses violadores estão em liberdade.

No conflito na Bósnia, a violação era arma de guerra. As mulheres foram presas em barracas utilizadas para esta finalidade e violadas, novamente sob a ponta da espingarda, durante semanas uma a uma. Elas não podiam fugir. Audiências minimalistas depois do conflito resultaram em sentenças de leve admoestação para um punhado de violadores. A vasta maioria dos violadores, cujos nomes são conhecidos, não sofreu acusações. Os militares que perdoaram esses ataques, cujos nomes são conhecidos, estão em liberdade.

As mulheres que testemunhem ter sido violadas na Arábia Saudita, na Síria e em Marrocos arriscam-se a ser presas e espancadas e a ser abandonadas pelas famílias. Os seus violadores quase nunca sofrem acusações e estão em liberdade. As mulheres que são testemunhas em casos de violação na Índia e no Paquistão foram sujeitas a homicídios de honra e a ataques com ácidos. Os seus violadores quase nunca sofreram acusações, quase nunca são condenados. Eles estão em liberdade. Um caso bem conhecido dum playboy nascido em berço de ouro na Índia acusado de violar uma empregada de mesa violentamente – que estava disposta a testemunhar contra ele – resultou em encobrimento aos níveis mais altos da investigação policial. Ele está em liberdade.

E que tal casos mais típicos mais perto de nós? Nos países ocidentais como a Inglaterra e a Suécia, que se estão a unir para manter Assange sem fiança, se efectivamente se entrevistar mulheres que trabalhem em centros de emergência para casos de violação, ouvir-se-á isto: é incrivelmente difícil conseguir-se uma condenação por um crime sexual, ou mesmo uma audiência séria. Os trabalhadores em centros de emergência para casos de violação na Inglaterra e na Suécia dirão que há atrasos enormes no trabalho com mulheres violadas durante anos por pais ou padrastos – que não conseguem que se faça justiça. As mulheres violadas por grupos de homens jovens que estiveram a beber e atiradas da parte de trás dos carros para fora, ou abandonadas depois de violação em grupo num beco – que não conseguem que se faça justiça. As mulheres violadas por conhecidos não conseguem uma audiência séria.

Nos EUA ouvi falar em dúzias de mulheres jovens que foram drogadas e violadas em cidades universitárias pelo país fora. Há quase inevitavelmente um encobrimento pela universidade – que é garantido se os seus violadores forem atletas destacados na universidade ou abastados – e os seus violadores estão em liberdade. Se se chegar a inquérito policial, ele raramente vai muito longe. Violação num encontro? Esqueça. Se uma mulher tiver estado a beber, ou se tiver tido anteriormente sexo consensual com o seu atacante, ou se houver ambiguidade sobre a questão do consentimento, ela quase nunca consegue uma audiência séria ou uma verdadeira investigação.

Se a rara mulher de classe média que apresente queixa de violação contra um estrangeiro de facto for tratada seriamente pelo sistema legal – porque inevitavelmente esses são os poucos e raros casos que o estado se dá ao trabalho de ouvir – ainda assim vai encontrar barreiras inevitáveis a qualquer espécie de verdadeira audiência para não dizer a uma verdadeira condenação: «falta de testemunhas» ou problemas com as provas, ou então um discurso de que até um ataque claro é atingido por ambiguidades. Se, ainda mais raramente, um homem for de facto condenado, será quase inevitavelmente uma condenação mínima, insultuosa na sua trivialidade, porque ninguém quer «arruinar a vida» de um homem, muitas vezes um homem jovem, que «cometeu um erro». (As poucas excepções tendem a considerar uma disparidade previsível de raças – homens pretos realmente chegam a ser condenados por ataques a mulheres brancas de alto estatuto que eles desconhecem).

Por outras palavras: nunca em vinte e três anos de relatos e apoio a vítimas de violência sexual pelo mundo fora alguma vez eu ouvi falar dum caso dum homem procurado por duas nações e mantido preso em isolamento sem fiança antes de ser interrogado – para qualquer alegada violação, mesmo a mais brutal ou mais fácil de provar. Quanto a um caso que implica o tipo de ambiguidades e complexidades das queixas dessas pretensas vítimas – sexo que começou consensualmente e que alegadamente se tornou não-consensual quando a discussão surgiu em volta dum preservativo – por favor encontrem-me, em qualquer parte do mundo, outro homem hoje na prisão sem fiança por alguma acusação que se lhe compare.

Claro que «não é não», até depois do consentimento ser dado, quer se seja homem ou mulher; e claro que os preservativos devem sempre ser usados se houve acordo quanto a isso. Como diria o meu rapaz de 15 anos: dah!

Mas para todas as dezenas de milhar de mulheres que foram raptadas e violadas, violadas sob a mira duma arma, violadas em grupo, violadas com objectos afiados, espancadas e violadas, violadas enquanto crianças, violadas por conhecidos – que ainda estão à espera dum mínimo sussurro da justiça – a reacção altamente excepcional da Suécia e da Inglaterra a esta situação é uma bofetada na cara. Parece dizer às a mulheres na Inglaterra e na Suécia que se alguma vez se quiser que alguém leve o crime sexual a sério, se deve assegurar que o homem que acusa do mal por acaso também tenha embaraçado o governo mais poderoso da Terra.

Mantenham Assange na prisão sem fiança até ser interrogado, dê por onde der, se estivermos de repente numa verdadeira epifania mundial feminista sobre a gravidade da questão do crime sexual: mas a Interpol, a Inglaterra e a Suécia devem, se não querem ser culpadas de manipulação detestável para fins políticos cínicos duma questão grave das mulheres, prendam também – de imediato – as centenas de milhar de homens na Inglaterra, na Suécia e pelo mundo fora que são acusados em termos muito menos ambíguos por formas muito mais graves de violência.

Alguém que trabalhe no apoio a mulheres que foram violadas sabe que com esta resposta grosseiramente desproporcional a Inglaterra e a Suécia, seguramente sob pressão dos EUA, estão a usar cinicamente a questão séria da violação como uma folha de parra para cobrir a questão vergonhosa do conluio global para silenciar a discordância. Não é o Estado a abraçar o feminismo. É o Estado a chular o feminismo.

Naomi Wolf é autora do grande êxito editorial «The End of America: Letter of Warning to a Young Patriot»


Publicado também redecastorphoto

Buscado no Esquerda.Net



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Preconceito que cala, língua que discrimna

Marcos Bagno, escritor e linguista brasileiro, deixa à mostra a ideologia de exclusão social e de dominação política pela língua


Por Joana Moncau*

Marcos Bagno, escritor e linguista brasileiro, deixa à mostra a ideologia de exclusão social e de dominação política pela língua, típica das sociedades ocidentais. “Podemos amar e cultivar nossas línguas, mas sem esquecer o preço altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas nacionais e línguas pátrias”.
O preconceito linguístico é um preconceito social. Para isso aponta a afiada análise do escritor e linguista Marcos Bagno, brasileiro de Minas Gerais. Autor de mais de 30 livros, entre obras literárias e de divulgação científica, e professor da Universidade de Brasília, atualmente é reconhecido sobretudo por sua militância contra a discriminação social por meio da linguagem. No Brasil, tornou-se referência na luta pela democratização da linguagem e suas ideias têm exercido importante influência nos cursos de Letras e Pedagogia.

A importância de atingir esse meio, segundo ele, é que o combate ao preconceito linguístico passa principalmente pelas práticas escolares: é preciso que os professores se conscientizem e não sejam eles mesmos perpetuadores do preconceito linguístico e da discriminação. Preconceito mais antigo que o cristianismo, para Bagno, a língua desde longa data é instrumentalizada pelos poderes oficiais como um mecanismo de controle social. Dialeto e língua, fala correta e incorreta: na entrevista concedida a Desinformémonos, ele desnaturaliza esses conceitos e deixa à mostra a ideologia de exclusão e de dominação política pela língua, tão impregnada nas sociedades ocidentais.

A língua é um dialeto com exército e marinha”, Max Weinreich

O controle social é feito oficialmente quando um Estado escolhe uma língua ou uma determinada variedade linguística para se tornar a língua oficial. Evidentemente qualquer processo de seleção implica um processo de exclusão. Quando, em um país, existem várias línguas faladas, e uma delas se torna oficial, as demais línguas passam a ser objeto de repressão.

É muito antiga a tradição de distinguir a língua associada ao símbolo de poder dos dialetos. O uso do termo dialeto sempre foi carregado de preconceito racial ou cultural. Nesse emprego, dialeto é associado a uma maneira errada, feia ou má de se falar uma língua. Também é uma maneira de distinguir a língua dos povos civilizados, brancos, das formas supostamente primitivas de falar dos povos selvagens. Essa forma de classificação é tão poderosa que se erradicou no inconsciente da maioria das pessoas, inclusive as que declaram fazer um trabalho politicamente correto.

De fato, a separação entre língua e dialeto é eminentemente política e escapa aos critérios que os linguistas tentam estabelecer para delimitar dita separação. A eleição de um dialeto, ou de uma língua, para ocupar o cargo de língua oficial, renega, no mesmo gesto político, todas as outras variedades de língua de um mesmo território à terrível escuridão do não-ser. A referência do que vem de cima, do poder, das classes dominantes, cria aos falantes das variedades de língua sem prestígio social e cultural um complexo de inferioridade, uma baixo auto-estima linguística, a qual os sociolinguistas catalães chamam de “auto-ódio”.

Falar de uma língua é sempre mover-se no terreno pantanoso das crenças, superstições, ideologia e representações. A Língua é um objeto criado, normatizado, institucionalizado para garantir a unidade política de um Estado sob o mote tradicional: “um país, um povo, uma língua”. Durante muitos séculos, para conseguir a desejada unidade nacional, muitas línguas foram e são emudecidas, muitas populações foram e são massacradas, povos inteiros foram calados e exterminados. No continente americano, temos uma história tristíssima de colonização construída sobre milhares de cadáveres de indígenas que já estavam aqui quando os europeus invadiram suas terras ancestrais e dos africanos escravizados que foram trazidos para cá contra sua vontade.

Não podemos esquecer que o que chamamos de “língua espanhola”, “língua portuguesa”, ou “língua inglesa” tem um rico histórico, não é algo que nasceu naturalmente. Podemos amar e cultivar essas línguas, mas sem esquecer o preço altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas nacionais e línguas pátrias.

Breve histórico linguístico da América Latina

A história linguística da América Latina foi e é marcada por muita violência contra as populações não-brancas, em todos os sentidos, dos massacres propriamente ditos, passando pela escravização e chegando aos dias de hoje com a exclusão social e o racismo.

No caso específico das línguas, as potências coloniais (Portugal e Espanha) se empenharam sistematicamente em impor suas línguas. As situações variam de país a país. Na Argentina, por exemplo, depois da independência, o governo traçou um plano explícito de extermínio dos indígenas, a chamada “Conquista do Deserto”, pagando em dinheiro às pessoas que levassem escalpos como prova do assassinato. Com isso, a população indígena da Argentina, principalmente do centro para o sul, desapareceu quase completamente, e com ela suas línguas.

No Peru e na Bolívia, a língua quéchua, que era uma espécie de idioma internacional do império inca, é muito empregada até hoje, havendo mesmo comunidades mais isoladas cujos falantes não sabem falar espanhol.

No Brasil, o trabalho de imposição do português foi muito bem feito, de maneira que é a língua homogênea da população. O extermínio dos índios fez desaparecer centenas de línguas: hoje sobrevivem cerca de 180, mas faladas por muito pouca gente, algumas já em vias de extinção. Durante boa parte do período colonial, a língua mais usada no Brasil foi a chamada “língua geral”, baseada no tupi antigo, que os jesuítas empregaram para catequizar os índios. Com a expulsão dos jesuítas no século XVIII e a proibição do ensino em qualquer língua que não fosse o português, a língua geral desapareceu. É uma pena que não tenhamos uma riqueza linguística como no México, que possui mais de 50 línguas diferentes, sendo que o nahua é falado por cerca de 1 milhão de pessoas. Ainda assim, essas minorias linguísticas no Brasil estão cada vez mais reconhecendo seus direitos e lutando por eles.

Quanto às línguas africanas no Brasil, elas não puderam sobreviver porque os portugueses tomavam cuidado para separar as famílias em lotes diferentes bem como os falantes de uma mesma língua, de modo que fossem obrigados a aprender o português para se comunicar entre si e com os brancos. Mesmo assim, as línguas africanas, sobretudo as do grupo banto, influíram fortemente na formação do português brasileiro, fazendo com que ele se tornasse o que é hoje, uma língua bem diferente do português europeu.

No Paraguai, como não houve expulsão dos jesuítas, a língua geral empregada por eles, o abanheenga (guarani), permanece até hoje como elemento importante da vida dos paraguaios, que são bilíngues em sua maioria: espanhol e guarani.

Falar errado? Para quem?

Também existe uma ideologia linguística que não é oficializada, mas que ao longo do tempo se instaura na sociedade. Em qualquer tipo de comunidade humana sempre existe um grupo que detém o poder e que considera que seu modo de falar é o mais interessante, o mais bonito, é aquele que deve ser preservado e até imposto aos demais.

Nas sociedades ocidentais as línguas oficiais sempre foram objetos de investimento político. As línguas são codificadas pelas gramáticas, pelos dicionários, elas são objetos de pedagogias, são ensinadas. Claro que essa língua que é normatizada nunca corresponde às formas usuais da língua, sempre há uma distância muito grande entre o que as pessoas realmente falam no seu dia-a-dia, na sua vida íntima e comunitária, e a língua oficializada e padronizada.

A questão da língua é a única que une todo o espectro linguístico, ou seja, a pessoa da mais extrema esquerda e da mais extrema direita geralmente concordam, por exemplo, diante da afirmação de que os brasileiros falam português muito mal. É uma ideologia muito antiga, eu digo que é uma religião mais antiga que o cristianismo, porque surgiu entre os gramáticos gregos 300 anos antes de Cristo e se impregnou na nossa cultura ocidental de maneira muito forte.

Entretanto, ao mesmo tempo em que as classes dominantes diziam que era preciso impor o padrão para todo o mundo, elas não permitiam às classes dominadas o acesso a ele. Havia essa contradição, que na verdade não é uma contradição, mas uma estratégia político-ideológica: “Você tem que se comportar assim, mas não vou te ensinar como”. Isso, para as classes dominantes terem, além de outros instrumentos de controle social, também o controle da língua. É o que Pierre Bourdieu chama de a ‘língua legítima’: as classes dominadas reconhecem a língua legitima, mas não a conhecem. Ou seja, elas sabem que existe um modo de falar que é considerado bonito, importante, mas elas não têm acesso a ele.

O preconceito linguístico nas sociedades ocidentais é derivado principalmente das práticas escolares. A escola sempre foi muito autoritária, muitas vezes as pessoas tinham que esquecer a língua que já sabiam e aprender um modelo de língua. Qualquer manifestação fora desse modelo era considerada erro, e a pessoa era reprimida, censurada, ridicularizada.

Outro grande perpetuador da discriminação linguística são os meio de comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser instrumentos maravilhosos para a democratização das relações linguísticas da sociedade. No Brasil, por serem estreitamente vinculados às classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel de defensores dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma linguística, eles estão todos errados e o que apregoam como certo é aquela forma que está consolidada há séculos. Isso ficou muito evidente durante todas as campanhas presidenciais de que Lula participou. Uma das principais acusações que seus adversários faziam era essa: como um operário sem curso superior, que não sabe falar, vai saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusações de que falava errado. A mídia se portava como a preservadora de um padrão linguístico ameaçado inclusive pelo presidente da República.

Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na escrita, o padrão sempre se inspira na escrita literária. Falar como os grandes escritores escreveram é o objetivo místico que as culturas letradas propõem. Como ninguém fala como os grandes escritores escrevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse ideal é praticamente inalcançável.

Entretanto, isso é muito contraditório, porque os ensinos tradicionais de língua dizem que temos que imitar os clássicos, mas ao mesmo tempo somos proibidos de fazer o que os grandes autores fazem, que é a licença poética. Como aprendemos nas escolas, ela é permitida àquele que em teoria sabe tão bem a língua que pode se dar ao luxo de desrespeitar as normas. A diferença entre a licença poética e o erro gramatical é, basicamente, de classe social. Uma pessoa pela sua própria origem social se dá ao direito e tem esse direito reconhecido de falar como quiser, outra, também por sua origem social não tem esse direito.

Cria-se um padrão linguístico muito irreal, muito distante da realidade vivida da língua. É a partir desse confronto entre a maneira de falar das pessoas e essa língua codificada, que surgem esses conflitos linguísticos. A pessoa, ao comparar seu modo de falar com aquilo que aprende na escola ou com o que é codificado, vê a distância que existe entre essas duas entidades e passa a achar que seu modo de falar é feio, é errado.

Qualquer tipo de imposição linguística acaba gerando um efeito contrário que é a auto-rejeição linguística ou a promoção de um preconceito linguístico por parte das camadas sociais dominantes.

Luta contra o preconceito linguístico

Acabar com o preconceito linguístico é uma coisa difícil. É preciso sempre que façamos a distinção entre preconceito e discriminação. O que nós temos que combater é a discriminação, ou seja, quando esse preconceito deixa de ser apenas uma atitude ou um modo de pensar das pessoas e se transforma em práticas sociais.

Primeiro é preciso reconhecer a existência do preconceito linguístico, conhecer os modos como ele se manifesta concretamente como atitudes e práticas sociais, denunciar isso e criar modos de combatê-lo.

Justamente pelo fato de o preconceito linguístico nas sociedades ocidentais ser derivado das práticas escolares, na minha opinião, o grande mecanismo para começar a desfazer o preconceito linguístico, a discriminação linguística, está também na pratica escolar. É muito importante que a escola, em sociedades letradas como a nossa, permita ao aluno esse processo do acesso ao letramento a partir de práticas pedagógicas democratizadoras, em que as variações linguísticas sejam reconhecidas como prática da cultura nacional, que não sejam ridicularizadas. E é claro que isso tem um funcionamento político muito importante, não só na escola, mas em toda a sociedade.

Por isso que no Brasil, eu e um conjunto de outros linguistas e educadores estamos sempre atacando muito o preconceito linguístico e propondo práticas pedagógicas democratizadoras. Que a criança, ao chegar na escola falando uma variedade regional menos próxima do padrão, não seja discriminada. Nosso trabalho atualmente se centra muito na escola, nos materiais didáticos e na formação dos professores de português, para que não sejam eles mesmos perpetuadores do preconceito linguístico e da discriminação.

Além disso, vale considerar que, em menos de meio século, a proporção mundial entre a população urbana e a rural ficou muito desigual, com a população mundial muito mais urbanizada. A urbanização implica o contato com formas linguísticas de maior prestigio, na televisão, na escola, na leitura etc. Isso vai implicar também uma espécie de nivelamento linguístico. Embora as variedades linguísticas se mantenham, quanto mais pessoas souberem ler e escrever e tiverem ascensão social, é mais provável que haja um nivelamento linguístico maior.

No caso específico do Brasil, nos últimos oito anos, quase 30 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza e com isso vão impor também sua maneira de falar. Outro dado muito importante é que a grande maioria das pessoas que se formam professores (de português, principalmente) vem dessas camadas sociais. Portanto, o professor que está indo para sala de aula já é falante dessas variedades linguísticas que antigamente eram estigmatizadas. Isso vai provocar um grande movimento de valorização dessas variedades menos prestigiadas. Estamos assistindo a um momento muito importante da história sociolinguística do Brasil.

*Matéria do Brasil de fato

Buscado no Terra Brasilis 


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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Energia renovável e soberania


A Petrobrás assumiu uma linha de compra de empresas de etanol para barrar a desnacionalização, visando tornar-se líder no ramo. É uma tentativa de correr atrás do tempo perdido pois, estipula-se, cerca de 40 por cento do etanol já foi desnacionalizado. O governo Lula buscou implementar mecanismos de contenção à desnacionalização fundiária, ainda longe da necessidade, e constituiu uma empresa estatal no setor, a Petrobrás Biocombustíveis, opção correta, muito embora sua ação ainda esteja dependente da soja, controlada por um cartel de multinacionais no Brasil. Mas, é um caminho no qual se deve avançar sem medo, pois há imenso apoio popular.
Beto Almeida
Há décadas, o professor Bautista Vidal, organizador do Pró-alcool, alerta para a necessidade de criação de um instrumento de proteção ao enorme potencial de energia da biomassa que o Brasil dispõe. Defende um Empresa Pública de Energia Renovável, também defendida por vários pensadores e lutadores sociais progressistas, como maneira eficaz de bloquear a desnacionalização brutal em curso.
Nada como o tempo: nos últimos anos verificou-se enorme desnacionalização do setor de etanol no Brasil, culminando, recentemente, com a compra da maior de todas as usinas brasileiras, a Cosan, pela Shell, uma das “sete irmãs”. Revela-se, pelos fatos, que todo o discurso de países imperiais nos fóruns internacionais contra o etanol, discurso repetido pelas academias e pelas ONGs regiamente pagas por governos, não foi capaz de esconder o interesse prioritário que os maiores consumidores de petróleo nutrem pelo controle da energia da biomassa. Na realidade, o discurso anti-etanol lhes interessa somente enquanto o controle desta nova fonte produtiva não estiver totalmente sob as mãos do capital estrangeiro.
Recentemente, a Petrobrás assumiu uma linha de compra de empresas de etanol para barrar a desnacionalização, visando tornar-se líder no ramo. É uma tentativa de correr atrás do tempo perdido pois, estipula-se, cerca de 40 por cento do etanol já foi desnacionalizado. O governo Lula, dando razão às advertências nacionalistas de Vidal, buscou implementar mecanismos de contenção à desnacionalização fundiária, ainda longe da necessidade, e constituiu uma empresa estatal no setor, a Petrobrás Biocombustíveis, opção correta, muito embora sua ação ainda esteja dependente da soja, controlada por um cartel de multinacionais no Brasil. Mas, é um caminho no qual se deve avançar sem medo, pois há imenso apoio popular.
Aliás, na linha da re-nacionalização do petróleo em marcha, Dilma já declarou que o Brasil seguirá avançando em seu potencial petroquímico, adicionando o imenso potencial álcool-químico como um campo de desenvolvimento para a produção de combustíveis mas também de derivados como o plástico verde, biodegrável.
O que espanta é que diante deste potencial de geração de renda e emprego, de soberania energética, sobretudo para a agricultura familiar, descentralizando o desenvolvimento, uma parte da esquerda e dos movimentos sociais esteja em silêncio, fora do debate. Ou limitam-se ao antietanolismo. Será que Darcy Ribeiro tem razão quando disse “falta nacionalismo na nossa esquerda”? Gandhi, na luta contra o colonialismo inglês, teve que levantar a bandeira da nacionalização do sal.

Buscado no Gilson Sampaio



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